O medo do brasileiro de perder o emprego deu uma trégua em dezembro, depois de uma trajetória de crescimento iniciada em março de 2013. Segundo pesquisa divulgada ontem pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), esse indicador caiu 2,6% no mês passado em relação à última sondagem, em setembro, de 77 pontos para 75. O levantamento, feito entre 5 e 8 de dezembro, com 2.002 pessoas em 142 municípios, foi a primeira diminuição verificada após seis trimestres seguidos de alta. Mas segundo técnicos da entidade, essa tendência não vai se sustentar. 

O gerente executivo de pequisa e competitividade da CNI, Renato da Fonseca, explica que o pessimismo apurado em setembro refletiu o debate político da época, que bombardeou o público de informações econômicas e gerou temor quanto ao futuro do mercado de trabalho. Em dezembro, por sua vez, sob efeito dos empregos temporários, a percepção ruim recuou. "Enquanto o desemprego não chega na própria pessoa ou em alguém próximo, a tendência é de ela achar que nada vai ocorrer. Mas isso vai mudar agora, porque o mercado está ruim, o salário parou de crescer e as estratégias para evitar demissões se esgotaram", avaliou. 

A tese do economista é confirmada pela diarista Maria do Carmo, de 51 anos. Apesar de ser sempre requisitada, o desemprego já a preocupa. "Tenho visto conhecidos e vizinhos que perderam o emprego recentemente e temo ser a próxima. Ainda mais com com a crise no governo local", desabafou. Opinião idêntica tem a estudante de arquitetura, Alyssa Volpini, 24 anos. Ela receia evoluir de universitária a desempregada assim que se formar. Mesmo com notas boas e já tendo estagiado em dois escritórios ao longo da formação, acha que precisará de sorte. "A mão de obra para estagiário é mais barata", explicou. 

Austeridade 
Fonseca, da CNI, lembrou que a expectativa de piora do emprego já esteja registrada em março. Entre os motivos, cita as mais de mil demissões ocorridas na indústria automobilística em janeiro e o anúncio da política de austeridade pelo governo, para resgatar a confiança na economia do país. "O ajuste fiscal vai piorar as condições de emprego, mas ele é necessário até para recuperar as condições de investir. Se o empresário tiver como planejar, esse quadro poderá se reverter", observou. 

O professor de economia do Insper, Otto Nogami, acrescentou que, à medida que o horizonte fica mais claro, após a divulgação da queda da produção industrial em novembro, "o mercado já sinaliza que o Produto Interno Bruto (PIB) será negativo em 2014 e talvez em 2015". "Se quisermos resgatar uma taxa de crescimento de 4% a 4,5%, temos que corrigir todos os malfeitos desde 2010 para cá", enfatizou. O professor ainda diz que as pessoas, além de temerem o desemprego, vão começar a se preocupar com o orçamento doméstico. "Isso vai repercutir no consumo e, por tabela, na produção".

 

 

Tombo das montadoras

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) informou ontem que a produção do setor se retraiu 15,3% em 2014, puxada pela queda de 7,1% nas vendas domésticas. A entidade aposta, contudo, na recuperação parcial da atividade este ano, graças à valorização do dólar e uma esperada queda na participação dos importados. Outra expectativa está na entrada em vigor de legislação que acelera a retomada de bens de inadimplentes, o que incentivaria os bancos a elevar os financiamentos aos consumidores. 

Para este ano, a Anfavea espera uma alta de 4,1% na produção, para 3,276 milhões de veículos. A expectativa para as vendas internas é de estabilidade, repetindo o desempenho de 2014, em torno de 3,5 milhões de veículos. "O dólar alto no médio a longo prazos auxiliará a nossa exportação", disse o presidente da Anfavea, Luiz Moan, acrescentando que o setor está buscando acordos de comércio com América Latina e África. 

O tombo da produção em 2014 fez começarem a surgir os primeiros anúncios de demissões nas montadoras, uma perspectiva que não assombrava o setor no Brasil desde pelo menos o início dos anos 2000. Na terça-feira, a Volkswagen anunciou o desligamento de 800 funcionários de sua fábrica no ABC paulista, afirmando que se tratava de uma primeira etapa de ajustes, que pode envolver mais 1,3 mil operários, segundo o sindicato local. A Mercedes-Benz cortou 250 empregados este ano e a Volvo já reduziu o quadro em dezembro.

 

Indústria indica recessão

 

A atividade da indústria surpreendeu e registrou queda de 0,7% em novembro sobre o mês anterior, informou ontem o Instituto Brasileiro de Geografia a Estatística (IBGE). A expectativa de analistas era de que a produção industrial crescesse 0,5% em novembro sobre outubro, quando a atividade teve alta de 0,1%. Na comparação anual, a expectativa era de queda de 4%. O resultado mostrou desempenho pífio em todas as categorias analisadas e indica a chance de o Produto Interno Bruto (PIB) ter se contraído em 2014. 

Na comparação com um ano antes, a produção despencou 5,8% em novembro, o nono resultado negativo seguido e maior recuo desde o tombo de 6,9% em junho. Com isso, o setor acumula contração de 3,2% em 12 meses, pior desempenho nessa base de análise desde janeiro de 2010 (-4,8%). A produção de bens de consumo duráveis chamou a atenção, com uma queda de 2,1% em novembro sobre o mês anterior e de 11% na comparação com um ano antes. 

Segundo o economista do IBGE André Luiz Macedo, os números refletem a baixa confiança dos empresários e dos consumidores, a evolução mais lenta da demanda doméstica, a restrição maior ao crédito e a formação de estoques do setor como um todo, entre outros fatores. "O ano passado foi de menor intensidade para a indústria. Nos últimos meses houve predominância de relatos de paralisação das atividades produtivas e de concessão de férias coletivas. É uma tentativa de adequação da produção corrente à demanda atual", explicou.