Laudo da Polícia Federal indica que o Posto da Torre, apontado pelos investigadores da Operação Lava Jato como uma espécie de "caixa eletrônico da propina" em Brasília, gerenciou contas que movimentaram pelo menos R$ 10,8 milhões entre 2007 e 2014. A perícia mostra que o dinheiro transitou por 375 contas ainda sob investigação da PF.

 

As informações do fluxo financeiro do Posto da Torre foram extraídas de um CD apreendido pela Polícia Federal nas dependências do estabelecimento, cujo proprietário é o doleiro Carlos Habib Chater, réu da Lava Jato.

André Dusek/Estadão

Posto da Torre, em Brasília, pertence a Carlos Habib Chater, réu na Lava Jato

 

 

Chater foi citado em uma das delações premiadas feita pelo doleiro Alberto Youssef, personagem central nas investigações, como sendo um dos intermediários da propina a agentes públicos e políticos no esquema de corrupção que operou na Petrobrás. Youssef é o principal acusado de lavar dinheiro desviado de contratos superfaturados da estatal para políticos.

 

Os documentos em poder da PF não revelam os titulares das contas analisadas na perícia. Todas elas, inclusive, aparecem criptografadas nos laudos analisados na perícia, o que impede os investigadores de rastrear o dinheiro movimentado. "Havia 375 contas no arquivo examinado. Não é possível precisar o tipo das contas, pois todas estavam classificadas como 'banco'", diz o documento.

 

 

Os dados obtidos pela polícia sobre a contabilidade do posto eram sistematizados em um programa de computador chamado Money. Segundo o laudo assinado pelo perito Ricardo Penck Benazzi, o software pode ser usado para "controle paralelo de contabilidade de pequenas e médias empresas".

 

"Devido a sua versatilidade, pode ser usado também com algumas restrições para controle paralelo de contabilidade de pequenas e médias empresas", diz.

 

Funcionamento. O programa de computador foi citado por um dos sócios de Chater em depoimento prestado à Justiça Federal. Réu confesso, Ediel Viana da Silva admitiu ao juiz Sérgio Moro, que conduz os processos da Lava Jato em Curitiba, que o posto era um local usado pelos políticos para receber dinheiro de propina. Apesar de o posto ser considerado um "caixa eletrônico" pela Polícia Federal, as operações eram feitas manualmente sem uso de equipamento eletrônico para saques.

 

"O dinheiro entrava no Money (sistema de contabilidade do Posto da Torre) como saída de devolução", disse Viana à Justiça. Em seu depoimento, Viana confirmou também que o ex-deputado Pedro Corrêa, que foi presidente do PP, "levou valores" enviados por Youssef, nas vezes em que esteve no posto.

 

O advogado de defesa do ex-parlamentar afirmou que não vai comentar sobre o depoimento prestado por Viana à Polícia Federal até ter acesso ao conteúdo da delação do doleiro ao longo das investigações.

 

O laudo foi finalizado pela PF em outubro e incorporado aos autos da Operação Lava Jato sábado passado. A perícia foi autorizada pelo juiz Sérgio Moro, que já classificou Chater como "criminoso dedicado à prática de lavagem de dinheiro e de crimes financeiros no âmbito do mercado negro do câmbio".

 

O negócio que deu nome à Operação Lava Jato

FÁBIO BRANDT

Posto fica a três quilômetros do Congresso

 

BRASÍLIA - Numa região nobre da capital federal, separada do Congresso por cerca de 3 quilômetros, está o posto de gasolina inspirador do nome da principal operação realizada pela Polícia Federal neste ano: a Lava Jato.

O Posto da Torre, um dos mais movimentados do centro da cidade, não é só um lugar para abastecer veículos. Trata-se de um complexo comercial que oferece de alimentação a lavanderia. Chegou a incluir ainda uma casa de câmbio hoje fechada, a ValorTur, que, segundo agentes federais, lavava dinheiro. A lavanderia de roupas, no entanto, segue aberta.

 

 

 

Com a bandeira Ale, o posto tem 16 bombas. Por dia, atende de 3 mil a 3,5 mil veículos e vende cerca de 50 mil litros de combustível. Os 85 funcionários não dão entrevistas. Alguns relatam que a família do dono do lugar, Carlos Habib Chater, preso desde março, pediu que não falassem com a imprensa.

 

Quando as buscas e apreensões da primeira fase da Lava Jato foram realizadas, em 17 de março, não se sabia o tamanho da repercussão que a operação ganharia nos meses seguintes.

 

Naquele dia, ecoou em Brasília que um dos presos era Carlos Habib Chater, dono do popular posto, localizado nas cercanias da Torre de TV, ponto turístico obrigatório.

 

Com o silêncio dos funcionários, o que se sabe sobre o dono do comércio está em documentos oficiais. Seu paradeiro atual é a Casa de Custódia de São José dos Pinhais, no Paraná.

 

Uma das denúncias contra Chater motivada pela Lava Jato o descreve como comandante de "uma organização criminosa destinada a fazer operar instituição financeira sem autorização legal, efetuando operações de câmbio não autorizadas para o fim de promover a evasão de divisas do País". O centro da organização de Chater seria o posto.

 

 

Condenação. Chater já foi condenado a um ano e seis meses de prisão pela Justiça Federal de Brasília por ter operado uma casa de câmbio ilegal de 1992 a 1995. Seu pai, Habib Salim El Chater, era sócio no negócio e recebeu a mesma pena. Na época, a Fly Turismo funcionava no edifício comercial Venâncio 2000, a duas quadras do Posto da Torre.

 

Na Lava Jato, Chater chamou atenção por causa da ValorTur, que funcionava dentro do Posto da Torre. Os autos deixam claro que o caso da Fly não fez com que Chater deixasse de ser, assim como seu negócio, multifuncional.

 

Ele não é só um empresário: ao lado de Alberto Youssef, que fez acordo de cooperação com as autoridades, Carlos Habib Chater era um dos doleiros encarregados de lavar dinheiro sujo no esquema investigado pela Operação Lava Jato.

 

Segundo as autoridades, tráfico de drogas e corrupção de agentes públicos estão entre os crimes encobertos por doleiros investigados.