A presidente da Petrobrás, Graça Foster 

A pressão pela troca da atual direção da Petrobrás aumentou ontem, após a revelação de que a presidente da estatal, Graça Foster, foi informada sobre irregularidades antes de virem à tona as investigações da Operação Lava Jato, da Polícia Federal. Além de não terem sido tomadas providências em parte das denúncias da geóloga Venina Velosa da Fonseca, ex-gerente executiva da Diretoria de Abastecimento, a funcionária relatou ter sofrido represálias da antiga e da atual direção. Ela deve prestar depoimento ao Ministério Público Federal na próxima semana.

 

Ontem, após a divulgação desses fatos pelo jornal Valor Econômico, a oposição voltou a cobrar a saída de Graça e vai pedir o indiciamento dela no relatório paralelo da CPI mista da Petrobrás. "Ela vai se transformando numa presidente fraca, que não tomou medidas para conter os desmandos na Petrobrás", disse o líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy (BA). Na terça-feira, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já havia se posicionado pela troca de comando na estatal.

 

Dentro do próprio PT, apesar de declarações públicas de apoio a Graça, cresce o movimento pela troca do comando da estatal, principalmente entre os integrantes do partido ligados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para esta ala dos petistas, a crise em torno da empresa exige a nomeação de alguém do mercado para a presidência da estatal, de fora dos quadros da Petrobrás, e que tenha autonomia para cortar investimentos e rever o planejamento da petroleira.

 

Acusações. Venina atuava na Diretoria de Abastecimento - subordinada a Paulo Roberto Costa, delator do esquema de desvios na estatal - quando fez a primeira denúncia sobre despesas irregulares, em 2008. Nos anos seguintes, ela apontaria elevação de custos da refinaria de Abreu e Lima, um dos focos da Lava Jato, e na comercialização de óleo combustível no exterior. Nesse último caso, já sob a gestão de Graça e com José Carlos Cosenza no lugar de Costa, não foram tomadas providências a respeito, segundo a reportagem.

 

Na primeira denúncia, a ex-gerente verificou que contratos de pequenos serviços na comunicação da Diretoria de Abastecimento, cujo orçamento para o ano de 2008 era de R$ 39 milhões, somavam R$ 133 milhões de janeiro a meados de novembro. Ao procurar Costa, o então diretor apontou o dedo para um retrato do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e perguntou se ela queria "derrubar todo mundo".

 

Costa também afirmou que a responsabilidade sobre os gastos era de outro gerente, Geovanne de Morais. Venina levou o caso ao presidente da Petrobrás na época, José Sergio Gabrielli. Uma comissão interna detectou R$ 58 milhões pagos por serviços não realizados e determinou a demissão de Morais.

 

Abreu e Lima. No ano seguinte, em abril, Venina enviou e-mail para Graça, na época diretora de Gás e Energia, pedindo ajuda para escrever sobre os problemas na estatal. Ela verificou elevação de gastos em Abreu e Lima de US$ 4 bilhões para US$ 18 bilhões, em contratos firmados com empreiteiras hoje investigadas pela Lava Jato.

 

Em ofício de 4 de maio de 2009, Venina criticou a forma de contratação sem licitação em pelo menos quatro ocasiões. Para ela, o "início das licitações em Abreu e Lima" seriam as "medidas corretas" a serem adotadas. Desde 1998, decreto do então presidente Fernando Henrique Cardoso libera a Petrobrás de seguir a Lei de Licitações.

 

Segundo documento de 2009 da estatal, a ex-gerente fez 107 Solicitações de Modificação de Projetos, com economia estimada de R$ 948 milhões. Nenhuma foi aceita. Parte das sugestões era direcionada à Diretoria de Serviços, comandada na época por Renato Duque - investigado e preso pela Lava Jato, ele foi solto por liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki.

 

Em outubro de 2009, Venina deixou o cargo subordinado a Costa. Em fevereiro de 2010, foi enviada para uma unidade da Petrobrás em Cingapura - no mês passado, a ex-gerente diria a Graça que, ao ser expatriada, "o diretor, hoje preso, levantou um brinde, apesar de dizer ser pena não poder me exilar por toda a vida".

 

A Petrobrás abriu em 2011 investigação interna sobre Abreu e Lima, mas não se sabe se foi a partir da denúncia da geóloga.

 

'Vergonha'. No fim de 2011, Venina disse a Graça, por e-mail, que "o imenso orgulho que tinha pela empresa" deu lugar à "vergonha". A geóloga sugeriu apresentar a documentação à então diretora de Gás e Energia. "Parte dela eu sei que você já conhece. Gostaria de te ouvir antes de dar o próximo passo." A reportagem não diz se Graça respondeu à geóloga.

 

Venina voltou ao Brasil em 2012 por cinco meses, antes de retornar a Cingapura como chefe do escritório. Em março e abril de 2014, já com Graça na presidência da Petrobrás e Cosenza no lugar de Costa, a geóloga enviou e-mails ao diretor sobre perdas de até 15% na comercialização de combustível para navios.

 

Sem resposta do diretor, em maio Venina veio ao Brasil e fez uma apresentação na sede da estatal sobre o caso e, no mês seguinte, propôs a criação de uma área de controle de perdas nos escritórios fora do Brasil. Novamente ficou sem resposta.

 

A última mensagem de Venina foi enviada em 17 de novembro, dois dias antes de ser afastada da chefia de Cingapura. No dia 20, ela disse a Graça: "Fui ameaçada e assediada. Até arma na minha cabeça e ameaça às minhas filhas eu tive."

 

Me usaram como 'boi de piranha', diz ex-gerente da Petrobrás

 

Geovanne de Morais, demitido em 2008 por suspeitas de corrupção, ataca gestão da estatal e afirma que havia desorganização 'proposital' na empresa

 

O ex-gerente de Comunicação do Abastecimento Corporativo da Petrobrás Geovanne de Morais, citado em investigações internas que apontam envolvimento dele em desvios na estatal, rebate as acusações e afirma ter sido usado como "boi de piranha" pela direção da estatal. Morais comandou em 2008 a gerência de Comunicação do Abastecimento Corporativo da petroleira, posto no qual era subordinado ao ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, preso na Operação Lava Jato, da Polícia Federal.

 

Nesta sexta, reportagem do jornal Valor Econômico afirma que uma ex-funcionária da estatal alertou a atual diretoria sobre irregularidades na empresa antes da Lava Jato. A geóloga Venina Velosa da Fonseca, que foi gerente executiva da Diretoria de Abastecimento, avisou a presidente da companhia, Graça Foster, sobre pagamentos de serviços de comunicação que não foram prestados, cujos valores chegariam a R$ 58 milhões, e sobre a escalada de aditivos que elevaram os custos da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, de US$ 4 bilhões para US$ 18 bilhões.

 

 

Fábio Motta/Estadão - 10.09.2013

Sede da Petrobrás, no Rio

 

 

Morais era um dos responsáveis pela promoção de eventos esportivos, festas, shows e bailes de carnaval realizados para divulgar a marca Petrobrás. Em entrevista aoBroadcast Político, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, o ex-diretor afirmou que era prática comum na estatal a ausência de planejamento de gastos na maioria desses eventos. Ele foi demitido em 2008, por suspeita de corrupção, em meio às investigações internas de desvio em contratações de "pequenos serviços" que totalizaram R$ 150 milhões em um ano. Após a demissão, ele entrou em licença médica e permaneceu nos quadros da Petrobrás por mais cinco anos, quando só então sua saída foi efetivada.

 

Atualmente, diz viver com ajuda de familiares. Está com aluguéis atrasados e ordem de despejo prevista para janeiro. "Executaram a pessoa errada", afirma, em entrevista exclusiva.

 

Investigação interna na Petrobrás culminou com a saída do sr. da empresa, por causa de sobrepreço nos contratos. O que ocorreu?

Me usaram como "boi de piranha" porque quando você pede algo emergencialmente, sobretudo na área de Comunicação, não tem como praticar preços. Se você planeja uma ação, contrata com antecedência. Licita, escolhe o melhor preço. Esse é o princípio correto para administrar qualquer recurso, seja privado ou público. Quando você não planeja e trabalha de modo emergencial, o mercado fornecedor vai te espremer e cobrar o preço conforme a sua emergência. Nós, na Comunicação, pedíamos às áreas que nos demandavam para informar as necessidades durante o ano. Isso era praxe. Sempre pedíamos isso em janeiro, mas ninguém nos informava. Se tornava muito difícil praticar preços dentro do valor de mercado.

 

Por que o sr. se considera "boi de piranha"?

Há uma máxima, na administração, de que para roubar tem de ser honesto. Então vieram com essa história dos pequenos serviços e de que havia sobrepreço. Vou relatar apenas um exemplo. Em abril de 2008, criamos um grupo de trabalho para realizar a Fórmula 1, em novembro de 2008. Queríamos definir preços e organizar o evento. Acredita que em outubro a área de contratação, que respondia à dona Venina Velosa da Fonseca, não havia feito contrato algum sob alegação de que não houve tempo? Não podíamos deixar cair as reservas dos hotéis para o evento. Então, termina por haver sobrepreço. Quando você abre uma comissão de investigação para avaliar preços, lógico que vai encontrar, por exemplo, um ingresso que custava R$ 5 mil mas pelo qual foi pago R$ 7 mil. Era uma coisa totalmente atabalhoada.

 

Era frequente essa falta de planejamento com eventos?

Era muito comum, porque tinha uma lógica de que a empresa estava crescendo muito, fazendo grande investimentos. A preocupação maior era com isso. As comissões foram instaladas para me demitir, mas foi uma cortina de fumaça. O orçamento da comunicação era uma gota d'água dentro do oceano.

 

O sr. aponta uma falta de organização proposital. A direção sabia disso?

O Paulo Roberto Costa delegava à Venina, que delegava a outros gerentes. A Venina me delegava, por competência eletrônica. Todo o serviço pago era feito eletronicamente. Ou seja, todo mundo tinha consciência do que acontecia.

 

O sr. pode citar exemplos concretos?

O Carnaval 2008 não teve planejamento e isso teve custo altíssimo, acho que de R$ 1 milhão para cada escola e, depois, a realização de camarote. A Fórmula 1, que está no calendário, não tem planejamento. Daí o estouro orçamentário, habitual de ocorrer todo ano. Se abrir uma comissão para investigar, o que não faltará é problema.

 

O presidente da estatal na época, Sérgio Gabrielli, tinha conhecimento desses fatos?

Não posso garantir. Mas se não tinha (conhecimento das irregularidades), deveria ter.

 

Havia desvios de outras formas?

O que havia era uma profunda ingerência política, com muitas demandas. Para compensar o Rio Grande do Norte por causa de um investimento que foi para Pernambuco, por exemplo, foram criadas ações de relacionamentos com os poderes públicos de lá. Ações com o pessoal do poder local. Influências desse tipo eram muito fortes.

 

Desde a sua saída da Petrobrás, voltou a trabalhar na área de marketing?

Me expuseram. Isso danificou a minha família, me separei. Uma filha ficou doente. Ela já tinha problemas de bipolaridade e isso se agravou. Um outro filho se envolveu com drogas. Eu passo privações básicas. Da forma como eles fizeram, não consigo encontrar emprego em lugar algum. Tenho sobrevivido com ajuda de parentes. Atualmente, moro em Salvador. Meu aluguel está atrasado há cinco meses e por isso recebei ordem de despejo para o dia 25 de janeiro. Estou sem saber o que fazer e sem ter para onde ir. Entre pagar condomínio e aluguel, tenho escolhido fazer o mercado para não morrer de fome. Não tenho dinheiro. Eles executaram a pessoa errada.