Dois dias após receber o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, que apurou crimes e violações de direitos humanos ocorridos de 1946 a 1988, com foco na ditadura militar (1964-1985), a presidente Dilma Rousseff defendeu ontem o fortalecimento das Forças Armadas brasileiras durante cerimônia repleta de militares. Foi o primeiro encontro de Dilma com as autoridades mais graduadas da Marinha, do Exército e da Aeronáutica desde que 377 agentes públicos foram apontados como responsáveis por crimes contra a humanidade, incluídos os cinco generais presidentes no período de exceção – conclusão do relatório que gerou críticas de setores militares. A presidente foi recebida cordialmente pelos militares, que a acompanharam na inauguração do prédio principal do estaleiro de construção de submarinos em Itaguaí, região metropolitana do Rio. Dilma foi aplaudida de pé pelo menos duas vezes: quando foi anunciada e quando terminou seu discurso, em que destacou a importância dos investimentos no setor de defesa.

“O Brasil é um país pacífico e assim continuará. Isso, no entanto, não significa descuidar de nossa Defesa ou abdicar de nossa capacidade de dissuasão, ao contrário. Nossa capacidade de manter a paz será tanto maior quanto mais bem equipadas estiverem nossas Forças Armadas e mais forte nossa indústria da defesa. Temos um patrimônio muito valioso para proteger”, disse Dilma. Depois da cerimônia, o comandante da Marinha, Almirante Julio Soares de Moura Neto, afirmou que a comissão cumpriu seu papel. Segundo ele, a Marinha vai analisar o relatório e aguarda “orientações” da Presidência. “(A Comissão Nacional da Verdade) cumpriu o papel dela. Fez um relatório que nós ainda não tivemos oportunidade de nos debruçar”, disse Moura Neto, único representante militar a conversar com os jornalistas. “As Forças Armadas estão aguardando o que ela (Dilma) disse, que vai se debruçar sobre o relatório. Talvez saiam algumas orientações e determinações.

Também vamos nos debruçar sobre o relatório.” O Almirante ainda comentou que o tema não foi discutido com a presidente. Dilma teve a seu lado, durante a cerimônia, o ministro da Defesa, Celso Amorim, o governador reeleito do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), e os comandantes do Exército, General Enzo Peri, e da Aeronáutica, Tenente-brigadeiro Juniti Saito, além do comandante da Marinha. Outras autoridades acompanharam o evento, incluindo um dos militares responsabilizados pela Comissão da Verdade pelas violações de direitos humanos durante a ditadura: o Almirante Alfredo Karam, que foi ministro do governo João Figueiredo.

Modernização. A presidente disse que a modernização das Forças Armadas faz parte de um “necessário e estratégico processo”, contribuindo para o desenvolvimento econômico e para a geração de empregos. A obra do estaleiro faz parte do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), que terá cerca de R$ 28 bilhões em investimentos. “Um segundo objetivo estratégico para os investimentos que estamos realizando aqui é fazer de nossa indústria da Defesa um vetor de inovação e de expansão da indústria do País. Nós aprendemos com os países desenvolvidos que os processos de modernização e reequipagem podem e devem ser instrumento a favor do desenvolvimento”, afirmou Dilma. O prédio principal do estaleiro vai servir à montagem de submarinos, entre eles o primeiro de propulsão nuclear brasileiro.

 

Governo entrega análises de ossadas de vala clandestina
 

Roldão Arruda

 

Após uma espera de 24 anos, familiares de desaparecidos políticos receberam ontem as primeiras informações sobre as análises das ossadas encontradas em 1990 numa vala clandestina do Cemitério de Perus, em São Paulo. Segundo informações do coordenador científico do grupo constituído pelo governo para analisar o material, o médico legista Samuel Ferreira, os resultados iniciais podem ser considerados promissores. De um total de 1.049 caixas com ossadas entregues ao grupo em outubro, 112 foram analisadas até agora. Nesse primeiro conjunto, em três casos foram constatados sinais compatíveis de que as mortes decorreram de projéteis de armas de fogo. E em outros quatro verificou-se a existência de ações contundentes, como pancadas ou quedas, que resultaram em fraturas de ossos ainda em vida. Segundo Ferreira, elas podem ter decorrido de acidentes e também de torturas, entre outros fatores.

A média de morte por projéteis de arma de fogo e o registro de ações contundentes está acima da média, segundo o legista. Isso seria um dos sinais de que a vala teria sido usada para ocultar os restos mortais de opositores mortos pela repressão. Essas sete ossadas terão prioridade nas análises de DNA. Os resultados serão comparados em seguida com os dos familiares dos desaparecidos. O objetivo principal do grupo é localizar três desaparecidos que tiveram os nomes anotados nos registros do cemitérios, mas cujas sepulturas nunca foram localizadas. A suspeita é de que os seus restos mortais tenham ido para a vala comum. Além desses três, o grupo procura também ossadas de outros 41 opositores da ditadura que desapareceram em São Paulo e cujos restos mortais nunca foram localizados.

Pesquisa. A vala comum foi descoberta em 1990. Mas, apesar dos pedidos das famílias, até agora as ossadas não haviam sido analisadas. No primeiro semestre deste ano, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidênciada República resolveu investir na pesquisa. Segundo a ministra Ideli Salvatti, que esteve em São Paulo para o anúncio dos primeiros resultado, “o Estado brasileiro deve uma resposta a essas famílias”. Os resultados definitivos devem ser anunciados em 2016. Nessa primeira etapa do trabalho, com a montagem de equipes e laboratórios, foram gastos R$ 2,4 milhões.