Líder do governo chama de ‘inaceitável’ acusação de Cunha

O Globo - 22/01/2015

Já para presidente da Câmara, "montagem" tenta atingir favorito

JUNIA GAMA E CRISTIANE JUNGBLUT

BRASÍLIA- O clima é de guerra entre os comandos das campanhas à presidência da Câmara de Eduardo Cunha (PMDBRJ) e Arlindo Chinaglia (PT-RS). Os dois grupos trocaram ontem acusações sobre o grampo do qual Cunha diz ser vítima. O líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), classificou como "inaceitável" o fato de Eduardo Cunha ter se declarado vítima de uma armação supostamente orquestrada pela Polícia Federal, a mando do governo, com o objetivo de constranger sua candidatura: — Acho um tanto quanto incompreensível a fala dele.

Se essa gravação é falsa, ele deve colocar uma denúncia dizendo isso, mas não criar outra falsa acusação. Chamar a imprensa para acusar o governo e a Polícia Federal de estarem forjando para interferir no resultado da eleição é algo inaceitável. Henrique Fontana avaliou como um "erro" de Cunha trazer o assunto em meio à disputa pela presidência da Câmara e criticou o peemedebista por estar politizando o fato. Na última terça-feira, Cunha distribuiu à imprensa CDs com cópias do áudio, que simula uma conversa entre uma pessoa que supostamente conhece o deputado com outra aparenta ser um policial. Um dos coordenadores da campanha de Chinaglia, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) disse em seu Twitter que foi uma tentativa de Cunha de criar um factoide.

Em contrapartida, aliados de Cunha dizem que as ações partem de grupos que querem eleger o petista e lembram a atuação dos chamados "aloprados" durante o governo Lula. — Eduardo Cunha, sentindo a derrota para a presidência da Câmara, inventa um factoide, e atira-se na área para cavar um pênalti — disse Teixeira. Ontem, em reunião em Brasília, Paulo Teixeira disse que mantinha o "tom "de suas declarações no Twitter sobre o episódio. Eduardo Cunha disse ontem ter conversado por telefone com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que estava em Madri (Espanha).

Os dois deverão se encontrar na próxima terça-feira para tratar da gravação. Além do ministro, Cunha pretende tratar do assunto diretamente com o delegado escalado para comandar as investigações. — Quero (que ocorra) essa investigação, mesmo que ela só seja concluída depois da eleição da Mesa Diretora. Na véspera, Chinaglia se reuniu em São Paulo com parlamentares federais, mas teve que amargar a ausência dos deputados do PMDB e do PSDB, que chegaram a confirmar presença. Segundo Teixeira, além de petistas, participaram parlamentares do PR, PP .

PTN, PCdoB, PSD e PROS. Nos bastidores, petistas avaliam que Cunha adotou uma estratégia para tentar se proteger , se "vacinar" de possíveis denúncias que poderão surgir nos próximos dias, inclusive por parte do Ministério Público, dentro da Operação Lava-Jato. O atual presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), defendeu a atitude de Cunha, mas alertou para possíveis radicalizações na campanha que possam deixar sequelas:—Temos que evitar que essas coisas mais radicais.

A montagem foi para atingir o favorito , que hoje é Eduardo Cunha,não há a menor dúvida. Eu era o favorito na última eleição e fizeram (ataques) contra mim. Ele tomou a precaução do que poderia ser uma armação, a atitude do Eduardo foi responsável. Se não, jogam aquilo às vésperas da eleição. Então , ele fez o certo , na hora certa.

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Perito diz que gravação retrata 'encenação'

Especialistas divergem, no entanto, sobre circunstância em que ocorreu a conversa

POR LETICIA FERNANDES
 
 

Candidato à presidência da Câmara, Eduardo Cunha diz ter sido vítima de ‘alopragem’ - Ailton de Freitas / Agência O Globo

RIO - A gravação apresentada à imprensa na terça-feira por Eduardo Cunha, líder do PMDB na Câmara e candidato à presidência da Casa — na qual, em uma conversa entre duas pessoas, um homem se faz passar por um policial insatisfeito que teria sido “esquecido” por Cunha e estaria em busca de pagamentos —, é “fraudulenta” e retrata uma “encenação”, em que os dois homens estariam seguindo um roteiro previamente combinado, “visivelmente planejado”, disse o perito Ricardo Molina. A questão agora é descobrir o autor da gravação fraudada.

Segundo o especialista, que analisou o áudio a pedido do GLOBO, não há traços de hesitação na fala das duas pessoas, o que prova que não houve interação espontânea entre eles.

— Em conversações, sejam telefônicas ou diretas, há uma série de traços, já bastante estudados no âmbito da Linguística, que permitem verificar se se trata de uma interação espontânea ou não. No caso em tela podemos afirmar, com bastante segurança, que não se trata de uma conversação espontânea, e por vários motivos: cada interlocutor permite que o outro fale sem haver sobreposições; inexistem hesitações, típicas da fala espontânea; inexistem marcadores conversacionais, “entendeu?”, “viu?”, “né?” etc.; a entonação não é típica de fala espontânea. Muito provavelmente os dois interlocutores estão seguindo um script previamente elaborado, não necessariamente lido durante a interação, mas visivelmente planejado — disse.

Eduardo Cunha afirmou a jornalistas que um suposto policial, que teria lhe fornecido a gravação, teria informado que a “armação” estava sendo orquestrada pela cúpula da Polícia Federal, a mando do governo. O deputado alegou estar sendo vítima de uma armação que teria como objetivo constranger sua candidatura à presidência da Câmara. Considerado o favorito na disputa pelo cargo, Cunha já percorreu em campanha as 27 unidades da federação, superando a marca da presidente Dilma Rousseff (PT) e do senador Aécio Neves (PSDB) nas viagens durante a campanha presidencial do ano passado.

Ele contou ter sido procurado no último sábado em seu escritório no Rio de Janeiro por um homem que se apresentou como delegado da Polícia Federal e que teria lhe denunciado uma movimentação interna no órgão para incluir o nome de Cunha em um inquérito em andamento.

PERITOS DIVERGEM SOBRE CIRCUNSTÂNCIAS DA GRAVAÇÃO

No laudo técnico produzido por Molina, ele afirma que os dois homens estavam no mesmo ambiente na hora da conversa. O que descarta, portanto, a tese de que estariam falando ao telefone e de que a gravação teria sido obtida por meio de grampo.

Já o perito Mauro Ricart garante que a conversa foi feita pelo telefone. Ele não soube precisar, no entanto, se a gravação foi feita por um dos dois homens ou por meio de grampo.

— É gravação telefônica, de uma pessoa para outra via telefone. Mas há muito tempo não vejo uma gravação de tão alto nível técnico, estou até surpreso. É de uma nitidez impressionante, não é coisa de amador. Um dos dois pode ser o captador, mas pode ser um captador de fora, um grampo — disse Ricart.

No fim do documento produzido por Ricardo Molina, ele afirma que a gravação é fraudulenta e que não pode ser considerada autêntica:

— A gravação é fraudulenta, no sentido de tentar simular uma situação inverídica (...). A gravação não pode ser considerada autêntica, no sentido em que retrata apenas uma encenação e não uma interação espontânea.

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Pelo Twitter, Cunha negou nesta terça-feira que esteja acusando o governo na denúncia feita aos jornalistas. “Tanto que procurei o próprio governo, no caso o ministro da Justiça, para abertura de investigação policial do fato”, disse.

Em quatro tuítes escritos em sequência, o peemedebista explica que apenas relatou a versão que lhe foi passada:

“Boa tarde a todos. Quero deixar bem claro que não acusei o governo de nada na denúncia que fiz. Tanto que procurei o próprio governo,no caso o ministro da Justiça, para abertura de investigação policial do fato. Se tivesse a certeza de que era o governo teria procurado direto o MP e não o governo. O que relatei foi a versão que me passaram, o que não quer dizer que tenha aceito a versão como fato”, escreveu.