A cena de o ministro da Fazenda escolhido para recolocar a economia de volta ao prumo ser alvo do “fogo amigo" de facções petistas, movidas por fé ideológica, já foi observada a partir de 2003, quando Lula assumiu o primeiro mandato ao lado de Antonio Palocci e Henrique Meirelles. Ministro da Fazenda e presidente do Banco Central, os dois — com a ajuda de Joaquim Levy, este na Secretaria do Tesouro — executaram um inexorável ajuste, com corte nos gastos e aumento de juros. Pavimentaram o caminho para a queda da inflação e a volta do crescimento econômico, garantindo a reeleição de Lula.

A situação só não é idêntica hoje para Levy, agora na Fazenda, porque em 2003 Lula pôde tergiversar com uma suposta “herança maldita” dos tucanos, quando tudo acontecera como reação dos mercados diante do risco de o PT e seu então discurso radical subirem a rampa.

Agora, a desculpa da “herança maldita” não pode ser usada por óbvio: Dilma Rousseff e PT não cometeriam suicídio. Mas a história é clara e simples: Dilma e o lado sensato petista convocaram Joaquim Levy, bastante conhecido deles e de todos, para fazer um ajuste, mais uma vez necessário, semelhante àquele.

Mas como os “desenvolvimentistas”, com os quais Dilma se perfila ideologicamente, são movidos por fé fundamentalista, o bombardeio contra Joaquim Levy já começou.

Um exemplo: em recente entrevista ao “Valor Econômico”, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, interlocutor de Dilma no primeiro mandato, ícone da Unicamp, bunker dos críticos do “neoliberalismo”, lamentou que a presidente reeleita tenha capitulado diante “das pressões do mercado”.

Ora, se capitulação houve foi à realidade: o tal “novo marco macroeconômico” esboroou-se, com a inflação enrijecendo-se no limite superior da meta (6,5%), a economia tendendo à estagnação, os investimentos à míngua, déficits externos crescentes e dívida pública em ascensão. Não funcionou, como se antevia, o sonho “desenvolvimentista” de liberar os gastos, intervir no câmbio, turbinar os bancos públicos, na vã esperança de a economia pegar no tranco. Mesmo o mercado de trabalho, um trunfo de campanha de Dilma, já emitia sinais de inverter a tendência.

Nada disso importa. Na mesma linha de Belluzzo, a Fundação Perseu Abramo, do PT, também acusou Dilma de adotar uma política “conservadora e ortodoxa”. Tudo caminha para que Levy seja responsabilizado pelo aumento da inflação, decorrente do necessário realinhamento de tarifas, e de uma fase de provável maior desaquecimento econômico, também efeito momentâneo do ajuste já em andamento.

Mas será omitido que a crise econômica, mantida a fogo brando em 2014, se aprofundaria, devido aos erros do “novo marco”, e que os efeitos colaterais do ajuste são, claro, ruins, porém passageiros. Só assim virá a recuperação mais à frente, como no primeiro mandato de Lula.