RIO E BRASÍLIA- Um dia depois do apagão que deixou 11 estados e o Distrito Federal sem luz, o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, afirmou que o Brasil não tinha problemas de abastecimento. Ao mesmo tempo, porém, o país começou a recorrer aos vizinhos para tentar evitar novas interrupções de energia. Na terça-feira, foram importados 165 megawatts (MW) médios da Argentina. Além disso, o governo federal também adotou, no pacote de medidas para reforçar o atendimento da região Sudeste do país, uma transferência maior da energia do Paraguai para o Brasil, dentro do tratado de Itaipu. Nesse caso, foram liberados 300 MW da cota da geração da nação vizinha. Com isso, o reforço soma 465 MW, o equivalente para atender uma cidade como a de Curitiba, de 1,8 milhão de habitantes por um mês, de acordo com estimativa feita pela consultoria Safira Energia.

O volume equivale a quase um terço do total de 1.500 MW de reforço na oferta de energia para a região Sudeste do país, anunciado pelo governo anteontem. A importação de energia da Argentina ocorreu das 10h23 às 10h e das 13h às 17h02, antes da entrevista de Braga, em Brasília, que não mencionou o ocorrido. Atualmente, as usinas hidrelétricas estão no pior patamar desde 2001, quando ocorreu o racionamento de energia. De acordo com dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), das 18 principais usinas do país, 17 estão com o nível de seus reservatórios abaixo do de 2001. O caso mais crítico é da usina Ilha/Três Irmãos, que está atualmente em 0%, contra 31,21% de 2001. Há ainda outras quatro usinas sobre as quais não há base de comparação disponível no ONS.

— Estamos em dificuldade. Isso é inegável. Além da Argentina e de Itaipu, o Brasil ainda pode importar da Venezuela — disse Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe/UFRJ. A energia veio da Argentina pelas estações de conversão Garabi 1 e 2 existentes no Rio Grande do Sul. Existe um acordo operacional energético entre os dois países pelo qual, em caso de emergência, um solicita ao outro o envio de um volume de energia por um período curto, dizem analistas. Não se paga por essa energia que, conforme o contrato, é devolvida depois ao outro país. O coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ, Nivalde de Castro, disse que a importação de energia da Argentina em horários de pico mostra que a capacidade de geração das usinas hidrelétricas e das termelétricas é insuficiente para atender ao consumo, principalmente, nos horários de pico. — A importação é um sinal de desequilíbrio conjuntural na ponta de consumo.

A hipótese apresentada pelo governo de que foi um problema nas linhas de transmissão não é consistente — destacou Nivalde de Castro. Segundo o gerente de Regulação da Safira Energia, Fábio Cuberos, o Brasil, tradicionalmente, exporta energia elétrica para a Argentina porque o país vizinho gera energia, basicamente, a partir de usinas termelétricas. —E, por isso, tem energia mais cara em relação à do Brasil, quando os reservatórios estavam cheios. Mas, hoje, essa situação em relação aos preços se inverteu em razão da fraca condição hídrica do Brasil — destacou Cuberos. Depois de revelado o intercâmbio de energia nesta semana, ontem, o Ministério de Minas e Energia (MME) orientou o ONS a divulgar nota sobre o acordo. A pasta não soube informar se o ministro Braga tinha conhecimento prévio da transferência, que é coordenada pelo ONS.

O órgão, na nota divulgada ontem, explicou que, em caso de "situações especiais" os dois países acertam as importações de energia, a serem compensadas em função de acerto direto entre os dois operadores. O ONS explicou ainda que o intercâmbio de energia nos dois sentidos vem sendo adotado em diversos momentos ao longo da vigência do acordo assinado com a Compania Administradora del Mercado Mayorista Eletrico da Argentina em 2006. Em relação ao contrato feito com o Paraguai, o MME confirmou em nota que "o Paraguai liberou 300 MW da sua cota da geração de Itaipu". Pelo acordo firmado entre os dois países, explica Cuberos, da Safira, cada país tem direito a 50% da energia gerada.

E a parte da energia que o país vizinho não consome é vendida para o Brasil. Dessa for ma, diz Cuberos, o Paraguai acaba ficando com algo entre 5% e 10% de Itaipu. Na terça-feira, última data disponível pelo ONS, a usina gerou 9.678 MW, cerca de 13% do total consumido no Brasil. Com o atual quadro, segundo Edvaldo Alves, ex diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o Brasil precisa adotar uma política de racionamento neste ano e evitar o erro de 2001, quando o governo segurou a medida por 1999 e 2000, anos em que o nível dos reservatórios só piorou.

— Assim, em 2001, o corte de energia foi de 20%. Se o governo tivesse feito o racionamento em 2000, o corte teria sido menor. Hoje, vemos uma situação semelhante. Neste ano, após os reservatórios em queda desde 2013, não podemos correr o risco de esperar as chuvas de fevereiro e março — disse Alves.

FALTA LUZ EM BRASÍLIA

Além de cortes de energia em bairros do Rio, como em Vila Isabel, a partir das 13h29m de ontem faltou energia em diversos pontos da área central sul de Brasília. O problema, segundo a Companhia Energética de Brasília (CEB) teve origem em um dos três transformadores da subestação número 2. A energia foi religada 18 minutos depois nas principais áreas da cidade. Em meio à demora do governo em indicar os custos do setor elétrico que serão transferidos aos consumidores de energia por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e rumores de que o Tesouro Nacional voltaria a ser usado para aliviar a alta das contas, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, reafirmou ontem em Davos, na Suíça, que o governo não deve dar nova ajuda financeira ao setor elétrico. _ Eu acho que a decisão de realinhar os preços (das tarifas de energia) está bem tomada.

___________________________________________________________________________________________________________________________________


Analistas veem riscos em ações para elevar carga no Sudeste

Há ameaça de sobrecarga. Medidas não foram detalhadas e podem ser de difícil execução, dizem especialistas
 
As medidas anunciadas ontem pelo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, para adicionar 1.500 megawatts (MW) de energia à Região Sudeste foram recebidas com ressalvas por especialistas. Segundo eles, a transferência de energia para o maior mercado consumidor do país vai exigir a alteração dos critérios de operação, o que pode comprometer a segurança do sistema. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) não quis comentar. O Ministério de Minas e Energia afirma que as principais alterações, como mudanças em Angra 1, o aumento no limite de intercâmbio de energia pela linha de transmissão Norte-Sul e a entrada em operação das Termelétricas da Petrobras não afetam as outras regiões. Os analistas ressaltaram que é preciso que o governo dê mais detalhes de como será feito o remanejamento. Por enquanto, há mais dúvidas do que explicações.

1 - Fim da manutenção das Termelétricas já era previsto

Braga anunciou ontem que a Petrobras vai voltar a adicionar ao sistema 867 MW de eletricidade proveniente de usinas Termelétricas que estavam em manutenção e reparo. A entrada em operação será feita de forma escalonada até o dia 18 de fevereiro. Segundo Erik Rego, diretor da consultoria Excelência Energética, como a parada era programada, a volta das usinas no Sistema Interligado Nacional (SIN) não se trata de medida anticrise. Para ele, trata-se do padrão de operação de uma termelétrica. Segundo a Petrobras, são cinco usinas em manutenção: Baixada Fluminense (Seropédica, no Rio), Fernando Gasparian (São Paulo), Sepe Tiaraju (Canoas, no Rio Grande do Sul), Luis Carlos Prestes (Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul) e Governador Leonel Brizola (Duque de Caxias).

2 - Transferência de Itaipu exige novos critérios de operação

Segundo o gerente de regulação da Safira Energia, Fábio Cuberos, a hipótese é que parte da energia gerada pela Usina de Itaipu será desviada da Região Sul para o Sudeste, o que vai exigir alteração no critério de operação do sistema e pode sobrecarregá-lo. Edvaldo Alves, ex-diretor da Aneel, por sua vez, critica a decisão, questionando o motivo de a medida não ter sido adotada antes, já que os reservatórios do Sul estão com 67,8% de sua capacidade, situação bem melhor que a das regiões Sudeste/Centro-Oeste, com 17,6%.

3 - Nordeste tem reservatórios a níveis mais baixos

A transferência de 400 MW é duramente criticada por especialistas. Segundo Fábio Cuberos, da Safira, e Edvaldo Alves, ex-diretor da Aneel, enquanto o Sudeste ganha reforço, o Nordeste pode ser afetado, com redução do nível de seus reservatórios, atualmente em 17,3%, ou seja, abaixo do patamar do Sudeste (17,6%).

4 - Repasse entre 100 MW e 200 MW da Usina de Angra 1

A medida concentra a maior parte de dúvidas dos especialistas, já que Angra 1 opera em 100% de sua capacidade e toda a energia é direcionada ao Sudeste. A Eletronuclear disse que é possível elevar a potência da usina, mas que isso demandará tempo para elaboração do projeto, investimentos e Licenciamento da Comissão Nacional de Energia Nuclear. O aumento de potência consiste na troca de equipamentos por outros de maior capacidade.