Após mais de uma década, a dívida pública volta a ser motivo de preocupação. Analistas econômicos debruçam-se sobre as contas públicas, procurando aferir ameaças à solvência da situação fiscal. As agências de classificação de risco colocam o endividamento público elevado como o principal fator que pode eventualmente levar o Brasil a perder o grau de investimento. 

Os dois conceitos mais usados para medir a dívida pública são a dívida líquida e a dívida bruta, sempre em proporção ao PIB. A dívida líquida, que já foi até considerada um indicador superior, teve sua credibilidade seriamente abalada pelos truques contábeis perpetrados por Mantega e Augustin. Assim, a maioria dos analistas passou a usar a dívida bruta como principal indicador do endividamento público, às vezes dela deduzindo as reservas internacionais. 

A dívida bruta mostrou forte 

crescimento no governo Dilma, passando de 53,35% do PIB, em dezembro de 2010, para 62,35% do PIB em outubro de 2014 (último dado disponível). Ainda que vários países desenvolvidos tenham endividamento mais elevado, a dívida brasileira é extremamente alta quando comparada às de outras economias emergentes. 

Além disso, seu custo é muito maior. 

Os prognósticos em relação à trajetória futura da dívida costumam ser focados no superávit primário requerido para mantê- la estabilizada. Quanto mais alta a razão dívida/PIB inicial, quanto menor o crescimento do PIB, e quanto mais altos os juros, maior é o superávit primário necessário para estabilizar a razão dívida/PIB. Usando as previsões do mercado financeiro para 2015, coletadas na semana passada pelo BC (0,52% para o crescimento do PIB e 5,4% para a taxa real de juros), seria necessário um superávit primário de 3% do PIB a fim de manter a dívida bruta estabilizada em seu patamar atual de 62% do PIB. Como o futuro ministro da Fazenda já anunciou uma meta de 1,2% para o superávit primário de 2015, a dívida bruta deverá continuar crescendo, mesmo que a nova equipe econômica venha a atingir a meta fiscal a que se propôs. 

O endividamento público se dá majoritariamente via colocação de dívida pública interna. A dívida pública externa, o pavor de outrora, está estabilizada em níveis reduzidos há muitos anos. 

Quando se computam as reservas internacionais, a dívida pública externa líquida é negativa (-14,3% do PIB, em outubro de 2014). Mas, na contramão do setor público, o setor privado vem elevando significativamente seu endividamento externo. 

O gráfico mostra a evolução dos componentes da dívida externa, pública e privada, bem como a das reservas internacionais. Fica bem claro que a acumulação de reservas cambiais pelo setor público, desde 2009, acompanhou o crescimento do endividamento externo pelo setor privado. 

O setor privado aproveitou-se dos juros baixos vigentes, desde a crise, nos países desenvolvidos para aumentar seu endividamento externo. Para evitar que a entrada de divisas apreciasse ainda mais a taxa de câmbio, o BC acumulou reservas. A acumulação de reservas, por sua vez, deu ao setor privado a ilusão de que não ocorreriam mudanças bruscas na taxa de câmbio, reforçando os incentivos para o endividamento externo. 

O episódio do taper tantrum, em maio de 2013, serviu como aviso de que, mesmo com reservas elevadas, a taxa de câmbio podia se alterar bruscamente, causando pesadas perdas aos agentes endividados em moeda estrangeira. O programa de intervenções cambiais do BC, que já passou dos US$ 100 bilhões, foi importante para acalmar o mercado cambial, em agosto de 2013. 

Como já advertiram várias agências internacionais, como o BID e o BIS, a normalização cada vez mais iminente da política monetária nos EUA impõe graves desafios a empresas que estejam endividadas em moeda estrangeira. 

No Brasil, a advertência merece cuidado especial das empresas mais endividadas, sobretudo da Petrobras, que já sofre com a queda do preço do petróleo, a sobreestatíscarga de investimentos e as repercussões da operação Lava-jato. 

Em que pese os resultados positivos das intervenções do BC em prover liquidez aos mercados cambiais, seria grave erro expandi- las na tentativa de impedir o ajuste da taxa de câmbio que se faz necessário. O exemplo russo mostra que, além de ser nocivo para a economia, isso seria inútil. 

Outro erro de política econômica a ser evitado é o de salvar com dinheiro público empresas que tenham tomado decisões imprudentes de endividamento externo. Já não há mais espaço nem clima para privatizar ganhos e socializar perdas. 

Feliz ano novo! 

Márcio G. P. Garcia , Ph.D. por Stanford, é professor do departamento de economia da PUC-Rio. Escreve mensalmente às sextas-feiras 

A iminente alta de juros nos Estados Unidos impõe graves desafios a empresas endividadas em moeda estrangeira