Faltam alguns dias para 2015 começar e já é possível afirmar que o ano promete ser um dos mais difíceis para a indústria brasileira de petróleo e gás desde a década de 50, quando a Petrobras foi criada. Na terça-feira, a dívida da estatal e de sua subsidiária Argentina (Pesa) foi colocada em observação para possível rebaixamento pela Moody´s. O aviso que todos temiam veio na véspera do Natal, um presente de grego que chegou quando grande parte dos analistas já estava fora dos bancos. A agência classificadora de risco de crédito vê falta de liquidez e dificuldades para a Petrobras evitar a obrigação de pagamento antecipado de dívidas, por descumprimento da cláusula contratual que exige divulgação de balanços. A Petrobras informou que existem obrigações de apresentar balanço, trimestral ou anual, auditado ou não, sobre dívidas que somam US$ 97,8 bilhões. A estatal está negociando com os credores a revisão das exigências, mas não se pode descartar o risco de perda do grau de investimento. São várias as obras que podem ser paralisadas porque as empresas responsáveis estão sendo investigadas O valor da dívida que pode ser acelerada equivale a um quarto das reservas cambiais do país, mas até o momento nenhuma autoridade da área econômica se pronunciou sobre o assunto. Outros R$ 25 bilhões devidos ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) podem ter vencimento antecipado se a alavancagem superar 5,5 vezes. Algumas estimativas são de que chegou a 5 vezes no terceiro trimestre, o que só se saberá quando os números forem divulgados. A estatal remarcou para 31 de janeiro a divulgação do balanço. A decisão da Moodys surpreende pela rapidez e pode ser indicativo de alguma dificuldade que a Petrobras esteja encontrando para renegociar as cláusulas contratuais. Na semana passada, a presidente da estatal, Graça Foster, disse que a petroleira aguarda detalhes da delação premiada do ex-gerente-executivo de Abastecimento Pedro Barusco para fazer novos ajustes no balanço, complementares aos que já foram realizados após delação dos executivos das fornecedoras Toyo e Setal. Graça explicou o dilema enfrentado pela diretoria executiva. "Mal emitiríamos um balanço não auditado e logo poderia, ou poderá, não sabemos, surgirem novas informações. E aí novamente teríamos de informar outras baixas no patrimônio líquido para o mercado", afirmou. Em suma, a companhia ainda precisa mensurar os efeitos da corrupção. Segundo escreveu o Ministério Público Federal (MPF) de Curitiba, responsável pelas investigações da Operação Lava-Jato, na denúncia contra Nestor Cerveró e outros três envolvidos, "o pagamento de propina em contratos de grande valor [na Petrobras], como é o caso destes autos, era endêmico e usual nas diretorias de Abastecimento, Serviços e Internacional". Justamente porque as investigações sobre contratos nas áreas Internacional e de Serviços ainda não foram trazidas a público, a única certeza é que pode demorar, e muito, até que a Petrobras saiba exatamente quanto do que foi resultado de propina e cartel foi lançado de forma errada nas demonstrações financeiras. Por isso, Graça, em encontro de fim de ano com jornalistas na semana passada, reafirmou que "não há a menor segurança de que em 45, 90, 180, 365 ou 700 dias" a Petrobras tenha, exatamente, a dimensão do que aconteceu. A maior empresa do setor está às voltas com dificuldades de toda ordem: financeiras, judiciais (aqui e nos Estados Unidos), de planejamento e com fornecedores. São várias as obras em andamento que podem ser paralisadas porque as empresas responsáveis pela execução estão sendo investigadas, algumas delas têm seus donos presos. Na entrevista da semana passada, a presidente da Petrobras disse esperar uma decisão do governo sobre o tema. O diretor de engenharia, tecnologia e materiais da estatal, José Antonio de Figueiredo, deu até um prazo. Segundo ele, esse prazo é março. "Essas empresas precisam de fluxo de caixa, precisam pagar fornecedores e empregados para dar continuidade às obras. Então a grande atenção que temos é fazer essas obras andarem do jeito que está planejado", disse. Também se espera conhecer em 2015 a lista dos políticos que se abasteceram com dinheiro das propinas O diretor chamou a atenção para o fato de essas empresas estarem com dificuldade de acesso ao mercado de capitais e que "o grande esforço é realmente fazer acontecer dezembro, janeiro, fevereiro e março". Passada essa fase, disse ele, é preciso saber como esses fornecedores serão tratados. "Como está hoje, para ser sincero, não sabemos como tratar. Porque temos organismos de controle e não sabemos como lidar com as empresas que estão sendo mencionadas [pela Lava Jato]", admitiu. Graça não descartou a possibilidade de até contratar novas plataformas no exterior. Se as empresas não conseguirem atender às demandas da Petrobras, a opção é contratar no exterior. O problema com as contratações atuais é que elas podem afetar as metas de produção futura da Petrobras, que dependem da entrega dessas plataformas e sondas de perfuração que foram encomendadas no Brasil. E qualquer atraso afetaria a geração de caixa da estatal. Mas a regra em vigor prevê a preferência para fornecedores brasileiros, o que está inclusive previsto nos contratos com a Agência Nacional do Petróleo (ANP). A maioria desses fornecedores está envolvido no esquema de corrupção descoberto pela Lava Jato. Um observador irônico chama de "local contente" a regra de conteúdo local, uma corruptela com a nomenclatura em inglês "local content" após a descoberta de que um cartel de empresas cobrava preços abusivos por meio do pagamento de propinas a funcionários da estatal. Até o momento existem quatro ex-diretores e um ex-gerente-executivo implicados publicamente e novos nomes devem vir à tona à partir da delação premiada de Pedro Barusco. Essa delação pode arrastar novas empresas, uma delas pode ser a Sete Brasil, em um processo cujo fim não parece próximo. Também se espera conhecer em 2015 a lista dos políticos que se abasteceram com dinheiro das propinas. Já seria um grande problema para a Petrobras se fosse só isso. Além do risco de aceleração da dívida que preocupa a Moodys tudo indica que o preço do petróleo permanecerá em um vale em 2015. O preço caiu US$ 46 no segundo semestre deste ano - foi vendido por uma média de US$ 111 em junho e agora está na faixa de US$ 65 -, o que poderá travar investimentos de todas as companhias de energia e talvez forçar a Petrobras a vender ativos no ano que vem. A estatal não descarta inclusive a venda de campos de petróleo, apesar de Graça admitir que a esses preços é um negócio que "dói". Nos Estados Unidos, onde investidores e até cidades, como Providence (Rhode Island) processam a Petrobras e seus diretores, a tensão será grande e pode alcançar ex-diretores e membros do conselho.
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Faltam alguns dias para 2015 começar e já é possível afirmar que o ano promete ser um dos mais difíceis para a indústria brasileira de petróleo e gás desde a década de 50, quando a Petrobras foi criada. Na terça-feira, a dívida da estatal e de sua subsidiária Argentina (Pesa) foi colocada em observação para possível rebaixamento pela Moody´s. O aviso que todos temiam veio na véspera do Natal, um presente de grego que chegou quando grande parte dos analistas já estava fora dos bancos. A agência classificadora de risco de crédito vê falta de liquidez e dificuldades para a Petrobras evitar a obrigação de pagamento antecipado de dívidas, por descumprimento da cláusula contratual que exige divulgação de balanços. A Petrobras informou que existem obrigações de apresentar balanço, trimestral ou anual, auditado ou não, sobre dívidas que somam US$ 97,8 bilhões. A estatal está negociando com os credores a revisão das exigências, mas não se pode descartar o risco de perda do grau de investimento. São várias as obras que podem ser paralisadas porque as empresas responsáveis estão sendo investigadas O valor da dívida que pode ser acelerada equivale a um quarto das reservas cambiais do país, mas até o momento nenhuma autoridade da área econômica se pronunciou sobre o assunto. Outros R$ 25 bilhões devidos ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) podem ter vencimento antecipado se a alavancagem superar 5,5 vezes. Algumas estimativas são de que chegou a 5 vezes no terceiro trimestre, o que só se saberá quando os números forem divulgados. A estatal remarcou para 31 de janeiro a divulgação do balanço. A decisão da Moodys surpreende pela rapidez e pode ser indicativo de alguma dificuldade que a Petrobras esteja encontrando para renegociar as cláusulas contratuais. Na semana passada, a presidente da estatal, Graça Foster, disse que a petroleira aguarda detalhes da delação premiada do ex-gerente-executivo de Abastecimento Pedro Barusco para fazer novos ajustes no balanço, complementares aos que já foram realizados após delação dos executivos das fornecedoras Toyo e Setal. Graça explicou o dilema enfrentado pela diretoria executiva. "Mal emitiríamos um balanço não auditado e logo poderia, ou poderá, não sabemos, surgirem novas informações. E aí novamente teríamos de informar outras baixas no patrimônio líquido para o mercado", afirmou. Em suma, a companhia ainda precisa mensurar os efeitos da corrupção. Segundo escreveu o Ministério Público Federal (MPF) de Curitiba, responsável pelas investigações da Operação Lava-Jato, na denúncia contra Nestor Cerveró e outros três envolvidos, "o pagamento de propina em contratos de grande valor [na Petrobras], como é o caso destes autos, era endêmico e usual nas diretorias de Abastecimento, Serviços e Internacional". Justamente porque as investigações sobre contratos nas áreas Internacional e de Serviços ainda não foram trazidas a público, a única certeza é que pode demorar, e muito, até que a Petrobras saiba exatamente quanto do que foi resultado de propina e cartel foi lançado de forma errada nas demonstrações financeiras. Por isso, Graça, em encontro de fim de ano com jornalistas na semana passada, reafirmou que "não há a menor segurança de que em 45, 90, 180, 365 ou 700 dias" a Petrobras tenha, exatamente, a dimensão do que aconteceu. A maior empresa do setor está às voltas com dificuldades de toda ordem: financeiras, judiciais (aqui e nos Estados Unidos), de planejamento e com fornecedores. São várias as obras em andamento que podem ser paralisadas porque as empresas responsáveis pela execução estão sendo investigadas, algumas delas têm seus donos presos. Na entrevista da semana passada, a presidente da Petrobras disse esperar uma decisão do governo sobre o tema. O diretor de engenharia, tecnologia e materiais da estatal, José Antonio de Figueiredo, deu até um prazo. Segundo ele, esse prazo é março. "Essas empresas precisam de fluxo de caixa, precisam pagar fornecedores e empregados para dar continuidade às obras. Então a grande atenção que temos é fazer essas obras andarem do jeito que está planejado", disse. Também se espera conhecer em 2015 a lista dos políticos que se abasteceram com dinheiro das propinas O diretor chamou a atenção para o fato de essas empresas estarem com dificuldade de acesso ao mercado de capitais e que "o grande esforço é realmente fazer acontecer dezembro, janeiro, fevereiro e março". Passada essa fase, disse ele, é preciso saber como esses fornecedores serão tratados. "Como está hoje, para ser sincero, não sabemos como tratar. Porque temos organismos de controle e não sabemos como lidar com as empresas que estão sendo mencionadas [pela Lava Jato]", admitiu. Graça não descartou a possibilidade de até contratar novas plataformas no exterior. Se as empresas não conseguirem atender às demandas da Petrobras, a opção é contratar no exterior. O problema com as contratações atuais é que elas podem afetar as metas de produção futura da Petrobras, que dependem da entrega dessas plataformas e sondas de perfuração que foram encomendadas no Brasil. E qualquer atraso afetaria a geração de caixa da estatal. Mas a regra em vigor prevê a preferência para fornecedores brasileiros, o que está inclusive previsto nos contratos com a Agência Nacional do Petróleo (ANP). A maioria desses fornecedores está envolvido no esquema de corrupção descoberto pela Lava Jato. Um observador irônico chama de "local contente" a regra de conteúdo local, uma corruptela com a nomenclatura em inglês "local content" após a descoberta de que um cartel de empresas cobrava preços abusivos por meio do pagamento de propinas a funcionários da estatal. Até o momento existem quatro ex-diretores e um ex-gerente-executivo implicados publicamente e novos nomes devem vir à tona à partir da delação premiada de Pedro Barusco. Essa delação pode arrastar novas empresas, uma delas pode ser a Sete Brasil, em um processo cujo fim não parece próximo. Também se espera conhecer em 2015 a lista dos políticos que se abasteceram com dinheiro das propinas. Já seria um grande problema para a Petrobras se fosse só isso. Além do risco de aceleração da dívida que preocupa a Moodys tudo indica que o preço do petróleo permanecerá em um vale em 2015. O preço caiu US$ 46 no segundo semestre deste ano - foi vendido por uma média de US$ 111 em junho e agora está na faixa de US$ 65 -, o que poderá travar investimentos de todas as companhias de energia e talvez forçar a Petrobras a vender ativos no ano que vem. A estatal não descarta inclusive a venda de campos de petróleo, apesar de Graça admitir que a esses preços é um negócio que "dói". Nos Estados Unidos, onde investidores e até cidades, como Providence (Rhode Island) processam a Petrobras e seus diretores, a tensão será grande e pode alcançar ex-diretores e membros do conselho.

 

Comitê fará ponte entre conselho e investigadores

 

Em meio a uma crise sem precedentes, o conselho de administração da Petrobras autorizou, na terça-feira, a criação de um Comitê Especial, que funcionará de forma independente e fará a interlocução entre o conselho e os escritórios Trench, Rossi e Watanabe e Gibson, Dunn & Crutcher, responsáveis pela investigação interna independente sobre as denúncias envolvendo suborno e superfaturamento por ex-diretores e gerentes.

O Comitê Especial terá três membros, sendo dois de fora da companhia e ainda o futuro diretor de Governança, Risco e Conformidade, que está sendo escolhido pela empresa Korn Ferry. Para as duas vagas externas, cujos ocupantes começam a trabalhar antes do novo diretor, foram definidos os nomes de Ellen Gracie Northfleet e de Andreas Pohlmann, que foi diretor de Conformidade da alemã Siemens entre 2007 e 2010.

Ellen Gracie presidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) entre 2006 e 2008. Junto Pedro Malan e Rodolpho Tourinho, Ellen Gracie deixou o conselho de administração da OGX em 2013, antes de Eike Batista comunicar que não iria cumprir cláusula (put option) que previa aporte de US$ 1 bilhão.

Caberá ao Comitê Especial da Petrobras aprovar o Plano de Investigação e evitar que elas sejam impedidas ou obstruídas; analisar informações encaminhadas pelos escritórios; e aprovar e viabilizar a implementação das recomendações. Deverá ainda comunicar ou autorizar comunicação dos escritórios com autoridades, inclusive reguladoras, sobre detalhes das investigações.