A difícil tarefa de fazer um superávit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 pode ficar ainda mais complicada pelo já tradicional mecanismo de postergação de despesas empenhadas, executadas e liquidadas, porém não pagas. Assim como aconteceu na virada de 2013 para 2014, um total de restos a pagar deste ano próximo a 0,2% do PIB pode ficar para o próximo ano. 

Na prática, se isso acontecer, a economia fiscal real terá de ser da ordem de 1,4% do PIB, segundo cálculos dos economistas do grupo de conjuntura do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). 

Os economistas Silvia Matos e Gabriel Leal de Barros construíram uma série da evolução de restos a pagar desde 2001, na qual chamam a diferença entre as despesas empenhadas pelo governo e o total efetivamente pago de "pedalada". 

Os valores são praticamente crescentes desde 2006, em uma trajetória de alta que caiu em 2011 - ano de forte ajuste fiscal - para voltar a crescer com força maior nos anos seguintes. Em 2012, o volume foi equivalente a 0,5% do PIB, passando a 0,9% no ano passado. 

Para 2014, eles estimam essa diferença em 1% do PIB, ou R$ 49,5 bilhões. Desse total, uma parte - 20%, ou 0,2% do PIB - corresponde a despesas cuja execução foi confirmada pelo governo e, portanto, deviam ser efetivamente pagas, o que afetaria o resultado fiscal de 2014. A preocupação é que isso não ocorra, a exemplo do que tem acontecido nos últimos anos. 

Na avaliação dos economistas, o ministro Guido Mantega deveria assumir essa conta e não deixar essas despesas contaminarem o resultado fiscal de 2015. "Os sinais são de que o Joaquim Levy [futuro ministro da Fazenda] pode ficar com essa herança, o que não deveria ocorrer", diz Silvia. 

Embora o total de restos a pagar relativos a 2014 seja estimado em 1% do PIB, apenas 20% deles afetam o resultado de 2015. Os demais são empenhos de despesas cujo serviço ainda não foi reconhecido pelo governo, explica Barros. 

A estimativa de R$ 49,5 bilhões (é uma estimativa, pois o ano ainda não acabou) foi projetada a partir dos resultados já conhecidos até outubro, dos dados preliminares relativos a novembro e que aparecem no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) - que mostra uma redução de despesas naquele mês, segundo Barros - e das informações e estimativas do 5o relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas do governo federal. 

Nessa conta, os economistas do Ibre desconsideraram os restos a pagar financeiros, porque eles não afetam o resultado primário. 

De acordo com Barros, no 5o relatório, a atual equipe estimou um superávit primário de R$ 10 bilhões.

O ritmo de despesas e receitas até outubro e os dados do Siafi indicam que isso só será possível se parte das despesas efetivas de 2014 só for paga em 2015. 

Nas contas do Ibre, se Levy conseguir conter essa "pedalada", o governo central encerra 2014 com déficit primário de 0,1%, compensado por um superávit de igual magnitude dos Estados, chegando a um resultado fiscal nulo. Se parte das despesas ficar para 2015, o resultado do governo central pode virar um superávit de 0,2% e m 2014, o que afeta o resultado de 2015. 

Barros alerta que, além dessa disputa com o que fazer com as despesas de 2014, uma tarefa ainda mais difícil está nas mãos do novo ministro da Fazenda. O estoque de restos a pagar soma 4,4% do PIB. Esse montante representa uma espécie de bola de neve, despesas que vão sendo roladas de um ano para o outro e que devem encerrar 2014 em cerca de R$ 226 bilhões. Em 2014, exemplifica, 65% das despesas com investimento foram de restos a pagar de anos anteriores e apenas 35% foram de despesas relativas ao Orçamento efetivo de 2014. 

Para os economistas do Ibre, o Brasil precisa, a médio prazo, reduzir esse estoque crescente de restos a pagar. Essa tarefa, dizem eles, é muito mais complicada do que recuperar a capacidade de fazer um superávit primário no ano que vem. É uma conta que vai afetar a situação fiscal do país por muitos anos.

 

Após dado de novembro, governo já admite queda na arrecadação do ano

 

Frente à queda real de quase 1% no recolhimento de tributos no acumulado de 2014, a Receita Federal admitiu pela primeira vez que a arrecadação pode cair neste ano na comparação com o ano passado. De janeiro a novembro, o governo arrecadou R$ 1,073 trilhão, uma queda real de 0,99% em relação ao R$ 1,019 trilhão amealhado no mesmo período do ano passado. Em novembro, foram pagos R$ 104,470 bilhões em tributos federais, queda real de 12,86% na receita ante o mesmo mês do ano passado. O resultado do mês contou com o pagamento de R$ 8,146 bilhões do Refis, programa de parcelamento de débitos da Receita Federal, montante acima do esperado pela Receita Federal. O recuo no mês passado é explicado principalmente pela base de comparação em 2013 ter sido inflada pela concentração de pagamentos do Refis. Em novembro de 2013, foram recolhidos R$ 22,770 bilhões no programa, mais R$ 1 bilhão em programa específico para o setor financeiro. Sem considerar os parcelamentos nos dois anos, a arrecadação em novembro de 2014 teria tido uma alta real de 0,27%. De acordo com a Receita, os pagamentos do Refis devem somar R$ 18,5 bilhões em 2014. A previsão foi aumentada em R$ 500 milhões depois de as empresas recolherem R$ 4,717 bilhões na chamada quitação antecipada - o esperado era de cerca de R$ 3 bilhões. Nessa modalidade, o contribuinte pagou à vista pelo menos 30% do valor devido e pode quitar o total do débito utilizando créditos tributários. Segundo o chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros, Claudemir Malaquias, a arrecadação em 2014 deve ter "crescimento zero ou algo um pouco abaixo" do acumulado em 2013. Para ele, além da atividade econômica fraca ter influenciado, o desempenho ruim do ano foi reflexo da política de redução de impostos do governo federal. "As desonerações tiveram um peso muito forte. Elas vão tirar mais de R$ 100 bi da arrecadação neste ano". No acumulado do ano, o governo deixou de arrecadar R$ 92,932 bilhões devido às desonerações promovidas para estimular o crescimento econômico. No mesmo período de 2013, essa queda nas receitas foi de R$ 70,116 bilhões. Apenas em novembro, o impacto das desonerações na arrecadação foi de R$ 8,470 bilhões ante R$ 7,237 bilhões do mesmo período de 2013. Do montante que o governo abriu mão no ano, R$ 17,541 bilhões se referem à redução de arrecadação devido à desoneração da folha de pagamento para vários setores da economia. Também teve um impacto significativo a desoneração da Cide, que incide sobre a gasolina. Somente essa medida custou R$ 11,657 bilhões aos cofres públicos nos onze primeiros meses de 2014. Em seguida vem as diversas reduções no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que significaram R$ 9,937 bilhões a menos na arrecadação federal. No caso da cesta básica, a desoneração causou impacto negativo de R$ 8,553 bilhões na arrecadação. No ano, a queda real de 0,99% no recolhimento de tributos é explicada principalmente pela retração no pagamento de tributos ligados à atividade econômica. O recolhimento do IRPJ somou R$ 117,293 bilhões (-3,65%) e a CSLL R$ 63,258 bilhões (-0,54%). O Imposto de Importação somou R$ 34,473 bilhões (-5,76%). Por outro lado, houve crescimento de 19,08% no pagamento de IPI-automóveis, por conta da recomposição da alíquota sobre o setor, totalizando R$ 4,2 bilhões.

 

Mercado prevê estouro da meta e PIB de 0,55% em 2015

 

Os analistas do mercado já estimam um estouro do teto da meta de inflação em 2015 e também revisaram para apenas 0,55% suas projeções para o crescimento do próximo ano, de acordo com as estimativas das instituições consultadas para o boletim Focus do Banco Central.

As projeções para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiram na última semana de 6,50% para 6,54%. Para 2014, foi mantida a estimativa de que o índice vá encerrar dentro do limite previsto para a meta, em 6,38%. Para a inflação nos próximos 12 meses, as projeções foram mantidas em 6,62%.

O mercado ajustou também suas previsões para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Para o ano que vem, a estimativa foi reduzida pela quarta semana seguida, de 0,69% para 0,55%. Pela quinta semana consecutiva, os analistas reduziram a projeção de 0,16% para 0,13% em 2014. A nova redução vem após o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) surpreender negativamente e cair 0,26% em outubro. A expectativa dos agentes financeiros era que o indicador subisse 0,3% no mês.

As projeções para a produção industrial em 2014 se mantiveram em queda de 2,5%, enquanto a estimativa para o segmento em 2015 caiu de 1,13 para 1,02%.

Em relação à inflação de dezembro, os economistas mantiveram a estimativa de alta de 0,75%. Já para janeiro, elevaram a previsão de 0,91% para 0,95%. As estimativas de médio prazo do grupo de instituições que mais acertam as projeções (Top 5) apontam que o IPCA deve encerrar o ano com alta de 6,35%. Até a semana passada, essa previsão era de alta de 6,28%. Para 2015, o mesmo grupo de instituições elevou a estimativa de 6,20% para 6,40%.

Para a taxa Selic, os economistas mantiveram a projeção, para 2015, em 12,50%. Para o câmbio, as projeções foram elevadas de R$ 2,60 para R$ 2,65 neste ano e de R$ 2,65 para R$ 2,69 em 2015.

 

Após dois meses em alta, o Índice de Confiança da Indústria (ICI) sinalizou recuo de 0,8% para 84,9 pontos na prévia de dezembro, segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Para o superintendente Adjunto de Ciclos Econômicos do instituto, Aloisio Campelo, a queda, muito próxima de zero, sinaliza "acomodação" nas expectativas e não elimina o impacto favorável das altas registradas nos dois indicadores de confiança imediatamente anteriores, com altas de 1,8% em outubro e de 3,6% em novembro. No entanto, mesmo frisando não observar piora significativa nas expectativas dos industriais entre novembro e dezembro, o especialista admitiu que qualquer possível melhora sustentável nas expectativas do empresariado ocorrerá somente no longo prazo.

Campelo disse ainda que, na prévia, é possível observar ligeira melhora nas informações de estoques dadas pelos empresários, principalmente da indústria de bens intermediários. O resultado preliminar do indicador sinaliza também recuo no Nível de Utilização de Capacidade Instalada (Nuci), de 82,7% no resultado completo de novembro para 81,5% na prévia de dezembro.

A prévia abrange respostas de 782 empresas - dois terços do universo total da pesquisa, cujo resultado completo sai no fim de dezembro. Entre os dois sub-indicadores que compõem o ICI, o Índice de Situação Atual (ISA) aponta queda de 1,5% para 84,6 pontos, vista pela instituição como acomodação após a alta de 8,3% no mês anterior. Já o Índice de Expectativas ficou relativamente estável (com queda de 0,2%), ao passar de 85,4 pontos para 85,2 pontos.

Segundo Campelo, as previsões de emprego e de produção para o primeiro trimestre de 2015 continuaram ruins em dezembro, principalmente entre os empresários de material de construção. "Podemos dizer, em resumo, que a prévia mostra ligeira melhora nas expectativas dos industriais de duráveis e de intermediários; e acomodação nas de não-duráveis, bens de capital e material de construção."

Na análise do especialista, as empresas parecem menos pessimistas em dezembro em relação a setembro - quando o ICI caiu 2,8% ante agosto e representou o "fundo do poço" para as expectativas do empresariado.

A retirada do cenário, em dezembro, da "incerteza eleitoral" ajudou a compor essa acomodação de expectativas no último mês do ano, em um ambiente melhor para o humor do industrial no fim do quarto trimestre inteiro. "Podemos dizer que esse recuo em dezembro, caso se confirme, não elimina a calibragem para cima que foi realizada nas expectativas no último trimestre do ano."

 

Balança inverte tendência no mês e tem déficit de US$ 1,33 bi

 

A balança comercial brasileira inverteu a tendência observada nas duas primeiras semanas de dezembro e registrou déficit de US$ 1,339 bilhão na terceira semana do mês. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), as exportações somaram US$ 4,131 bilhões na terceira semana do mês, enquanto as importações, US$ 5,470 bilhões.

Com o resultado, a balança em dezembro retornou ao terreno negativo, com déficit de US$ 561 milhões. No ano, o saldo das trocas comerciais do Brasil está negativo em US$ 4,784 bilhões.

As exportações em dezembro somaram US$ 12,719 bilhões no mês - média diária de US$ 847,9 milhões. Na comparação com dezembro de 2013, as vendas caíram 14,6% pelo critério de média diária, em função do recuo no embarque de produtos manufaturados, semimanufaturados e básicos, que caíram -20,8%, -11,2% e - 10,1%, respectivamente.

Nas importações, a média diária até a 3ª semana do mês (US$ 885,3 milhões) subiu 2,2% sobre a média de dezembro do ano passado (US$ 866,5 milhões). Cresceram os gastos, principalmente, com combustíveis e lubrificantes (+31,3%) e plásticos e obras (+8,3%).