O comércio mundial terá um crescimento maior em 2015, no rastro da queda de preço do Petróleo que também beneficiará exportações brasileiras, prevê o diretor- geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, em entrevista ao Valor.

A expectativa é de que o menor preço do Petróleo poderá ajudar na retomada da economia na Europa e de outras regiões mais dependentes de importação de energia.

E isso poderá por sua vez dar impulso à demanda por commodities agrícolas e minerais.

Azevêdo mostra-se ainda confiante a retomada das negociações globais de liberalização em 2015.

 

Valor: Como o sr. vê as perspectivas para o comércio mundial em 2015? Quais regiões podem ter aumento de comércio, quais podem ter diminuição? 

Roberto Azevêdo: Nossas estimativas indicam um crescimento mais rápido do comércio em 2015 em comparação com 2014. Essa avaliação está também relacionada com a queda de preço do Petróleo, o que contribui para reduzir custos e estimular demanda. Isso deve ajudar o crescimento dos países que são intensivos em energia e que contam com uma base industrial forte. Nós revisamos regularmente as estimativas para o comércio mundial no início de abril.

Nossa previsão mais recente, que é de outubro, aponta um crescimento de 4% do comércio em 2015.

Mas temos que acompanhar a evolução das condições internacionais nos próximos meses antes de olhar novamente para os nossos números. Vamos acompanhar de perto alguns fatores importantes para o comércio mundial como a retomada do crescimento na Europa, tensões geopolíticas, preço do Petróleo, etc.

Valor: O comércio cresceu à taxa de 5,2% na média nos últimos 20 anos. Isso vai demorar a se repetir, então?

Azevêdo: No cenário atual não parece provável uma retomada das taxas históricas e vigorosas de crescimento de comércio no futuro imediato.

Valor: Para um país exportador de commodities, como o sr. vê as perspectivas comerciais do Brasil em 2015?

Azevêdo: É verdade que as commodities respondem por uma parcela importante das exportações brasileiras, e nós vemos um conjunto de fatores favoráveis para países exportadores de commodities em 2015. A queda no preço do Petróleo gera desafios para os países exportadores do produto, mas deve contribuir para estimular a economia internacional como um todo. Esse estímulo ao crescimento da economia global deve favorecer a demanda e as exportações de commodities agrícolas e minerais.

Valor: Isso vale tambem para os bens industriais?

Azevêdo: Essa lógica vale para commodities, mas é claro que os industrializados também têm uma fatia importante das vendas brasileiras para o exterior. Mas outros fatores explicam a dinâmica comercial para esses produtos. O mercado de bens industrializados, sobretudo nos grandes centros consumidores, está muito mais competitivo. Além disso, se comparada às commodities, a exportação dos produtos industriais responde a uma matriz de estímulos bem mais complexa. As vendas externas de bens industriais tendem a ser mais sensíveis que as commodities aos custos estruturais da economia interna.

Valor: A OMC passou por uma séria crise em 2014, provocada pelo bloqueio da Índia. Qual seu balanço?

Azevêdo: Acho que 2014 acabou sendo um ano positivo para a OMC. Depois de altos e baixos, conseguimos resolver o impasse que paralisou as negociações em julho. Colocamos as negociações de volta nos trilhos. E todos os países não só reafirmaram o compromisso com as negociações, mas também nos indicaram objetivos claros. Espero que no próximo ano tenhamos muito a celebrar. No mínimo vamos comemorar o aniversário de 20 anos da OMC. Acho que temos espaço para comemorar também avanços importantes na agenda negociadora.

Valor: O que o sr. acha que realisticamente pode ser realizável em 2015 em termos de negociações na OMC?

Azevêdo: O ano de 2015 será extremamente importante para as negociações da OMC. Os 160 membros da Organização definiram metas importantes e prazos para o ano que vem. Vamos trabalhar duro para obter resultados concretos. A ideia é concluir negociações que melhorem as regras existentes, que diminuam barreiras e que reduzam distorções ao comércio.

Vamos começar a colocar em prática os resultados de Báli. Uma das prioridades será a entrada em vigor do Acordo de Facilitação de Comércio. Quem sabe conseguimos os dois terços necessários de ratificações ainda em 2015? É apertado mas não impossível.

Será enorme a dificuldade de negociar temas sensíveis como subsídios e tarifas agrícolas, tarifas industriais e abertura do mercado de serviços. São negociações que estão emperradas há mais de seis anos. Mas acredito que, se formos realistas e criativos, poderemos sim ter resultados concretos em 2015.

Valor: Que outras iniciativas de liberalização pode-se esperar?

Azevêdo: De fato, temos muitas frentes negociadoras em andamento.

Um bom exemplo é a negociação da expansão do Acordo sobre Bens de Tecnologia da Informação.

Este ano chegamos muito perto de um acordo nessa área.

Acho bem plausível concluir essa negociação em 2015. Isso levará à eliminação do imposto de importação de uma lista importante de produtos de TI, como computadores, semicondutores e componentes.

O comércio coberto pode até ultrapassar a casa de um trilhão de dólares. Vai depender da lista de bens finalmente acordada pelos participantes. Para que se tenha uma ideia, esse é aproximadamente o valor do comércio mundial de todo o setor automotivo. O interessante dessas negociações é que todos os membros da OMC serão beneficiados com a abertura comercial.

Se um país decide não participar dessa negociação, mesmo assim ele exportará sem pagar o imposto de importação nos mercados dos signatários do acordo. Essa seria a situação do Brasil.

Não podemos esquecer que em dezembro de 2015 será realizada, em Nairóbi, a décima Conferência Ministerial da OMC. É mais um estímulo a encontrar resultados negociados.