O recuo nos preços do petróleo está castigando severamente a Venezuela, levando investidores a questionar a capacidade do país de pagar suas dívidas e gerando preocupações sobre a saúde econômica de outras nações em desenvolvimento.

Até meados deste ano, os títulos de dívida da Venezuela estavam praticamente todos nas mãos de investidores de mercados emergentes. Muitos viam os títulos como uma aposta segura porque as exportações de petróleo do país geravam amplas receitas. Mas uma queda de quase 50% no preço do petróleo bruto desde meados de junho deixou as finanças da Venezuela em frangalhos. O preço do swaps de risco de crédito (CDS, na sigla em inglês), que são um indicativo do risco de não pagamento da dívida soberana, aponta para uma chance de calote de 61% no próximo ano e de 90% nos próximos cinco anos.

O país é um exemplo extremo do impacto que o colapso dos preços do petróleo e de outras commodities teve nos mercados emergentes, onde ações, títulos de dívida e moedas recuaram, da Rússia à África do Sul.

A Venezuela e sua petrolífera estatal, a Petróleos de Venezuela SA, conhecida com PDVSA, emitiram mais dívida do que qualquer outro mercado emergente entre 2007 e 2011. A Venezuela e a PDVSA têm US$ 66 bilhões em dívidas pendentes, de acordo com analistas.

Os problemas da Venezuela mostram como os tempos de bonança que atraíram investidores para certas economias em desenvolvimento podem evaporar rapidamente quando os preços das commodities caem. Durante anos os investidores se mostraram dispostos a ignorar disparidades orçamentárias e inflação em alta enquanto buscavam retornos maiores do que poderiam obter em países desenvolvidos. Mas agora que os preços das commodities vêm caindo, abalando as perspectivas econômicas de muitos países, os gestores de recursos estão cada vez mais cautelosos na hora de escolher em quais mercados emergentes investir.

“Os preços altos do petróleo ajudaram muitos desses países a esconder seus problemas. Agora, a maré está baixando e os pontos fracos estão sendo expostos”, diz Win Thin, chefe global de estratégia para mercados emergentes do banco Brown Brothers Harriman & Co. “A Venezuela será o primeiro [país] a cair porque é o mais fraco [...] e é o mais dependente do petróleo.”

Na semana passada, a agência de classificação de risco de crédito Fitch Ratings rebaixou ainda mais a nota da Venezuela, que já era considerada de altíssimo risco, de B para CCC, citando a limitada capacidade da economia venezuelana de responder à acentuada queda dos preços do petróleo. Entretanto, analistas dizem que um calote da Venezuela não é iminente. Se o país entrar em moratória, ele perderia acesso aos mercados internacionais, que deixariam de financiar projetos para desenvolver seus vastos depósitos de petróleo e gás. O calote também poderia abrir as portas para investidores confiscarem ativos da PDVSA, incluindo refinarias nos Estados Unidos que operam por meio da sua subsidiária Citgo.

“O custo de uma moratória ainda é muito alto em comparação aos seus benefícios”, diz Carl Ross, analista de crédito soberano da Grantham Mayo Van Otterloo & Co., uma firma de investimento de US$ 120 bilhões que detém títulos da dívida venezuelana. “Os investidores estão esperando algum tipo de resposta política positiva que permita à Venezuela sair [dessa] de alguma maneira”, diz.

Os títulos de referência da Venezuela despencaram para um nível recorde de baixa no início da semana passada, antes de subirem em sintonia com uma modesta reação nos preços do petróleo. O título estava sendo negociado a cerca de XX centavos por dólar de valor de face ontem, após ter recuado para cerca de 38 centavos por dólar na segunda-feira passada. O rendimento de certos títulos de vencimento curto da PDVSA superavam 40% ao ano. O rendimento sobe quando o preço cai e vice-versa.

Uma moratória da Venezuela dificilmente se espalharia para outros países emergentes. A Venezuela é considerada uma das economias mais mal administradas do mundo, fruto de anos de gastos excessivos do governo e um regime monetário oneroso que puseram um freio em investimentos no país.

A Venezuela emergiu como um alvo potencial para fundos de hedge especializados em lucrar com dívidas problemáticas. Alguns estão apostando que os preços do petróleo vão se recuperar. Outros veem vantagens numa moratória, na qual o governo provavelmente trocaria títulos pendentes por novos. Com alguns títulos já abaixo dos 40 centavos por dólar, a dívida reestruturada poderia valer mais.

“Se você tem títulos venezuelanos, não está torcendo por uma reestruturação, mas é possível armar um argumento em sua defesa caso ela venha a ocorrer”, diz A.J. Mediratta, um dos executivos que dirigem a Greylock Capital Management LLC, que participou de reestruturações de dívidas de governos da Argentina e Grécia. Segundo ele, a Greylock começou a comprar títulos de dívida da Venezuela em meados do ano.

Mesmo antes de os preços do petróleo despencarem, a Venezuela já estava em crise. Rígidos controles monetários e a escassez de dólar paralisaram a economia e tornaram a sua taxa de inflação a maior do mundo. Pesquisas de opinião pública mostram a popularidade do presidente Nicolás Maduro em um nível recorde de baixa, com 24,5% de aprovação.

Analistas consideram que o baixo nível de popularidade explica por que Maduro adotou apenas medidas fragmentadas para lidar com a queda dos preços do petróleo. Entre os passos tomados estão um aumento dos impostos sobre bens de luxo e o uso de um empréstimo de US$ 4 bilhões tomado da China para impulsionar as reservas internacionais, que haviam caído para US$ 21,4 bilhões, o volume mais baixo em quase dez anos. As minguadas reservas deixam a Venezuela mais vulnerável do que outros países exportadores de petróleo, como a Rússia, que tem US$ 414,6 bilhões em seus cofres.

“Não há possibilidade de uma moratória”, disse Maduro em um discurso na TV no começo do mês, “a não ser que decidamos não pagar mais como parte de nossa estratégia de desenvolvimento econômico [...] e essa não é a estratégia que foi desenvolvida nesses anos”. Cerca de 67% dos venezuelanos dizem que o governo deveria continuar pagando suas dívidas no exterior, de acordo com a firma de pesquisas Datanalisis, de Caracas.

Maduro não tomou medidas mais drásticas que analistas consideram necessárias para ajustar a economia, como a redução do subsídio doméstico aos combustíveis, o relaxamento dos controles cambiais e o fim das exportações baratas de petróleo para Cuba e outros países caribenhos. “O que estamos vendo nos mercados é uma reação à completa falta de resposta do governo” diante dos problemas econômicos, diz Francisco Ghersi, diretor-gerente do Knossos Fund, especializado em dívida venezuelana.