Depois do forte tombo observado em 2014, os investimentos devem continuar patinando ao longo do próximo ano, avaliam economistas. O cenário já era pouco favorável, com confiança em nível ainda bastante baixo, alta da taxa básica de juros e um ajuste fiscal que tende a reduzir o ritmo das obras públicas, mas ficou mais complicado com as denúncias de corrupção na Petrobras, que podem afetar os planos de investimentos da estatal. 
Economistas consultados pelo Valor avaliam que a Formação Bruta de Capital Fixo (medida das Contas Nacionais do que se investe em Máquinas e Equipamentos e na construção civil) deve ficar estável ou registrar queda no próximo ano, enquanto 15 consultorias e instituições financeiras ouvidas pelo Valor Data projetam, em média, pequeno aumento de 0,4% do investimento no ano que vem. As estimativas variam entre queda de 7% e alta de 9% no período.

Mesmo em 2016 a retomada deve ser lenta. Esses mesmos analistas preveem alta de 3,3% da formação bruta no exercício.

A deterioração das expectativas do setor industrial ainda sinaliza forte retração do investimento no primeiro trimestre do ano, comenta Rodrigo Alves de Melo, economista-chefe da gestora Icatu Vanguarda. "O ponto de partida para o investimento é bastante ruim em 2015", diz.

A perda de confiança dos empresários na política econômica foi fundamental para explicar a paralisação dos projetos e obras neste ano, concorda Newton Rosa, economista-chefe da Sul América Investimentos. "Essa retração acabou chegando também aos consumidores e provocou o quadro de estagnação atual da atividade. Sem perspectiva mais clara de aumento do consumo, ninguém investe, porque não querem incorrer em um custo fixo maior." Para Rosa, não será a virada do calendário que vai alterar o humor dos empresários. "O processo será lento e vai refletir a consistência da política econômica a ser empregada, para só então os investimentos reagirem." Como a indústria ainda opera com ociosidade, diz, é provável que esse processo só ocorra em 2016. Para o próximo ano, Rosa projeta estabilidade da formação de capital fixo, "o que já seria um ganho, pois em 2014 o investimento teve forte impacto negativo no PIB." Na melhor das hipóteses, o investimento deve ficar estável, com chances de que a formação de capital fixo volte a registrar queda, afirma Melo, da Icatu.

Além da confiança em baixa, diz, o ajuste fiscal esperado para o próximo ano deve afetar os investimentos públicos, uma das despesas em que o governo tem mais flexibilidade para cortes. A alta da Taxa de Juro de Longo Prazo (TJLP), que vai subir de 5% para 5,5% no primeiro trimestre de 2015, e a expectativa de redução do ritmo de desembolsos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também pode ter impacto negativo sobre o investimento privado, por aumentar o custo de capital e diminuir oferta de crédito para investimentos.

O aumento da taxa básica de juros em curso é outro fator restritivo no cenário para o próximo ano.

"As medidas que devem ser adotadas, como alta da Selic, reajuste de preços administrados e desvalorização do câmbio, têm efeito positivo no médio prazo, mas inicialmente são recessivas e, se a economia não cresce, o investimento fica parado", diz Marcelo Kfoury, superintendente do departamento econômico do Citi Brasil.

Segundo Kfoury, outra ameaça é a questão energética. O Citi estima que, para que não haja racionamento, é preciso que chova 80% da média histórica nos próximos meses.

Por enquanto, no cenário do banco, a hipótese é que o racionamento será evitado, mas esse é um risco incorporado à estimativa de que a formação de capital fixo fique parada no próximo ano.

Além das incertezas presentes na economia brasileira, o quadro ficou mais turbulento com as denúncias envolvendo a Petrobras e a queda do preço do Petróleo, que podem levar a estatal a encolher seu plano de investimentos. "A empresa tem papel relevante dentro do investimento doméstico e afeta também o restante da cadeia, além de dificultar a captação de recursos no mercado estrangeiro por outras empresas brasileiras", observa Alves de Melo, da Icatu.

O Barclays calcula que um corte de 10% dos investimentos da Petrobras poderia "tirar" 0,5 ponto porcentual do PIB de 2015, dados os efeitos diretos e indiretos dos projetos da empresa sobre a indústria, como menor volume de demanda por plataformas e por alguns serviços, por exemplo. Por enquanto, o banco prevê crescimento de 0,8% da economia e de 2% dos investimentos no próximo ano, assumindo que a estatal não irá alterar o rumo de seus projetos. "Mas o cenário fica cada vez mais arriscado.

Além das denúncias de corrupção, que poderiam atrasar investimentos, a queda do preço do barril de Petróleo pode fazer com que alguns projetos fiquem menos atrativos", afirma o economista Bruno Rovai.

Embora a maioria dos riscos esteja associado ao campo negativo, Kfoury, do Citi, cita alguns fatores que podem ajudar no desempenho do formação de capital fixo no próximo ano. "Vamos ter mais dias úteis, sem o efeito Copa do Mundo, o país deve evitar a perda do grau de investimento com a nova equipe econômica e estamos esperando alguns novos leilões de Infraestrutura", enumera o economista.

Com isso, depois de um primeiro semestre fraco, na segunda metade do ano a economia pode voltar a crescer a uma taxa de 0,5% por trimestre, o equivalente a 2% em termos anualizados.

 

Economistas do Ibre-FGV preveem recuo de 1,7%

 

O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) tem um dos cenários mais pessimistas para o comportamento dos investimentos em 2015 entre as consultorias e instituições financeiras ouvidas pelo Valor Data. Os economistas do instituto esperam retração de 1,7% da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, medida das contas nacionais do que se investe em máquinas e construção civil) em relação a 2014, em função principalmente de ajustes de caráter recessivo na condução da política macroeconômica. 

A previsão está no Boletim Macro do Ibre-FGV referente a dezembro. 

Neste ano, segundo o Ibre, o investimento vai cair muito mais: 7,1%. A desaceleração do consumo, a perspectiva de continuidade da trajetória de aumento da taxa básica de juros, a Selic, o já anunciado incremento para 5,5% da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) do BNDES, o corte nos gastos do governo que ainda terá dimensão definida e, por fim, a depreciação cambial são as variáveis que devem desestimular a formação de capital fixo ao longo do ano que vem. 

Ao lado do ajuste nas contas do governo a ser conduzido pelo novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a equipe de conjuntura do Ibre aponta que disparada do dólar, que escalou para patamar de R$ 2,70 nos últimos meses, será o fator preponderante para o recuo. Com a moeda americana mais cara, as importações de máquinas e equipamentos tendem a ser inibidas, já que o custo do investimento sobe. 

O cenário macroeconômico de 2015 "traz um viés muito negativo para o investimento", de acordo com Vinícius Botelho, pesquisador da área de economia aplicada do Ibre-FGV. Também não ajuda o nível de confiança dos empresários na economia, que se encontra em nível historicamente baixo. "Há uma correlação forte entre investimento e confiança", diz. 

A indústria, que tradicionalmente puxa os investimentos produtivos, deve diminuir 0,5% dentro do PIB em 2015 nas estimativas do Ibre, influenciada pela contração de 1,6% da indústria de transformação, que demanda mais máquinas e equipamentos do que o setor extrativo mineral. 

"O consumo vai crescer pouco, 0,5%, e há risco de racionamento de água e principalmente de energia elétrica. Com a atividade morna, o investimento vai ficar baixo", afirma Botelho. 

A outra parte que compõe a FBCF, a construção civil, vai cair 1,2% no ano que vem no cenário da entidade. Nesse segmento, o ciclo de aperto monetário ainda em curso e a estabilização do rendimento médio real dos salários vão levar ao recuo. "Aí principalmente a taxa básica de juros deve impedir a retomada da construção civil", observa Botelho. Neste ano, o Ibre prevê encolhimento de 5,3% na atividade do setor.

 

 

Com cenário incerto, empresas projetam retomada em 2016

 

Guilherme Weege, presidente de uma das maiores empresas do setor de vestuário, a catarinense Malwee, afirma que "todo primeiro ano de um novo governo traz alguma apreensão". Cauteloso, o investimento da empresa em 2015 ficará "bem abaixo" do de 2014, ainda que Weege não revele números exatos. "A escolha da equipe [equipe econômica do segundo governo Dilma] talvez tenha reduzido a insegurança com relação ao médio prazo, mas não o suficiente para servir como aval para disparar investimentos planejados e mantidos em compasso de espera", afirma. 

Para economistas ouvidos pelo Valor, os investimentos, medidos pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), só terão de fato uma reação mais consistente em 2016. A maioria descarta sua retomada em 2015. 

Além do cenário ainda incerto sobre a política econômica do segundo governo Dilma, pesam negativamente os desdobramentos da Operação Lava-Jato e as denúncias contra empreiteiras, que tocam ou tocariam boa parte das obras de infraestrutura do país. Somado a isso ainda há setores industriais que terminam 2014 desapontados, com altos estoques devido às vendas mais baixas. 

"Ficarei muito surpreso se houver uma boa reação do investimento em 2015", afirma André Biancarelli, professor da Unicamp, que estima que a FBCF só reagirá em 2016. "Infelizmente, não há nenhum componente da demanda agregada sinalizando grande expansão em 2015, nem o consumo privado, nem o gasto público, nem a demanda externa." Para Aloisio Campelo, superintendente adjunto de ciclos econômicos do Ibre-FGV, "só quando as expectativas para 2016 começarem a melhorar ao longo de 2015 é que o investimento reagirá". 

As empresas estão preferindo ou manter ou reduzir o montante de investimentos em relação a 2014. 

Também dão preferência para projetos mais voltados para ganhos de eficiência dentro da fábrica. Em 2014, a Malwee investiu em uma estratégia de expansão de lojas próprias no varejo e consolidou algumas aquisições feitas nos últimos anos. Em 2015, os investimentos serão focados no aumento da produtividade e da competitividade das operações, explica Weege. 

A Coca ColaFemsa seguedireção parecida. O vice-presidente da empresa, Eduardo Lacerda, diz que o foco serão investimentos em equipamentos como geladeiras, treinamento de funcionários e em embalagens. 

Ele planeja US$ 100 milhões em investimentos no ano que vem. A empresa não revela o montante total de investimentos realizados em 2014, pois os dados só serão divulgados no fechamento do balanço, o que impede uma comparação, mas sabe-se que o ano foi atípico para a empresa, pois houve desembolso bem maior, de US$ 260 milhões, somente em nova fábrica, em Itabirito (MG). "O ano foi diferenciado por conta do investimento em Itabirito", diz Lacerda. 

Em 2015, o executivo diz que a empresa está focando em eficiência, qualidade e preço competitivo. 

Apesar de possíveis obstáculos, não foram revistos os investimentos previstos e a Coca-Cola segue com o planejamento que havia sido feito no início de 2014. 

Em alguns setores da indústria mais voltados à produção de bens de consumo duráveis, o estoque alto no último trimestre de 2014 é um dos fatores para postergação de decisões de investimentos, acredita Campelo. Ainda não está claro também se o nível de estoques será reequilibrado já no primeiro trimestre do ano. "Se a demanda continuar fraca no primeiro trimestre, o resultado poderá ser redução no quadro de pessoal da indústria", afirma. 

Já no setor de infraestrutura - um dos mais importantes para puxar o crescimento - a dificuldade de recuperação em 2015, de acordo com os economistas, decorrerá tanto dos desdobramentos da Lava- Jato quanto "à inevitável redução do ritmo de investimentos da Petrobras, fruto de seus problemas internos e do preço do petróleo [que caiu pela metade nos últimos meses]", acredita Biancarelli. 

O agravante é que nenhum setor prometia investir tanto nos próximos anos como o petróleo, inclusive com efeitos indiretos sobre o investimento industrial em outros ramos de atividade. 

"Restariam as concessões de setores de infraestrutura, mas seus impactos sobre o investimento em geral até aqui têm sido baixos, além da incerteza em relação às empreiteiras", diz Biancarelli, que afirma ainda que num cenário como este, não apostaria que a recuperação da credibilidade ou a retomada da confiança do setor privado com uma política econômica austera, sejam suficientes para animar o empresário a investir. 

Duas recentes altas nas taxas de juros voltadas ao investimentos produtivo podem prejudicar ainda mais o cenário. O professor da Uerj Luiz Fernando de Paula entende que o aumento da TJLP de 5% para 5,5% e as correções das taxas do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) para faixas entre 6,5% e 11% podem ajudar a frear o ânimo do empresariado. 

Segundo De Paula, a aposta do governo é que ao encarecer o custo do financiamento do BNDES e desacelerar gradualmente os desembolsos da instituição, haverá um efeito "crowding-in". Ou seja, o sistema financeiro privado proveria com mais recursos os financiamento de longo prazo. 

Para o economista, no entanto, não se deve esperar a curto e médio prazos papel mais ativo dos bancos e dos títulos corporativos no financiamento do investimento. O motivo principal são as elevadas taxas de juros (Selic e taxa DI), que ele entende como os principais inibidores desse movimento. Para De Paula, em um ano "que será muito provavelmente de recessão", os empresários dificilmente se sentirão estimulados a investir mais. 

Apesar de ser considerado um ano "desafiador", os executivos das empresas não demonstram pessimismo com 2015. "O novo ano não terá os grandes eventos que não ajudaram particularmente a demanda no mercado de vestuário, como a Copa do Mundo ou mesmo as eleições. Acredito em um ano de recuperação", afirma Weege. Além disso, ele acredita que "o consumidor está ainda um tanto assustado com todas essas mudanças, mas à medida que as coisas voltem à normalidade e as pessoas percebam que a economia segue seu rumo é possível que 2015 acabe trazendo uma razoável surpresa positiva". 

Lacerda, da Coca-Cola Femsa, diz que não espera redução dos volumes de vendas, apesar do ajuste fiscal da nova equipe econômica poder resultar em retração do consumo das famílias.