Celso Cota Neto, prefeito de Mariana: municípios mineradores estão perdendo de 30% a 40% da arrecadação com a Cfem Mariana é uma das cidades de Minas Gerais mais dependentes das vendas do minério de ferro. A previsão para este ano era arrecadar R$ 92 milhões em royalties da mineração, mas a queda dos preços do minério de ferro desorganizou as contas da cidade e a prefeitura foi forçada a cortar gastos e adiar investimentos. A expectativa da administração é que a receita com os royalties fique este ano em R$ 72 milhões. O preço do minério atingiu, em dezembro de 2013, US$ 136 a tonelada. Este mês, o preço médio está em US$ 69,30. Alguns analistas falam em cotação abaixo dos US$ 80 em 2015. Outros já preveem que o preço atinja US$ 70. Para lidar com a atual baixa, prefeitos dos municípios afetados recorrem a um pacote emergencial de corte de gastos, adiamento de obras e até demissões. E alguns depositam esperanças em uma negociação com a Vale para compensar as perdas. Minas Gerais é o Estado que responde pela maior parte da arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem). Até novembro, foram R$ 739,64 milhões, o que representa 47% do total arrecadado no país. Em segundo lugar, vem o Pará, com R$ 467,19 milhões (29,7%). Para finanças do governo de Minas, a Cfem não tem um peso tão grande quanto para os municípios. Pelas regras da divisão da contribuição, o caixa dos municípios mineradores fica com 65% do que as empresas pagam em royalties. Os Estados recebem 23%, e a União, 12%. Mesmo assim, o Estado sente os efeitos. De janeiro a outubro, Minas recebeu R$ 163 milhões de sua fatia da Cfem. No mesmo período do ano passado, foram R$ 236 milhões. "Para nós o problema maior não é esse. É que quando se tem uma queda nos preços e na venda do minério de ferro, isso atinge a diretamente a receita do ICMS sobre mineração e siderurgia", diz o secretário-adjunto da Fazenda do Estado, Pedro Meneghetti. O ICMS sobre a mineração caiu de R$ 673 milhões (valor de janeiro a novembro de 2013) para R$ 514 milhões e o ICMS sobre a siderurgia, de R$ 882 milhões para R$ 670 milhões. A arrecadação tributária total esperada por Minas este ano é de R$ 38 bilhões. No caso de municípios onde há mineração, o drama é maior. "O maior impacto ocorre sobre os municípios mineradores. Alguns estão perdendo 30%, 40% da arrecadação com a Cfem", diz Celso Cota Neto, prefeito de Mariana e presidente da Associação de Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig). Segundo a entidade, 20 cidades contribuem com 92% do total arrecadado por Minas Gerais entre janeiro e novembro. Mariana é a primeira do ranking. Obras rodoviárias e as melhorias no sistema de abastecimento e esgoto da cidade terão obras adiadas, segundo o prefeito. O consumo de combustível dos carros da prefeitura está sendo racionado. Horas extras e gratificações foram limitadas. Os preços em baixa do minério afetam os demais municípios de forma semelhante ao que acontece com o governo do Estado. "Com esses preços, as empresas diminuem investimentos e isso afeta também a receita das prefeituras que vem do ISS e do ICMS", diz Cota Neto. Na avaliação do prefeito de Mariana, se as condições atuais se mantiverem, será inevitável promover cortes nos gastos em saúde e educação. Os percentuais constitucionais seriam mantidos, mas incidiriam sobre um bolo menor. No município de Itabira, berço da Vale, uma fatia do dinheiro também evaporou. A mineradora começou a operar na cidade em 1942 e desde a década de 80 a cidade recebe uma verba a título de royalty. Os prefeitos e a população se habituaram a isso. Mas este ano, até 30 de novembro, os recursos da Cfem destinados a Itabira somaram R$ 53,1 milhões ante R$ 119,6 milhões no mesmo período do ano passado. Essa diferença de 55,5% tem duas causas: no ano passado, a cidade recebeu da Vale um valor superior ao usual em royalties como parte de uma correção de um pagamento que, por anos, foi inferior ao devido em cidades nas quais a empresa opera. Isso significa que a base de comparação entre 2014 e 2013 ficou um pouco deformada. Mas a outra causa é queda dos preços do minério que se refletiu no valor arrecadado com a Cfem. A cidade tinha uma previsão de arrecadação total este ano de R$ 476, 66 milhões. A parte prevista com a Cfem era de R$ 74,25 milhões. "Estamos tendo de diminuir o ritmo de alguns projetos. Paralisamos a reforma de uma unidade básica de saúde e adiamos a inauguração de mais sete. Também retardamos o ritmo de obras em escolas", disse o secretário da Fazenda da cidade, Paulo Henrique Figueiredo. Figueiredo diz que a prefeitura também passou a monitorar com mais rigor a cobrança de ISS e de IPTU para reforçar outras receitas. A exemplo de outros municípios onde as mineradoras garantem parte importante das receitas, Itabira se acomodou. "A cidade não se preocupava tanto com essas receitas próprias, porque tinha uma receita que nos atendia via Cfem", afirma o secretário. A receita para o ajuste inclui algumas medidas comuns em municípios mineradores do Estado: proibição de hora extra, redução de gastos com combustível, rediscussão de contratos, rediscussão do valor de programas sociais. Em Nova Lima, cidade vizinha a Belo Horizonte, o impacto da queda de preços do minério de ferro foi ainda mais agudo. O prefeito Cássio Magnani Júnior (PMDB) ordenou neste fim de ano a demissão de funcionários para enxugar gastos. Magnani, que passou parte do ano às voltas com um processo de cassação do mandato, não quis falar com o Valor sobre o problema da queda de arrecadação. Como não há nada que indique que o minério de ferro vá entrar em um período de recuperação em 2015, as prefeituras estão revendo seus orçamentos. Em São Gonçalo do Rio Abaixo, onde está a mina de Brucutu, segunda maior mina de minério de ferro do Brasil, atrás de Carajás (PA), a prefeitura não tem alternativa para 2015, senão reduzir custos. "Estamos repensando todo nosso planejamento, mantendo mais cautela com o custeio e identificando possíveis despesas que podem ser cortadas desde que não comprometa os serviços prioritários", disse o secretário da Fazenda, José Aurélio da Silva Filho. Anglo American, CSN, Samarco, Ferrous, entre outras mineradoras, produzem minério de ferro em Minas Gerais. Mas é da Vale, em particular, que prefeitos esperam uma ajuda para afrouxar um pouco o nó que aperta as receitas. Segundo Cota Neto, a expectativa é que a empresa pague em 2015 o que falta da dívida referente à Cfem recolhida a menor em anos anteriores pelo fato de a empresa não ter incluído no cálculo seu gasto com transporte. A empresa, segundo o prefeito, já pagou cerca de R$ 1 bilhão a municípios de Minas e do Pará. O resto, pelos cálculos que os prefeitos fazem, daria novamente algo entre R$ 900 milhões e R$ 1 bilhão, diz Cota Neto. "Essa é uma iniciativa que os municípios estão fazendo para ajudar o quadro de arrecadação. A Vale há de entender que a mineração precisa ajudar a manter a qualidade de vida na população onde ela atua e esse pagamento seria um bom reforço no ano que vem para que as prefeituras possam manter programas básicos", afirma. A Vale afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que a discussão ainda aguarda uma posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM). Afirma ainda que, se for levada em conta uma jurisprudência do próprio STJ, poderá levar ao conselho de administração uma proposta para pagamento de um total de R$ 300 milhões.