Com um cenário turbulento no Congresso Nacional em 2015 que prevê ajuste fiscal, acusações de corrupção contra parte da base aliada, maior fragmentação partidária e uma oposição mais forte e barulhenta, a presidente Dilma Rousseff terá um início de legislatura mais desafiador do que o do primeiro ano de seu atual governo. 

Em teoria, o tamanho da base aliada é parecido com o que Dilma teve ao suceder o ex-presidente Lula, que lidou com oposições maiores ao iniciar seus governos. 

Se considerados os partidos que deram apoio à petista na eleição e mais o PTB, cujas bancadas contrariaram a posição da direção partidária e fizeram campanha para ela, Dilma terá ao seu lado 68% dos senadores e 64,1% dos deputados federais. 

Há, contudo, grande divisão nos partidos da base e ainda é difícil prever como será o relacionamento do governo com os aliados. No fim deste primeiro mandato e em especial com a queda de sua popularidade, Dilma viu sua base perder tamanho e ficar menos coesa, com projetos aprovados contra sua vontade ou de maneira diferente do que gostaria o governo. 

A taxa de apoio no plenário da Câmara em 2014 foi de 51,5% nas votações nominais, a menor da era PT e acima apenas do que a de 1998, no fim do primeiro mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Na base aliada, a fidelidade foi de 65,8% no ano passado, a menor desde, pelo menos, o governo Collor. Em 2011, o índice era de 89,1%. Os números são do Banco de Dados Legislativos do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). 

No Senado, as siglas francamente contrárias ao governo Dilma (PSDB, DEM, PPS, PSB, PSC, SD e PSOL) conquistaram 26 cadeiras. 

Na prática, porém, o número é maior: dos oito partidos da base, pelo menos quatro (PDT, PMDB, PP e PR) têm em suas fileiras senadores que atuam na oposição. O grupo será fortalecido com a chegada dos ex-governadores tucanos de São Paulo José Serra, de Minas Gerais Antônio Anastasia e do Ceará Tasso Jereissati, além do deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO). 

Dilma tenta contornar essa dificuldade na montagem do novo ministério. Nomeou Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD, para as Cidades. O partido, fundado em 2011 por dissidentes da oposição, é um dos mais infiéis ao governo. O PR aguarda a oficialização do vereador Antônio Carlos Rodrigues (SP), secretário-geral da sigla, para os Transportes, e o PMDB viu aumentar seu espaço de cinco para seis ministérios. 

A presidente também terá de lidar com um Legislativo mais fragmentado. Na Câmara, o número de partidos aumentou de 22 para 28 e no Senado, de 15 para 16. Com a redução das maiores bancadas, o governo terá que se esforçar mais nas negociações e mapear cargos de segundo escalão para atender as legendas excluídas dos ministérios. 

Os partidos têm discutido a formação de blocos de atuação conjunta, mas o analista e diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) Antônio Queiroz avalia que ainda é cedo para medir o impacto disso. "Os blocos discutidos são mais pragmáticos, para disputar a eleição da Mesa Diretora e das comissões. Não creio que haverá redução do número de interlocutores ao longo da legislatura." Queiroz alerta, ainda, para o aumento das bancadas conservadoras no Congresso Nacional. A bancada evangélica contará com cerca de 80 integrantes, a ruralista estima a presença de 260 parlamentares e a da "bala", ligada a temas de segurança, com aproximadamente 20 congressistas. "A pauta de direitos humanos terá dificuldade para avançar. Outras, por sua vez, terão mais espaço para serem discutidas, como mudanças nos estatutos do desarmamento e da família e a redução da maioridade penal", diz. 

Em 2015, a perspectiva que se desenha é que o Congresso seja comandado novamente pelo PMDB. Na Câmara, o líder do partido, Eduardo Cunha (RJ), faz campanha há muito mais tempo e com muito mais estrutura que os adversários. Com o discurso de que o Legislativo deve ser independente do Executivo e responsável por "rebeliões" contra o governo, é o favorito para se eleger. 

No Senado, a tradição é que a maior bancada escolha o presidente. 

Ao PMDB falta, então, definir o nome. O que parecia uma reeleição tranquila de Renan Calheiros (PMDB-AL) complicou-se por conta da citação do pemedebista entre os supostos envolvidos no esquema de corrupção da Petrobras. Outros nove senadores aparecem na delação premiada do ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa. 

Outra questão a ser resolvida por Dilma no começo do ano será a definição dos líderes do governo no Parlamento. Na Câmara, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) herdou a liderança com a eleição de Arlindo Chinaglia (PT-SP) para a vice-presidência da Casa e ainda não há definição se permanece no cargo. 

No Senado não há, por ora, um nome natural para suceder Eduardo Braga (PMDB-AM), anunciado como futuro ministro de Minas e Energia. A escolha cabe ao Planalto. O perfil necessário ao cargo - negociador, com domínio dos projetos em tramitação e bom trânsito no Parlamento, inclusive na oposição - aponta para opções consideradas indisponíveis no Senado. 

Tendo exercido a função nos governos FHC, Lula e Dilma, Romero Jucá (PMDB-RR) é visto até por petistas como o mais preparado para as intempéries que se anunciam. 

Mas está rompido com o governo e fez campanha para Aécio Neves (PSDB-MG) na disputa presidencial. 

Neste ponto, aliados lembram a votação do projeto que livrou o governo do cumprimento da meta fiscal, em novembro, cujo relator foi justamente Jucá: não houve sessão durante a tramitação da matéria em que o pemedebista não fizesse questão de lembrar a todos seu voto no tucano. Era como se sublinhasse, avaliam parlamentares, que era um opositor, mas que estava salvando a pele do governo. 

Outra opção com o perfil desejado, Vital do Rêgo (PMDB-PB) virou ministro do Tribunal de Contas da União. Eunício de Oliveira (CE), líder do PMDB no Senado, não goza da confiança dos petistas, que o veem como "egocêntrico" e acusam de ter articulado contra o governo quando lhe foi conveniente. 

Uma possibilidade avaliada é promover uma troca: o PMDB ficaria com a liderança do governo no Congresso Nacional, posto que é do PT, e então cederia aos petistas a liderança no Senado. 

Apeados dos ministérios da Previdência e de Minas e Energia, os pemedebistas Garibaldi Alves Filho (RN) e Edison Lobão (MA) voltam ao Senado. Próximos de Renan, terão de ser acomodados em postos com algum destaque, como a presidência de comissões importantes na Casa. 

Há expectativa ainda do papel que desempenhará o senador eleito Paulo Rocha (PT-PA), que renunciou ao mandato de deputado em 2005, acusado de participar do mensalão. Absolvido pelo Supremo Tribunal Federal, ele será olhos e ouvidos do ex-presidente Lula no Congresso. É peça importante no desenho eleitoral para 2018. 

Diante destas indefinições há ainda a avaliação corrente de que Dilma terá que mudar o relacionamento com o Congresso para aprovar temas que ficaram pendentes nesta legislatura e que o governo preferiu adiar para um momento mais favorável. Além das sempre citadas reformas tributária e política, o Legislativo deve discutir o novo código da mineração, a revisão da Lei de Licitações e a regulamentação da terceirização da mão-de-obra. 

Os parlamentares querem impor uma agenda própria, com as propostas de emenda constitucional (PEC) do Orçamento impositivo. 

Enquanto isso, o governo terá que aprovar a prorrogação, por mais quatro anos, da Desvinculação das Receitas da União (DRU), instrumento que lhe permite manejar livremente até 20% de suas receitas anuais.