O déficit em conta corrente reagiu muito pouco, até agora, à depreciação do real. A taxa de câmbio efetiva real, que representa o valor da moeda nacional em relação às moedas de nossos parceiros comerciais, teve uma desvalorização de cerca de 30% desde meados de 2011. Ainda assim, o déficit em conta corrente quase duplicou, passando de 2,12% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2011 para 4,05% do PIB nos 12 meses até novembro.
 
Preocupa, em particular, a dinâmica mais recente. Em apenas três meses, de agosto a novembro, o déficit em conta corrente registrou uma deterioração equivalente a 0,5 ponto percentual (pp.) do PIB, nos dados acumulados em 12 meses.
 
Além disso, os investimentos diretos, um tipo de capital mais estável, cobriram uma parcela menor do déficit externo. Os fluxos caíram de 3,04% do PIB em agosto para 2,85% do PIB em novembro. Assim, o Brasil teve que se valer de capitais mais voláteis para fechar o seu balanço de pagamentos - em montante equivalente a 1,2% do PIB.
 
Não há nada errado em um país emergente, como o Brasil, registrar déficits em conta corrente, cuja contraface é o ingresso de capitais estrangeiros que ajudam a financiar os investimentos na economia. Mas, historicamente, a persistência de resultados negativos acima de 3,5% do PIB está associada a crises no balanço de pagamentos.
 
As projeções do Banco Central para 2015 indicam uma leve melhora no indicador, com a queda do déficit em conta corrente para 3,8% do PIB, ou US$ 83,5 bilhões. Os investimentos diretos previstos vão somar US$ 65 bilhões.
 
É um primeiro passo na direção de um possível ajuste, mas ainda lento e de baixa qualidade. Nas contas da autoridade monetária, as exportações brasileiras devem crescer somente 2,8% em 2015. A debilidade das vendas externas se explica, em grande parte, pela queda de preços de produtos básicos exportados pelo Brasil, como minério de ferro e soja. O BC prevê, por outro lado, um recuo de 1% nas importações. Quedas nas importações, de forma geral, costumam estar ligadas à redução de investimentos.
 
As perspectivas para a conta financeira em 2015 são igualmente desafiadoras. Como bem notado pelo professor da PUC-Rio, Márcio Garcia, em artigo no Valor na última sexta-feira, a dívida externa privada subiu de US$ 88 bilhões para US$ 259 bilhões entre 2007 e 2014. As empresas, lembrou ele, aproveitaram-se dos baixos juros vigentes desde a crise da quebra do Lehman Brothers para se endividar no exterior.
 
Agora, é hora de pagar. Os vencimentos previstos em 2015 somam US$ 102 bilhões, considerando as dívidas de curto prazo e de longo prazo. A hipótese de trabalho do Banco Central é que 100% dessas dívidas sejam roladas, o que não é improvável, considerando que em 2014 essa taxa chega a 157%, de janeiro a novembro.
 
Mas é bom lembrar que em 2015 os compromissos são 62% maiores do que os de 2014. O ambiente internacional tende a ser mais desafiador, com o provável início do ciclo de alta na taxa de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano). O recente escândalo da Petrobras também tornou mais difíceis as captações externas das empresas, em particular de setores como os de óleo e gás e de construção civil.
 
Não se pode descartar que, nos próximos trimestres, haja uma aceleração no ajuste das contas externas. A taxa de câmbio sofreu um novo movimento de alta nas últimas semanas e esse ajuste tende a se transmitir com defasagens para a balança comercial. As exportações também devem reagir à medida que a economia americana firme a sua trajetória de recuperação.
 
Deve-se ponderar, por outro lado, que apesar da recente depreciação da moeda nacional, a taxa de câmbio efetiva real ainda se encontra cerca de 5% apreciada em relação ao valor de partida no Plano Real e cerca de 30% abaixo do período de 2002 a 2005, segundo dados do Banco Central.
 
Se esses números forem corretos - e o alto déficit em conta corrente é a prova do pudim -, ainda há um caminho pela frente para corrigir os anos de sobrevalorização do real. Isso dependerá da perseverança da política fiscal para permitir o realinhamento de preços de produtos transacionáveis em relação aos não-transacionáveis; da política monetária, para garantir que os ganhos na taxa nominal de câmbio se traduzam na taxa real; e da livre flutuação da taxa de câmbio.