Título: Muito mais que um topete
Autor: Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 03/07/2011, Política, p. 2

O topete em Itamar não era só adorno. Era uma forma de exteriorizar o estilo do ex-presidente da República, audacioso para uns, arrogante para outros, singular para todos. O que dizer de um governador que manda tropas da Polícia Militar (PM) ao confronto com as do Exército para a porteira da fazenda da família do presidente da República? Ou que usa citações em latim para explicar o pragmático dia a dia da política? Da preferência por terno azul marinho à persistência em reeditar o velho Fusca, o jeito Itamar de ser irritou adversários que, repetidas vezes, o chamaram de ciclotímico, alguém com instabilidade persistente de humor. Para os amigos e eleitores fiéis, as atitudes revelavam um homem firme em suas convicções e disposto a brigar com todas as armas por elas.

A relação mais ruidosa com um dos mais importantes personagens da República sintetiza a marca de Itamar: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que passou de apadrinhado a inimigo e, novamente, a aliado. Os tapas e beijos trocados por eles foram interpretados como reflexo de uma situação que não foi criada por nenhum dos dois: a opinião pública sempre enxergou no tucano o verdadeiro pai do plano real, apesar de o programa ter sido arquitetado por muitas mãos. Até porque o próprio Itamar, ao enxergar ali a melhor bandeira para eleger seu sucessor, deu todos os créditos à FHC durante a campanha eleitoral. Depois, mordeu a língua.

A vingança veio assim que Itamar tomou posse como governador de Minas Gerais, em 1999, no segundo mandato de FHC. Inconformado em encontrar o caixa vazio, sem verba até para comprar lençóis e fronhas a serem usados no Palácio das Mangabeiras, Itamar anunciou a moratória. Redigiu de próprio punho a declaração de guerra: "Por absoluta falta de dinheiro, deixaremos de cumprir o acordo financeiro feito com o governo anterior". Transformou-se em arauto de governadores que mendigavam ajuda do Planalto.

Para reforçar, chegou a mobilizar tropas da PM para fazer manobras na região de Capitólio (MG), um cenário montado contra a privatização de Furnas, marca do seu nacionalismo. Na época, a revista inglesa The Economist não o poupou. Em um artigo intitulado A vingança de Itamar Franco, resumiu: "Ele era conhecido como um homem ciclotímico, com cabelo desgrenhado e ideias mais desgrenhadas ainda".

Mas o episódio mais cinematográfico ainda estava por vir. No ano seguinte, o então governador de Minas enviou tropas da PM a Buritis, a 750km de Belo Horizonte. O inimigo eram 300 soldados do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP), acantonado na Fazenda Córrego da Ponte, de propriedade de três filhos de FHC. O Exército queria impedir uma invasão do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, mas, para Itamar, tratava-se de uma violação das normas constitucionais. Em Belo Horizonte, o Palácio da Liberdade foi transformado num bunker, com direito a carro blindado no portão principal. A segurança foi reforçada por atiradores de elite armados com fuzis e metralhadoras, e usando máscaras tipo ninja. Ao fim da peleja, não houve disputa nem em Buritis nem em Belo Horizonte. Depois de quatro anos de rompimento, as pazes foram seladas em seminário de comemoração dos oito anos do plano real. FHC saudou o "prezado amigo governador" e Itamar o abraçou no fim do discurso.

Assessoras próximas Entre os fiéis aliados de Juiz de Fora, sempre se destacavam duas mulheres próximas a Itamar: Ruth Hargreaves e Neuza Mitterhoff. A primeira, irmã do ex-ministro Henrique Hargreaves, ocupou o cargo de secretária da Presidência e esteve ao lado do ex-presidente em todas as campanhas eleitorais que ele disputou. Dona Neuza atuava como uma espécie de guardiã de Itamar, com quem trabalhava há mais de 40 anos. Costumava fazer o papel de assessora de imprensa, comandava o escritório político em Juiz de Fora e assessorava o ex-presidente inclusive em sua residência.