Joaquim Levy, ministro indicado para a Fazenda, disse ontem a interlocutores que a queda do preço do petróleo no mercado internacional e a maior incerteza global - que se agravou com a decisão do governo da Rússia de elevar a taxa de juros de 10,50% ao ano para 17 % ao ano para defender o rublo - reforçam a importância de haver ações claras e rápidas, nas próximas semanas, "para reorientar a economia enquanto há espaço de manobra".

Já com uma avaliação ampla das condições em que receberá o Ministério em janeiro, especialmente a situação das contas públicas, ele traça os rumos que o novo governo pretende dar à política econômica: "Medidas para reequilibrar a economia, especialmente do ponto de vista fiscal, são urgentes e indispensáveis".

Frente a um novo ambiente externo, Levy ressalta, ainda, a necessidade de "se pensar na trajetória do gasto público, para não sufocar a economia com dívida ou carga tributária excessiva", relatou um dos interlocutores do ministro ao Valor.

Isso significará uma redefinição nas prioridades das despesas, inclusive no âmbito do legislativo, para atender as expectativas de mudanças que estão presentes desde 2013, como explicou, ontem, a um grupo de deputados. Hoje o ministro indicado deverá se reunir com senadores para continuar a expor sua avaliação da economia e apontar as soluções para recolocá-lo na trilha do crescimento.

Ele não está enumerando medidas concretas, mas falando em tom mais conceitual, nas reuniões no Congresso. Levy sustenta que vai "valer a pena" um esforço de convergência da dívida bruta do governo geral para o patamar de 50% do PIB nos próximos anos. Atualmente a dívida bruta corresponde a cerca de 70% do PIB. Tal redução vai custar alguns anos, "mas com persistência e crescimento econômico vai dar para fazer", assegura ele.

Uma dívida menor - sinal de solvência do país - não só aproximaria o Brasil de outros países emergentes, como daria espaço para as empresas brasileiras poderem acessar o mercado de dívida, inclusive o de dívida interna, que é parte importante da estratégia de volta do crescimento, completa ele em seus argumentos.

A defesa do foco na dívida bruta, expressa na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), se justifica pela garantia de maior consistência intertemporal - ou seja, as consequências do que for feito agora estarão claras amanhã.

Levy tem advogado, também, uma correção "logo" dos preços da economia como parte relevante da estratégia. "No que tange às tarifas elétricas, por exemplo, o ponto principal do Ministério da Fazenda é permitir que o preço cumpra seu papel de sinalizar a escassez" e ajudar "na alocação correta de recursos na economia", disse em conversa recente com interlocutores.

Está em discussão, como antecipou o Valor, ontem, a proposta de transferir para os consumidores, na conta de luz, os custos dos subsídios assumidos pelo Tesouro Nacional. Assim, a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que era paga pelo consumidor e foi transferida para o Tesouro em 2012, deve voltar a ser cobrada na conta de luz.

"É o caso de se pensar se o Tesouro é capaz de absorver de forma permanente um significativo montante de subsídios que, inclusive, sempre foram financiados pelos consumidores. A avaliação é que quando se passa a conta para o governo, ela aumenta. Não é uma coisa única do Brasil ou dessa ação, mas foi o que aconteceu. Isso distorce a economia e deteriora o fiscal", explicou Levy.

O impacto na inflação dos realinhamentos de preços está sendo avaliado, considerando, no balanço, a colaboração da queda de preços de commodities, do excesso de capacidade produtiva global e do processo de reequilíbrio da economia brasileira. No caso do mercado de trabalho, por exemplo, esse reequilíbrio começou a ocorrer desde o início do ano com a redução da oferta de vagas.

Além desses elementos que ajudam a compensar os aumentos de preços administrados, há o fato de o Banco Central estar vigilante em relação à convergência da inflação para a meta de 4,5% em 2016, explicou o ministro a interlocutores.

Ele tem sido incisivo quanto ao "timing" das medidas. Elas têm que ser adotadas de imediato, para que os agentes econômicos conheçam as regras do jogo o mais rápido possivel. Se as regras são claras, a resposta da economia também será rápida, mesmo em ambientes pouco favoráveis.

"É urgente reforçar o edifício fiscal para preparar a retomada da economia", argumentou, apostando que o Congresso vai aprovar o que for necessário.

Levy não adianta o teor dessas medidas, mas deixa uma indicação: "A trajetória sustentável do gasto tem que ser discutida, até porque a carga tributária é alta". A tendência é, portanto, de no leque de propostas se formalizar um teto para a expansão do gasto público nos próximos anos. "Não adianta tentar criar uma porção de regimes especiais de imposto e fingir que a trajetória do gasto não tem impacto no crescimento da economia", disse ele.

Em uma visão crítica da política fiscal nos anos mais recentes, ele comentou com um assessor que houve uma "complacência geral" com a flexibilização fiscal. "Desfizeram leis e procedimentos essenciais ao equilíbrio fiscal, como se eles não fossem mais necessários", tem dito..

"Agora (o governo) vai ter que reconstruir ou vai ser difícil a retomada (da economia)", atesta o ministro indicado.

Quando o grau de confiança no governo por parte de empresas e consumidores era alta, talvez as brechas abertas para o gasto não fizessem tanta diferença e até ajudassem no momento. Hoje, porém, prevalece a percepção de que não ajudaram tanto e, ao contrário, enfraqueceram o país.

O governo colocou mais de R$ 500 bilhões nos bancos públicos. Desses, mais de R$ 400 bilhões foram para o BNDES a juros fortemente subsidiados e, mesmo assim, a taxa de investimento está em queda. Uma explicação plausível, segundo disse o ministro indicado em uma conversa com outros colaboradores do governo, é que a confiança diminuiu, muito provavelmente, "porque as pessoas perceberam que o mundo mudava e as ações do governo não pareciam acompanhar essas mudanças com a velocidade que elas esperavam".

Dadas as outras prioridades, inclusive sociais, a importância do sinal de preço para não haver desperdício de energia, e a economia fazer a alocação de recursos correta, "a transparência é fundamental", defende ele.

 

 

NO CONGRESSO, MINISTRO INDICADO PARA FAZENDA PROMETE CUMPRIR METAS FISCAIS

 

POR RIBAMAR OLIVEIRA, VANDSON LIMA E LEANDRA PERES | DE BRASÍLIA

 

Em conversa com os parlamentares da Comissão Mista de Orçamento do Congresso, o ministro indicado da Fazenda, Joaquim Levy, garantiu que cumprirá o que prometeu para os próximos três anos na área fiscal.

 

"O ministro explicitou o seu compromisso de manter as metas fixadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015, para que não aconteça no próximo ano o que ocorreu em 2014, de no meio do exercício fiscal a gente ter de votar novas metas", informou o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE). "O ministro disse que vai honrar o que prometeu", relatou o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).

 

Medindo as palavras e tendo cuidado de não revelar medidas que adotará para cumprir as metas - "ainda não sou ministro", teria dito - Levy afirmou que o Brasil precisa voltar a crescer.

 

 Para isso, disse ser necessário ajustar as contas, aumentar a poupança interna, elevar a produtividade da economia e dar transparência e previsibilidade às ações do governo.

 

Levy, que estava acompanhado do ministro indicado do Planejamento, Nelson Barbosa, traçou um quadro de dificuldades e disse que medidas duras serão adotadas na área fiscal.

 

 "Ele falou que pretende mostrar o tamanho do esforço que as pessoas terão que fazer [para ajustar as contas]", relatou o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO).

 

Os parlamentares da oposição quiseram saber se o governo vai elevar a carga tributária para equilibrar as contas. Sem responder diretamente, Levy afirmou que a carga no Brasil já é alta e que elevá-la mais ainda vai prejudicar os setores produtivos.

 

"Ele disse que aumentar impostos mata a economia", relatou o deputado Alexandre Toleto (PSB-AL). Mas os parlamentares, principalmente dos partidos de oposição, saíram da reunião convencidos que o futuro ministro vai elevar os tributos.

 

De acordo com o deputado Izalci Lucas (PSDB-DF), Levy disse que, para cumprir as metas fiscais, "o governo vai construir mecanismos de redução de custos e despesas". Isso porque o corte de R$ 30,7 bilhões feito na estimativa da receita primária da União para 2015 "ainda é pouco".

 

"Ele afirmou que tem consciência de que a meta de superávit primário de 1,2% do PIB para 2015 não é suficiente para estabilizar a dívida pública em relação ao PIB. Mas disse que esse é um passo importante para chegar a meta de 2% em 2016, que estabiliza a dívida", disse Maia.

 

 

Fundo do setor elétrico deve iniciar 2015 com déficit de R$ 3 bi, estima Aneel
Rafael Bitencourt


O fundo que concentra as despesas bilionárias do setor elétrico começará mais um ano no vermelho. A Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) iniciará 2015 com um déficit de R$ 3 bilhões, segundo estimativa feita pelo comando da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

"O que não for honrado pela CDE neste ano entra no orçamento do ano que vem. Infelizmente, o resultado da conta tem sido negativo", disse o diretor-geral da agência, Romeu Rufino. Ele explicou que, como regra, o saldo negativo na CDE engorda os índices de reajuste anuais das contas de luz.

No setor elétrico, cada bilhão de despesa repassada aos consumidores representa o acréscimo de ponto percentual sobre o índice de reajuste anual. Com isso, o déficit na CDE pode corresponder por três pontos percentuais nas tarifas em 2015. Com o mesmo parâmetro de cálculo, chegou-se a prever o impacto de quatro pontos percentuais sobre a fatura de energia com o aumento de custo em R$ 4 bilhões na compra de energia da hidrelétrica de Itaipu, no rio Paraná (PR), também no próximo ano.

Rufino reconheceu que as tarifas de 2015 ainda podem ser impactadas pelo custo remanescente da compra de energia no mercado de curto prazo (spot) e do acionamento das térmicas em novembro e dezembro. Para essas despesas, a agência ainda não tem previsão, embora o setor considere que também que possa chegar a outros R$ 3 bilhões. Isso ocorreu porque os aportes do Tesouro e os empréstimos dos bancos feitos neste ano não foram suficientes para cobrir os gastos do setor nos últimos meses de 2014.

Atualmente, as distribuidoras aguardam o último desembolso do Tesouro, garantido por decreto, no valor R$ 1,5 bilhão para regulariza os repasses atrasados da CDE. Diante de horizonte desfavorável em 2015, o diretor da Aneel sinalizou que a agência poderá conceder, a pedido, a revisão extraordinária a fim de aliviar nova pressão sobre o fluxo de caixa das concessionárias de distribuição. Durante o ano de 2014, a alternativa foi descartada.

A agência vai considerar tanto o déficit da CDE como o aumento de custo de Itaipu sobre as distribuidoras na hora de decidir quais empresas terão direito às revisões extraordinárias. Segundo Rufino, a única variável que irá atenuar o aumento anual das tarifas em 2015 é o início das bandeiras tarifárias, mecanismo que sinaliza e repassa mensalmente aos consumidores o aumento da despesa com a compra de energia.

"Isso [a revisão extraordinária] vai ter que ser analisada caso a caso, porque tem distribuidora com nível de exposição maior ou empresa que não tem cota [de energia] de Itaipu, como as do Norte e Nordeste. Assim como temos empresas com reajuste anual em fevereiro e outros só no fim do ano", afirmou Rufino.