Título: Sacoleiros fazem a festa
Autor: Fonseca, Roberto; Hessel, Rosana
Fonte: Correio Braziliense, 03/07/2011, Economia, p. 14
Revenda ilegal no retorno ao Brasil de mercadorias compradas nos Estados Unidos paga a viagem e ainda rende lucros para os turistas
Miami ¿ Eles estão por todos os lados. Percorrem tanto as lojas mais caras quanto as mais baratas. E têm um comportamento parecido: vão direto para o fundo do estabelecimento atrás das promoções, que podem resultar em descontos de até 80% sobre o preço original. "É onde vale a pena. É possível comprar camisetas de marcas famosas por US$ 5, o que daria na faixa de R$ 8,50, e revendê-las por R$ 45 no Brasil sem dificuldade alguma", afirma A.M.F., 34 anos, morador de Goiânia, que já esteve em Miami em quatro oportunidades nos últimos 12 meses (leia depoimento ao lado).
A.M.F. é o típico sacoleiro brasileiro nos Estados Unidos. Faz viagens curtas, com no máximo seis dias de duração, e leva apenas uma mala ¿ todas as outras são compradas lá. Em Miami, tira o dia para percorrer os shoppings com preços mais populares em busca das pechinchas. "Levo US$ 4,5 mil no máximo em cada viagem, a maioria em cartões pré-pagos (travel money), porque não dá para ficar gastando no cartão de crédito no exterior sem chamar a atenção da Receita Federal. É também uma forma de fugir do imposto de 6%", completa o morador de Goiânia. O tributo ao qual o sacoleiro se refere é o Imposto de Operações de Financeiras (IOF), que teve a alíquota aumentada de 2,38% para 6,38% pela presidente Dilma Rousseff com a finalidade de conter o aumento de gastos no exterior.
De uma forma geral, os sacoleiros brasileiros preferem dois shoppings na região de Miami: o Dolphin Mall e o Sawgrass Mills. O primeiro fica em Miami-Dade, distante oito quilômetros do aeroporto internacional. Lá, a preferência é pela compra de roupas jeans. "Meu filho, é o que o brasileiro adora. Tem calças Levi"s e Calvin Klein a US$ 30. Em qualquer shopping do Brasil, não sai por menos de R$ 200. Dá para ter 100% de lucro fácil", diz R.S.P, de 55 anos, uma ex-sacoleira de Ciudad del Leste (Paraguai) na fronteira com Foz do Iguaçu (PR), famosa no início da década de 1990, e que agora descobriu Miami.
"Aqui, venho de avião, compro roupas para a minha família e com o que vender, pago a minha viagem", completa R.S.P., que costuma "investir" US$ 4 mil em cada "passeio" de cinco dias no exterior. Não à toa, sempre se depara com a seguinte declaração dos vendedoras que a tratam pelo nome: "É impressionante, vocês brasileiros compram tudo".
Já o Sawgrass Mills, localizado em Sunrise, a cerca de 60 quilômetros do centro de Miami, concentra a maioria dos sacoleiros brasileiros. Eles costumam se hospedar em hotéis baratos, com a diária na faixa de US$ 35 sem o café da manhã, ou em casas localizadas a no máximo um quilômetro de distância do shopping, que alugam quartos por US$ 25 cada noite. São 340 lojas que vendem de tudo a preços extremamente baixos. Tênis de corrida que são vendidos a R$ 599 nas principais lojas esportivas do Brasil podem ser achados por US$ 80. "Basta ter a disposição para procurar. Fuçar mesmo as lojas e conhecer um pouco o que está em alta lá no Brasil. Assim, dá para ganhar um bom dinheiro na revenda", avalia A.M.F.
O tal do "bom dinheiro na revenda" trata-se de crime fiscal. Para entrar no país com as roupas e os tênis para revenda, omitem da Receita a compra das mercadorias, arrancam a etiqueta com o preço e torcem para não cair na fiscalização. Adotam também estratégia de evitar desembarcar nos aeroportos menos movimentados. "Não dá nem para sonhar em se arriscar em Brasília. A fiscalização é mais apertada, os voos chegam cedo e o risco de cair na mão de fiscal é maior. O jeito é desembarcar em São Paulo, onde o fluxo de passageiros é grande", completa A.M.F., que apesar de morar em Goiânia prefere revender no interior. "É onde o morador não tem muitas opções", emenda.
Depoimento "Descobri as facilidades de comprar roupas em Miami em julho do ano passado. Com o dólar em queda, viajei com alguns amigos para Las Vegas e Nova York. Na volta, passamos por Miami. Comprei camisas baratas, que aqui custam R$ 200, por US$ 20. Ao chegar, vendi duas por R$ 150 e vi que dava para ganhar dinheiro com isso. Desde então, estive outras três vezes aqui na Flórida só para comprar roupa e vender no Brasil. Nunca levo mais de US$ 4,5 mil em cartões de viagem e tenho o cuidado de não fazer viagens seguidas em um intervalo menor do que 35 dias para evitar dar bandeira. Também fujo do Aeroporto de Brasília. A fiscalização é maior e a chance de ter a bagagem revistada é grande. Nunca caí, mas acredito que, mesmo se tiver que pagar o imposto, a viagem ainda vai valer a pena. Se comprar bem, como os brasileiros gostam, dá para faturar uns R$ 20 mil com a muamba."
A.M.F., 34 anos, mora em Goiânia e vende as roupas importadas em cidades do interior de Goiás