Em 2015, o desafio do novo governo no comércio exterior será enorme, sobretudo se quiser preservar e modernizar o parque industrial brasileiro. Embora o Brasil esteja próximo de atingir o expressivo valor de US$ 500 bilhões em fluxo de bens com seus parceiros comerciais, a situação do comércio exterior da indústria é ruim e com perspectiva de piora. Para reverter o quadro, o país terá de adotar uma ambiciosa política de competitividade e realizar três mudanças na política comercial: de visão, com uma política comercial para as empresas; das instituições, com sua reforma; e de postura em negociações internacionais, com a adoção de uma agenda de novos acordos.

Os números falam por si. A balança comercial do Brasil está à beira de um déficit, mas a de bens manufaturados já atingiu um saldo negativo de mais de US$ 105 bilhões em 2013. Não só as exportações totais do país não crescem desde 2011, como as da indústria estão estagnadas desde 2008, em valor e em embarques físicos. Como consequência, a participação dos manufaturados brasileiros nas exportações mundiais caiu de 0,83%, em 2008, para 0,72%, em 2013. O Brasil está entre os 10 maiores parques industriais do mundo, mas é apenas o 30º maior exportador de produtos manufaturados e sua desconexão das cadeias de valor dos centros dinâmicos da economia mundial - América do Norte, Europa Ocidental e Ásia do Leste - é gritante.

País tem longa tradição de suspeita em relação a tratados internacionais, especialmente os de caráter comercial

A solução desses problemas é conhecida: o país precisa ampliar a inovação e a produtividade para assegurar a competitividade da indústria. Para tanto, é necessário mais investimento em educação e a realização das diversas reformas para sanar os problemas que os empresários costumam caracterizar como "custo Brasil" - financiamento, infraestrutura, relações de trabalho e tributação. Essas reformas devem ser acompanhadas por um ambiente macroeconômico estável, um Estado eficiente, o desenvolvimento dos mercados interno e externo, e segurança jurídica e redução da burocracia.

No entanto, o próximo governo não poderá aguardar a execução dessa agenda ambiciosa para adequar a política comercial às necessidades da indústria. A mudança, urgente, é de três ordens.

A primeira é de visão: a política comercial tem que ser feita para as empresas. Para um país como o Brasil, que não tem pretensões militares para expandir sua influência no mundo, o comércio internacional é a via mais rápida e eficaz para projetar poder. A China e os Estados Unidos, países tão distintos em seu modelo de organização da relação Estado-mercado, há décadas chegaram a essa conclusão - defender suas empresas e seus negócios no jogo do comércio é a receita para fortalecer suas economias nacionais e, por consequência, aumentar sua projeção internacional.

No Brasil, contudo, a política comercial tem mãe e madrasta. De um lado, é utilizada como ferramenta da política externa. De outro lado, é vista como instrumento de política econômica e é uma das primeiras vítimas da política fiscal quando os recursos ficam escassos. Para crescer, o Brasil precisará de uma política comercial independente, com objetivos e lógica própria, ancorados nas necessidades do setor privado.

A segunda mudança é das instituições: a organização institucional do comércio exterior precisa ser reformada. Basta elencar algumas perguntas para se ter a medida dos problemas. Faz sentido, no mundo das cadeias globais de valor, a estrutura da tarifa de importação brasileira? O Brasil consegue competir, em condições de igualdade, contra Alemanha, China, Estados Unidos e Japão, sem dispor de um banco de exportações e importações, um Eximbank? Tem razão a indústria não dispor de adidos de indústria e comércio em mercados estratégicos, para realizar a defesa do setor no exterior, remover barreiras e monitorar as políticas industrial e comercial dos parceiros do país? Faz sentido tributar as exportações e investimentos no exterior e deixar que a indústria arque com resíduos tributários e bilhões de reais em créditos não ressarcidos? Essas são algumas das perguntas que o Brasil ainda não respondeu.

Por fim, a terceira mudança é de postura em negociações internacionais: a política comercial precisa abandonar a visão "soberanista" dos acordos internacionais. O país tem uma longa tradição de suspeita em relação aos tratados internacionais, sobretudo aqueles de caráter comercial. Além disso, o nacionalismo brasileiro criou uma autoimagem de nação excepcional, isto é, única no mundo. O resultado prático dessa conjunção é que o Brasil sempre considera a negociação de acordos comerciais como um exercício de resistência a "pressões externas" e em defesa de um "espaço para políticas de desenvolvimento" que ninguém sabe definir ao certo qual é e para que serve. Como consequência, o país resiste à negociação de uma série de acordos, de livre comércio à eliminação de vistos; de proteção de investimentos àqueles para evitar a dupla tributação. Sem mudança nessa postura, a indústria brasileira continuará carente de instrumentos para aprofundar sua inserção internacional e para contribuir com o desenvolvimento do Brasil.

Como se pode observar, essas mudanças são de difícil realização, mas precisam ser iniciadas - e de forma simultânea -, pois seus resultados são lentos. Se o país quiser recuperar a década perdida do comércio exterior da indústria, a hora de agir é agora.

Diego Bonomo é gerente executivo de comércio exterior da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Constanza Negri Biasutti é assessora sênior da Confederação Nacional da Indústria (CNI).