Graça Foster não aparentava ontem que é presidente de uma companhia que tem quatro ex-diretores, um ex-presidente e gerentes investigados ou já denunciados pela Justiça por fraude, corrupção passiva, entre outros delitos. Ela e cinco dos seis diretores receberam jornalistas para um misto de confraternização de fim de ano que na prática foi uma entrevista longa. Foram temas os problemas intermináveis da companhia relacionados com a Operação Lava-Jato, que segundo ela lhe deu motivação para acabar com o "descrédito da Petrobras por conta dessa fragilidade da sua governança", disse Graça.

Até seu relacionamento com a geóloga Venina Velosa da Fonseca, ex-gerente do Abastecimento que denunciou irregularidades quando Graça era diretora de Gás e Energia.

"A Operação Lava-Jato literalmente adentrou em nossa companhia, em nossos ambientes de trabalho. Isso tudo começou em março deste ano de 2014. Realmente um mês e um ano inesquecíveis. Vai ficar marcado na história da companhia. E certamente, como eu disse lá atrás, quando eu falei da Rnest [Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco], que são lições aprendidas", disse a executiva logo no início.

Ela confirmou e corrigiu informação de que ofereceu seu cargo e de toda a diretoria para a presidente da República - foram três vezes e não duas.

Voltou ao assunto na reunião do conselho de administração na sexta-feira passada, quando perguntou aos representantes da firma de auditoria se a saída de toda a diretoria executiva ajudaria a companhia destravar a assinatura do balanço, como informou na terça-feira o Valor PRO, serviços de informações em tempo real do Valor.

"A coisa mais importante para essa diretoria aqui é a Petrobras. É muito mais importante do que o meu emprego, do que qualquer coisa. Então é nesta linha que tem sido discutido, conversado. Eu li recentemente que no conselho também nós conversamos sobre a saída dos dirigentes da companhia e é verdade. Não era para sair assunto de conselho na imprensa, mas tem saído e eu confirmo que sim", disse Graça.

Sobre o relacionamento com Venina Velosa da Fonseca, Graça disse que conhece a geóloga há alguns anos. E que recebeu dela emails e disse que as denúncias não eram claras. "Conheci a Venina quando ela trabalhava com o Paulo Roberto [Costa]. Trabalharam juntos durante anos e anos e anos", disse Graça.

"Recebi e-mails em 2009 da Venina, um momento em que teve uma briga com o Paulo Roberto que eu não sei por que. O assunto 2009 era referente à área de comunicação", disse, completando que Venina era da área corporativa responsável pelas obras da refinaria. "Quando ela conversou comigo e falou sobre essa questão da área de comunicação foi a primeira vez que eu soube que ela e o Paulo tinham se desentendido. E eu falei para o Paulo Roberto que eles precisavam conversar".

Graça disse ainda que em 2011 recebeu outro email, segundo ela mais longo. "Ela fala em esquartejamento de projetos. Eu não sei o que é esquartejamento de projetos, eu não sei o que é licitação ineficiente. E logo depois ela bota um ponto e diz que é tarde demais para dar detalhes", disse.

A executiva contou que levou a Paulo Roberto a reclamação sobre a ineficiência nas licitações. Já presidente da Petrobras e da conclusão de duas comissões internas de apuração sobre a Rnest e o Comperj, Graça diz que recebeu outro email. "Eu mandei para o jurídico e para o diretor da área para que tomasse as providências cabíveis. Então essas foram as ações feitas. Essas foram as ações. Quando ela coloca "tarde demais para dar detalhes" e "vocês sabe parte", eu só sabia mesmo daquilo que ia para a reunião de diretoria".

Ao mencionar a situação atual da diretoria, que está sob investigação dos advogados externos - Trent Rossi e Watanabe e o Gibson, Dunn & Crutcher - ela contou que os investigadores abrem armários, olham anotações e documentos, levam iPads e iPhones e computadores pessoais. Ao explicar os motivos do segundo adiamento do balanço, ela explicou que será necessário uma baixa no patrimônio da companhia porque ainda porque precisa das auditorias. E defendeu as investigações. "Eu preciso ser investigada. Os diretores também precisam. E isso leva tempo", afirmou. As investigações estão mais intensas na Petrobras e subsidiárias Transpetro, PBio (Petrobras Biocombustíveis) e na BR Distribuidora.

"A gente queria que nada disso tivesse acontecido. Para não querer, teria que ter criado barreiras anteriormente. Mais fortes do que as barreiras que foram criadas. A Petrobras perde com a operação Lava-Jato. Perde em todos os lugares. Quando você está num avião e olham para você, quando você vê a fúria e a tristeza de acionistas de forma geral. E a tristeza e a fúria são sentimentos dignos", admitiu a executiva.

Ao comentar a perda de valor de mercado da companhia, Graça lembrou que, em parte isso se deve ao fato de a Petrobras não ter um balanço auditado.

"Isso nunca aconteceu. O acionista não sabe se a empresa vai pagar dividendos, qual o valor da baixa que vai ter no patrimônio, se isso vai influenciar aqui ou lá.

A gente não pode esquecer a dívida em dólares que a Petrobras tem. E que [em] qualquer [situação de] depreciação do real essa dívida aumenta muito", disse, lembrando que o petróleo brent estava sendo negociado por US$ 110 a US$ 105 e caiu para US$ 60.

"Não tem empresa de petróleo no mundo que não tenha uma redução do valor de mercado, seja pelo brent e seja pela moeda corrente. Agora, a Petrobras tem uma Operação Lava-Jato nas costas. E isso também nos prejudica. E essa daí, cabe a nós resolvermos. Porque brent e câmbio são variáveis que a gente não tem nenhum poder sobre elas. Mas temos poder para enfrentar e resolver essa situação toda".

 

 

Diretoria da Petrobras deu aval a prejuízo inflado

 

Juliano Basile | Brasília

Documentos confidenciais que o Valor teve acesso mostram que a Diretoria da Petrobras aprovou uma série de projetos em que seus integrantes - entre eles, Graça Foster - sabiam que haveria prejuízo nas obras da Refinaria Abreu e Lima. Inicialmente, as perdas atingiriam até US$ 836 milhões, mas a Diretoria permite a elevação para até US$ 10,543 bilhões. As provas estão em Documentos Internos do Sistema Petrobras (DIPs) e em e-mails relatando que todos os diretores deram aval, em 2009, a propostas para licitações e contratos com prejuízos bilionários para a companhia.

Três DIPs datados de 10 de fevereiro de 2009 tratam de obras para a construção de uma estação de tratamento de água (R$ 774 milhões), para a implantação de tanques de armazenamento (R$ 1,2 bilhão) e para edificações na área administrativa da refinaria (R$ R$ 591 milhões). Em todos esses documentos há uma descrição do modelo internacional de implantação de empreendimentos, no qual são realizados estudos de viabilidade técnica-econômica, que são chamados de EVTEs, cujo objetivo é saber se o projeto deve continuar nos termos originais, se será alterado ou até mesmo paralisado. Para tomar a decisão final a respeito desses projetos, a diretoria se reúne e analisa as possibilidades.

O problema é que todos os EVTEs encaminhados e aprovados por unanimidade e sem ressalvas pela Diretoria, na qual Graça Foster cuidava da área de Gás e Energia, informavam resultados negativos. Essa informação vinha também em outra sigla: VPL, que significa valor presente líquido.

Os VPLs mostram que há uma discrepância entre o orçamento programado e a realização. Os três projetos citam a previsão de VPL para a refinaria em US$ 2,407 bilhões negativos para o caso de Abreu e Lima ser uma Sociedade Anônima, ou de US$ 836 milhões negativos na hipótese de ela se tornar uma unidade operacional da área de abastecimento, o que acabou ocorrendo.

O Valor levou os DIPs para um integrante do Ministério Público que disse que o caso merece, no mínimo, uma boa investigação. Segundo ele, esses documentos não mostram que Graça participava das irregularidades, mas que ela, por fazer parte da diretoria, sabia que os projetos estavam dando prejuízos altíssimos. Os casos em que diretores de empresas sabem de irregularidades, mas terminam por não agir para impedi-las, são tratados pelas autoridades de investigação criminal como omissão dolosa. Neles, a prova é muito difícil de ser obtida, já que os diretores podem alegar que não era obrigação deles intervir, mesmo sabendo das perdas. Por outro lado, é dever da diretoria atuar para impedir que projetos com prejuízos claros sejam aprovados.

No caso específico desses três DIPs uma prova adicional permite avançar nas investigações sobre prejuízos na Petrobras: um e-mail enviado em 13 de março de 2009 pela Secretaria Geral de Obras. Na mensagem está escrito que "todos os diretores e o Pres" - uma referência a José Sérgio Gabrielli, então presidente da estatal - aprovaram a redação de um item adicional às obras. Esse adicional foi incluído pelo então diretor de Serviços, Renato Duque, um aliado de José Dirceu, ex-ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula, na estatal. Duque faz "reparos na proposta" e aumenta ainda mais os valores a serem gastos. Inicialmente, os reparos não constam dos DIPs, mas nos e-mails fica expresso que "todos os diretores e o presidente aprovaram" a nova redação que foi proposta para as licitações e contratações da Refinaria.

Na mensagem, Duque descreveu os investimentos na refinaria até dezembro de 2008. São: US$ 234 milhões. Os compromissos assumidos até então com aquisição de equipamentos, contratos em andamento, convênios e demais custos de administração e apoio eram de US$ 1,697 bilhão. Os pacotes com processo licitatório concluído e em fase de encaminhamento totalizam US$ 1,489 bilhão. As licitações em processos de avaliação final atingiam US$ 577 milhões. O diretor citou pacotes de US$ 9,083 bilhão que teriam que ser relicitados. "Os demais pacotes e serviços que complementam o escopo para plena implantação da Refinaria do Nordeste, ainda não compromissados, representam US$ 1 bilhão."

Ao final da mensagem, o diretor deixou consignado que, diante das ações descritas, o valor do investimento deve ficar situado com VPL de US$ 7,949 bilhões, para o caso de a Abreu e Lima ser S.A. e de US$ 10,543 bilhões para o caso de ela ser unidade da área de Abastecimento. Ou seja, numa mensagem, o diretor de Serviços alargou a possibilidade de prejuízos em Abreu e Lima e o fez em duas hipóteses. Se a refinaria se tornasse S.A, o prejuízo estimado no VPL passaria de US$ 2,407 bilhões para US$ 7,949 bilhões. Já se a refinaria se tornasse uma unidade do Abastecimento, como ocorreu, o VPL passou de US$ 836 milhões para US$ 10,543 bilhões.

Não há a assinatura de Graça nesse e-mail, mas existe a indicação de que toda a diretoria, da qual ela fazia parte, aprovou a anexação de novos prejuízos por Duque. As alterações foram comunicadas por Francisco Pais, assistente da Diretoria de Abastecimento, comandada na época por Paulo Roberto Costa, que foi preso por envolvimento em esquemas de desvios de dinheiro na estatal e decidiu fazer um acordo de delação premiada com as autoridades.

Em 2009, José Carlos Cosenza, que, hoje, preside a Comissão de apuração de irregularidades da Petrobras, cuidava da área de refino. Essa área tinha todo o interesse nas obras, pois receberia a refinaria para fins de operação. Cosenza foi informado dos problemas, em 27 de maio de 2009.

Em nota divulgada na terça-feira, a Petrobras admitiu que Cosenza recebeu um e-mail de Venina Velosa da Fonseca, a gerente que denunciou irregularidades na estatal. Segundo a estatal, Venina fez relatos sobre incrementos de custos e prazos da refinaria, "sem alertar para indícios de desvios de recursos".

Na mesma nota, a Petrobras informou que Graça Foster recebeu quatro e-mails de Venina, mas apenas no último, de 20 de novembro deste ano, houve informações sobre irregularidades na estatal.

O Valor verificou que, em e-mail anterior, de 7 de outubro de 2011, a geóloga citou o não atendimento de normas e do Código de Ética na Petrobras, além de problemas em contratos e licitações, e sugeriu entregar a documentação que possuía para Graça. Em e-mail de 3 de abril de 2009, ela pediu ajuda a Graça para concluir um texto sobre desvios de mais de R$ 58 milhões em contratos na área de comunicação do Abastecimento - uma auditoria que comandou. Por fim, em 26 de agosto de 2011, há um e-mail que ainda não havia sido revelado pelo Valor. Nele, Venina deseja feliz aniversário para Graça.