Título: Uma lição de integridade
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Fonte: Correio Braziliense, 03/07/2011, Opinião, p. 20

O Brasil se despede do ex-presidente Itamar Augusto Cautiero Franco, com quem terá para sempre pelo menos duas dívidas impagáveis, uma no plano político-institucional e outra no econômico. Mais facilmente lembrado, até porque seus efeitos ainda são claros na vida cotidiana dos brasileiros, o Plano Real foi implantado no último ano de seu curto mandato (1992-1994) e não teria a menor chance de sucesso se não tivesse contado com o apoio integral e, principalmente, com a credibilidade do presidente.

Vice-presidente na chapa vencedora de Fernando Collor de Melo, Itamar chegou ao Palácio do Planalto num dos momentos mais críticos da recém-retomada democracia brasileira. O país vivera, pela primeira vez em sua história, o impeachment de um chefe do Executivo, num regime que concede poderes demais ao presidente da República. A campanha que precedeu a derrubada de Collor tinha ganhado as ruas como um tsunami de indignação popular ante as denúncias de corrupção que abalavam perigosamente não apenas a crença na democracia como a própria eficácia do cargo de chefe do governo.

A primeira tarefa de Itamar foi resgatar a dignidade do cargo e o respeito da população para com os atos da Presidência. Afetados por uma crise de moralidade até então nunca vista, esses valores, sem os quais nem mesmo em circunstâncias mais tranquilas é possível governar, estavam no chão. O desafio não foi pequeno para um político pouco conhecido fora de Minas, estado que representara por longos anos no Senado da República. Mas a Itamar não faltou o mais importante dos atributos para superar aquela hora de tremenda adversidade: o compromisso inarredável com a ética. Foram exemplares suas atitudes de, primeiro, afastar imediatamente um de seus assessores mais próximos, até que as provas o inocentassem de acusações de desvios, e, depois, a de reconduzi-lo ao cargo, desfeita qualquer suspeita por parte da sociedade.

Resgatada a dignidade do cargo e tendo o presidente, com sua irretocável transparência, reconstruído a credibilidade na liderança do chefe do governo, Itamar pôde, depois de frustradas tentativas em seu próprio governo e de desmoralizados planos de seus antecessores, bancar um plano de estabilização da moeda, ousado por sua simplicidade e arriscado por sua pretensão. O então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, e a equipe que de fato montou o Plano Real não teriam ido longe não fosse a força moral do presidente, capaz de neutralizar os ataques ferozes da oposição parlamentar e a descrença da sociedade traumatizada por pirotecnias cambiais e até sequestro da poupança.

Itamar foi um presidente que saiu de seu mandato sem nada que o desabonasse, sem qualquer tipo de mácula. Consolidou as bases para a conquista da estabilidade da moeda e deixou o governo sem outra herança que não a casa arrumada para Fernando Henrique Cardoso. Frente ao governo de Minas, etapa seguinte em sua carreira política, resgatou a Cemig e evitou a privatização de Furnas e da Copasa. Itamar deixa, portanto, legado de inestimável valor, fundado em algo que jamais pode faltar a qualquer governante, a ética.