A pior seca das últimas décadas levantou diversos questionamentos sobre a falta de gestão de água e de investimentos no saneamento no Estado de São Paulo. Isso obrigou a Sabesp, o governo e especialistas do setor a repensarem o modelo de abastecimento. Principal companhia do setor no Estado, a Sabesp tratou de acelerar novos e antigos projetos. Alguns deles, porém, são criticados por especialistas, principalmente por terem custos altos para o benefício que vão proporcionar ou por não fazerem sentido no longo prazo.

 

Segundo levantamento feito pelo Valor a partir de informações coletadas com a Sabesp e com a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos de São Paulo, há oito projetos a serem implementados nos próximos anos. Juntos, vão custar cerca de R$ 5 bilhões e somam uma vazão adicional de 19,7 m3 /s. Na estimativa da Sabesp, devem adicionar uma produção de água de 10,4 m3 /s na Região Metropolitana de São Paulo até 2018. Os dois números não batem porque não é toda vazão que será transformada em produção de água para distribuição ao consumidor. Antes da crise que reduziu drasticamente os níveis dos reservatórios, o consumo de água na região era de 70 m3 /s. Atualmente, com a redução da demanda por causa da crise, estima-se que o consumo esteja variando entre 50 m3 /s e 60 m3 /s.

 

Embora participe de todos os projetos, a Sabesp não será responsável pelo desembolso total. É o caso da Participação Público Privada (PPP) de São Lourenço, a obra mais cara de todas, que irá permitir o aproveitamento da água do Rio Juquiá pela Grande São Paulo. O consórcio vencedor é que vai arcar com a maior parte do aporte. A lista dos projetos conta ainda com duas obras de interligação, a construção de duas estações de reúso, duas obras de ampliação de estações de tratamento de esgoto, além da construção de 29 reservatórios em bairros da capital e do interior.

 

A PPP de São Lourenço deve trazer, em média, 4,7 m3 /s, por 83 km de adutoras. Dos R$ 2,6 bilhões previstos para a construção do sistema, a Caixa financiará cerca de R$ 1,82 bilhão e diz que a contrapartida da Sabesp será de R$ 261,2 milhões. O restante é de responsabilidade do consórcio vencedor da PPP, formado pelas construtoras Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. Os bancos Itaú e BTG Pactual, ao lado da Caixa, também participarão do financiamento com R$ 522,8 milhões. Diferentemente do informado pela Caixa, a Sabesp diz em nota que "o financiamento é de responsabilidade total do parceiro privado."

 

O mais polêmico dos projetos, a interligação do Rio Jaguari, da Bacia do Paraíba do Sul, com o Atibainha, do Sistema Cantareira, deve trazer, em média, 5,13 m3 /s. O tempo de execução previsto para finalização da obra é de 14 meses, mas ainda não há data de início. A Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos de São Paulo, que prevê investimento de R$ 830 milhões, aguarda uma resposta do governo federal sobre o projeto para definir questões de financiamento.

 

A obra vem sendo tema de uma grande negociação entre os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. No início do ano, em apresentações feitas a investidores e analistas, a Sabesp chegou a citar um custo de R$ 504 milhões, que seria desembolsado pela própria empresa.

 

A terceira obra, que é a interligação do Rio Pequeno com o Reservatório Rio Grande, na represa Bilings, foi estimada em R$ 500 milhões, a serem desembolsados pela companhia. O projeto deve trazer cerca de 2,2 m3 /s para a represa, com previsão para ser entregue em setembro de 2015. A Sabesp também vai investir em duas estações de reúso. Uma delas vai reforçar o Sistema Produtor Guarapiranga, com 2 m3 /s de volume de água adicionado. O investimento previsto para a obra é de R$ 250 milhões e a conclusão está prevista para setembro do ano que vem.

 

A outra estação de reúso deve adicionar 1 m3 /s de água ao Sistema Produtor Baixo Cotia. Com aporte estimado em R$ 275 milhões, a estação deve estar concluída também em setembro de 2015, segundo a Sabesp. Os sistemas Guarapiranga e Rio Grande vão passar por obras de ampliação, com investimentos estimados em R$ 77,3 milhões e R$ 26,5 milhões, respectivamente. A capacidade de produção do Guarapiranga deve aumentar em 2 m3 /s gradualmente. Uma parte já foi entregue em novembro e mais 1 m3 /s de aumento deve ocorrer em setembro do próximo ano. Para o sistema Rio Grande, o volume de água adicionado será de 2,7 m3 /s, divididos em três etapas. A capacidade foi acrescida em 0,5 m3 /s já em setembro deste ano. No mesmo mês de 2015 o aumento será de 1 m3 /s. O restante, 1,2 m3 /s, será somado à capacidade do sistema em novembro de 2016.

 

Além disso, a Sabesp já está investindo R$ 169 milhões na construção de 29 reservatórios de água com capacidade entre 1,5 milhão e 15 milhões de litros de armazenamento.

 

Segundo cálculo do Valor, aproximadamente R$ 1,558 bilhão referente aos projetos virá dos caixas da Sabesp, sem considerar a interligação do Paraíba do Sul ao Cantareira, que ainda não tem definição.

 

Na visão de analistas, a empresa não deverá ter problemas para financiar as obras. Mauro Storino, diretor sênior da Fitch, lembra que a Sabesp tem um bom histórico de dívidas e facilidade para se financiar, tanto com bancos brasileiros como com estrangeiros.

 

Em uma avaliação geral sobre os projetos, engenheiros de água afirmam que o ideal seria que tivesse sido executado um plano global anteriormente. Eles também fazem algumas críticas pontuais sobre os projetos em desenvolvimento.

 

Em relação aos 29 reservatórios, por exemplo, os especialistas destacam que não adicionam capacidade de produção de água. "Algumas regiões têm problemas de abastecimento por falta de estrutura de distribuição. São reservatórios diários, que servem para corrigir o problema e não para trazer uma segurança adicional à Região Metropolitana de São Paulo", explicou o professor da Escola Politécnica da USP, especialista em reúso de água, José Carlos Mierzwa.

 

O professor questiona a escolha dos projetos feitos pela empresa e defende que existiriam outras alternativas com maior custo benefício. A conta é simples: com o valor investido na PPP de São Lourenço para adicionar 4,7 m3 /s de produção de água seria possível tratar 15 m3 /s de água para reúso, segundo cálculos de especialistas do setor.

 

Ivanildo Hespanhol, também professor da Poli/USP, considera que investimentos em adutoras e tubulações não deveriam estar entre as primeiras opções, por serem uma solução mais cara e antiquada. Ele sugere, por exemplo, cinco novas estações de reúso em São Paulo, que poderiam acrescentar entre 7 m3 /s e 12 m3 /s de água reutilizada à região. Especialistas também defendem que um planejamento de longo prazo precisa ter mais foco no tratamento de esgoto. "A abordagem tem de ser integrada. Só pensar em aumentar oferta de água, só trazer mais água, não é sustentável, é o que fizemos até hoje e por isso estamos nessa situação", criticou Mierzwa. Hespanhol concorda e ressalta que a cada 100 m3 /s de água produzida, são gerados 80 m3 /s de esgoto.

 

Na avaliação do professor Rubem Porto, especialista em hidrologia da Poli/USP, esses projetos são importantes para lidar com a crise hídrica atual e é preciso pensar o abastecimento de água em várias frentes. O reúso de água, diz, é importante e deve se tornar uma tendência conforme o custo do tratamento for barateado. Para ele, trazer água de outras regiões, no entanto, é necessário. "As bacias locais não têm condição de produzir para a população que temos aqui." A Sabesp não comentou os projetos por meio de um porta-voz. Procurada, a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos não disponibilizou porta-voz para falar sobre o assunto por estar em período de transição. O novo secretário, Benedito Braga, assumirá em janeiro, e o atual, Mauro Arce, não vai dar entrevista, segundo a assessoria de imprensa. Procurado também na USP, onde é professor, Benedito Braga não foi encontrado para conceder entrevista.

 

Setor exige planejamento de longo prazo

 

 

Para evitar futuras crises hídricas como a atual, são necessários não apenas projetos mais imediatos, mas também obras que garantam o abastecimento por décadas. Especialistas defendem que sejam desenvolvidos planos de longo prazo, assim como foi pensado o Cantareira no início dos anos 1970.

Nos próximos anos, a demanda por água vai ter crescimento expressivo. A macrometrópole paulista, que tinha 30,8 milhões de habitantes em 2008, passará a 34 milhões em 2018, e chegará a 37 milhões em 2035, na estimativa do Plano Diretor de Aproveitamento de Recursos Hídricos para a Macrometrópole Paulista. Isso deve gerar uma necessidade adicional de água da ordem de 60 m3 /s nos próximos 20 anos, considerando os usos urbano, irrigação e industrial.

"Com a atual demanda de 222,96 m3 /s [em 2008] já existem problemas esparsos de escassez hídrica. Em 2035, se nada for realizado para o controle da demanda e oferta hídrica, o incremento de 60,11 m3 /s causará maior escassez do que as verificadas até agora", afirma o plano diretor.

Nos últimos meses, a crise fez com que diversos projetos de grande porte ganhassem espaço nas discussões, principalmente como alternativas para o fim da dependência dos sistemas de água atuais. Entre eles, os mais citados são o uso de águas subterrâneas, o bombeamento ou o transporte de água de rios e represas ainda mais distantes até a Região Metropolitana de São Paulo e a ampliação do Sistema São Lourenço.

O professor Rubem Porto, especialista em hidrologia da Poli/USP, destaca três projetos que ele considera "estruturantes". O primeiro seria trazer para São Paulo até 30 m3 /s de vazão do rio Juquiá, no Vale do Ribeira. Uma possibilidade é buscar a água que já foi usada para geração de energia pela Votorantim Metais (VM). A empresa tem até 2016 concessão para o uso de 16 m3 /s de água para abastecer sua operação de alumínio. O maior desafio seria o bombeamento de água capaz de vencer um desnível de cerca de 750 metros até São Paulo, o que encarece o projeto.

Outra opção, também envolvendo o rio Juquiá, seria a ampliação do Sistema São Lourenço para um uso de mais 16 m3 /s. Neste caso, o uso de água pela VM para a geração de energia ficaria impossibilitado. A Votorantim afirmou ao Valor que tem interesse em renovar a concessão e já fez uma solicitação formal para isso no prazo regulamentar, em 15 de outubro de 2012, conforme determinação do órgão regulador.

Segundo a empresa, ainda não há nenhuma negociação com a Sabesp em relação à vazão dessa água. Questionada se realizou pedido de autorização para usar mais 16 m3 /s do Rio Juquiá, Sabesp disse que "desconhece o pedido".

Também considerado um potencial projeto estruturante, Porto cita o transporte de água da represa Jurumirim até as proximidades da região metropolitana da capital paulista por canais, túneis e adutoras. A vazão poderia chegar a 60 m3 /s. Essa água poderia abastecer também Sorocaba e Campinas e outras cidades da região.

Os reservatórios Jaguari e Paraibuna, no Vale do Paraíba, também são considerados estratégicos para o futuro, na visão de especialistas. Segundo essa ideia, a interligação entre a Bacia do Paraíba do Sul e o Cantareira, que já está sendo negociada, ficaria restrita a 5,13 m3 /s. Apesar de estarem discutindo o uso desse volume, os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais já concordam que não se deve extrapolar o projeto, de forma a manter o restante da água dos reservatórios como uma reserva para o longo prazo.

Também ganhou força nos últimos meses a possibilidade de uso de águas subterrâneas, principalmente do aquífero Guarani. Segundo a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos, o projeto deverá atender os municípios da região noroeste do rio Piracicaba, "mas ainda necessita de estudos de viabilidade". Em 2004, um estudo feito pela Sabesp analisou possibilidades de se aproveitar até 5 m3 /s do aquífero para o abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo e da Região Metropolitana de Campinas.