O rublo está despencando num momento de pessimismo em relação aos mercados emergentes. Ao mesmo tempo, o dólar e os títulos do Tesouro americano estão subindo enquanto os preços do petróleo e outras commodities são pressionados para baixo. Tudo isso está acontecendo no contexto de uma expansão da economia e de uma alta das bolsas dos Estados Unidos que já duram seis anos, embora o período tenha sido marcado por episódios de volatilidade.
Estamos falando do presente, mas, como escreve David Rosenberg, economista e estrategista-chefe da gestora de recursos Gluskin Sheff, poderíamos muito bem estar descrevendo o que ocorreu em meados de 1998. O clímax naquele ano foi o colapso do gigantesco Long-Term Capital Management, um fundo de investimento altamente alavancado que apostou — de forma incrivelmente equivocada — que os mercados globais de crédito não seriam abalados.
Voltando aos acontecimentos da época, a desvalorização da moeda tailandesa, o baht, em meados de 1997, foi o sopro que acabou provocando um furacão que se espalhou por toda a Ásia.
O capital havia fluído para a região em busca de retornos mais altos (soa familiar?). Taxas de câmbio fixas pareciam eliminar os riscos cambiais tanto para bancos quanto para os que tomavam empréstimos. Mas o sistema acabou desmoronando e provocando prejuízos imensos para especuladores como o LTCM.
O contágio da crise chegou à Rússia em 1998. Depois da crise do rublo naquele ano, o governo da Rússia não só entrou em moratória no pagamento de seus títulos, como também anunciou que as empresas do país também não pagariam suas dívidas. Os bancos ocidentais ficaram na mão e por anos a Rússia foi considerada um pária nos mercados internacionais de crédito.
Apesar das turbulências que abalaram os mercados financeiros em 1997 e 1998, Rosenberg relembra os leitores da sua análise diária que a economia americana registrou, na época, um crescimento real médio de mais de 4% ao ano, enquanto a taxa de desemprego caiu de cerca de 5,5% para 4%. E apesar da ansiedade do mercado acionário, o índice Standard & Poor’s 500 saltou mais de 40% durante todo o período. A alta das ações não foi sustentada pelos lucros das empresas, observa ele, mas sim por um crescimento de três pontos na relação preço/lucro, fruto da reavaliação dos ativos das empresas nos EUA em vista da valorização do dólar e da queda nos juros.
Embora os mercados oscilassem, a economia americana se beneficiou de três fatores positivos: o combustível mais barato aumentou o poder de consumo das pessoas, o dólar mais forte alavancou as margens de lucros dos importadores e ajudou o Federal Reserve (o banco central americano) a evitar um aperto monetário, e os juros menores reduziram as taxas de hipotecas e impulsionaram a compra de imóveis.
No meu entender, o terceiro foi o efeito mais salutar da crise de 1997 e 1998.
Embora a economia americana estivesse relativamente forte, o Fed relaxou sua política monetária no segundo semestre de 1998 em resposta às turbulências nos mercados de crédito provocada pelo colapso do LTCM.
Além disso, grande parte do efeito dos cortes de juros do Fed foi canalizada para o mercado de hipotecas pelas enormes instituições apoiadas pelo governo: Fannie MaeFNMA +0.93% e Freddie Mac. FMCC +0.71% Isso significou condições mais vantajosas para potenciais compradores de imóveis e proprietários que puderam refinanciar suas hipotecas e reduzir o valor das prestações.
Mas desta vez as coisas são realmente diferentes.
Em primeiro lugar, a alavancagem no sistema financeiro, principalmente de fundos de hedge agressivos, é provavelmente bem menor hoje. Isso se deve tanto à crise financeira de 2008 e 2009 quanto a uma probidade maior dos participantes do mercado.
No que diz respeito às políticas monetárias, o cenário agora também é bem diferente.
Seis anos após ter cortado sua taxa básica de juros virtualmente a zero, no auge da crise financeira, o Fed pode ter sinalizado o início de uma volta à normalidade. Na quarta-feira, o BC retirou do seu comunicado de política monetária a afirmação de que pretende manter os juros baixos “por um tempo considerável”.
O Fed simplesmente não tem mais espaço para reduzir os juros. E, tendo encerrado em outubro o seu programa de compra de ativos — que mais do que quadruplicou seu balanço — não vai querer voltar às compras tão cedo.
Enquanto a isso, os juros das hipotecas caíram a mínimos quase históricos, chegando a menos de 4% ao ano nos empréstimos de baixo risco de 30 anos, mas as solicitações de hipotecas recuaram nos últimos 12 meses. Também não está fácil se qualificar para uma hipoteca nos EUA, uma vez que os compradores têm que dar entradas muito maiores e exibir um histórico de crédito imaculado.
Por último, a queda atual dos preços do petróleo é diferente das anteriores. Embora o combustível mais barato ainda beneficie os consumidores, o efeito será parcialmente compensado pela desaceleração do boom do petróleo de xisto nos EUA e a provável quebra de algumas petrolíferas mais alavancadas. Assim, a queda no custo da energia pode até gerar um benefício líquido, mas não sem algumas desvantagens.
Talvez o mais importante legado da crise de 1998 nos mercados emergentes tenha sido a solidificação do que ficou conhecido como “Greenspan put” — a opção (ou “put”) que o Fed tem de cortar juros ou relaxar sua política monetária em resposta a turbulências no mercado financeiro. O recurso, que recebeu o nome do então presidente do Fed, Alan Greenspan, foi empregado pela primeira vez durante o colapso das bolsas em 1987, no início do seu mandato. Isso poderia ter sido um evento único até que, 11 anos depois, o LTCM quebrou.
Depois disso, os mercados passaram a esperar que o Fed intervenha quando há turbulências, como após o estouro da bolha da internet, em 2001.
O nome mudou para “Bernanke put” e agora “Yellen put” em homenagem aos sucessores de Greenspan. De fato, o Fed de Bernanke reagiu agressivamente à crise de 2008 ao trazer os juros a zero e sustentar o sistema financeiro com uma miríade de instrumentos. A resposta inicial, inclusive a primeira rodada de compras de títulos de dívida — o chamado relaxamento quantitativo ou QE —, foi consistente com a função tradicional dos bancos centrais de atuar como uma fonte de crédito de emergência durante uma crise bancária.
Mais tarde, em novembro de 2012, Bernanke justificou o segundo programa de compra de ativos, o QE2, como um meio de impulsionar o preço dos ativos e estimular a economia. Desde então, o crédito, o câmbio e as bolsas têm andado a reboque dos bancos centrais. Talvez seja este o verdadeiro legado da crise de 1998.
(Colaborou Alan Cullison.)
Randall W. Forsyth é editor associado do semanário Barron’s