A presidente da Petrobras, Graça Foster, poderá ser convocada a prestar depoimento aos investigadores da força-tarefa da operação Lava-Jato, da Polícia Federal, que apura conluio entre empreiteiras, políticos e funcionários da estatal para desviar bilhões de reais da companhia.

O Valor apurou que Graça ainda não figura como investigada no caso. No entanto, o longo depoimento de quase cinco horas prestado pela ex-gerente Venina Velosa da Fonseca, na sexta-feira, aos procuradores da República revelou fatos que serão apurados em novos inquéritos policiais. A presidente da Petrobras deve ser chamada não somente na condição de testemunha, mas para prestar esclarecimentos a respeito das irregularidades na estatal.

A ex-gerente denunciou internamente por cinco anos diversos problemas em contratos, licitações e práticas da Petrobras. Acabou transferida para o escritório da estatal em Cingapura e, em 19 de novembro deste ano, foi destituída de suas funções.

Na sexta-feira, acompanhada de seu advogado Ubiratan Mattos, Venina entregou documentos e um computador aos responsáveis pelas investigações da operação Lava-Jato. Os e-mails em que Venina fez alertas de irregularidades para Graça Foster e para José Carlos Cosenza, o diretor que preside a comissão de apuração de irregularidades dentro da Petrobras, já estão em poder da força-tarefa, assim como os documentos internos da Petrobras. Com base nessas informações, Cosenza também deve ser chamado a prestar esclarecimentos.

A força-tarefa recebeu informações a respeito de três esquemas de desvio de dinheiro denunciados pela geóloga.

O primeiro esquema envolve desvios na área de comunicação da Diretoria de Abastecimento e foi descoberto por Venina entre 2008 e 2009. Na época, ela era subordinada ao então diretor Paulo Roberto Costa, um dos mentores do esquema de corrupção e seu delator. Ao se queixar com Costa sobre uma série de contratos em que os serviços simplesmente não estavam sendo prestados, Venina alega que viu o então diretor apontar o dedo para o retrato do presidente Lula e perguntar se ela estava "querendo derrubar todo mundo".

O esquema na área de comunicação envolveu supostamente o desvio de verbas para o PT da Bahia, grupo político do então presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli.

Em 3 de abril de 2009, Venina enviou e-mail pedindo ajuda a Graça Foster, então diretora de Gás e Energia, para concluir um texto sobre as descobertas que fez sobre desvios milionários na área de comunicação. A mensagem foi enviada às 3h50 daquele dia. Na mesma data, a comissão interna da estatal concluiu que houve os desvios. Graça, entretanto, não respondeu à mensagem da gerente.

Ao todo, os desvios na área de comunicação do Abastecimento retiraram mais de R$ 58 milhões da Petrobras para serviços que não foram prestados. A estatal informou, em nota, que demitiu o funcionário supostamente responsável pelos desvios - Geovanne de Morais. No entanto, como ele estava sob licença médica, a estatal manteve-o no cargo por mais quatro anos. Ao verificar que Geovanne não foi demitido, Venina obteve parecer jurídico determinando o desligamento do funcionário, mesmo sob licença médica. Ela encaminhou o parecer aos superiores, pois achava absurdo que o funcionário acusado de desvios continuasse sob a folha de pagamento da estatal. Geovanne, porém, não foi desligado de imediato. Passaram-se quatro anos para que ele fosse demitido, informação atestada em nota da própria Petrobras.

A força-tarefa também recebeu documentos a respeito da elevação de custos na refinaria Abreu e Lima, que subiu de US$ 4 bilhões para mais de US$ 18 bilhões. As informações mostram que a terceira fase das obras só foi autorizada um mês após a saída de Venina da área de Abastecimento, em outubro de 2009. Antes de deixar o cargo na diretoria de Paulo Roberto Costa, a geóloga encaminhou notas, e-mails e documentos alertando para a escalada de preços da refinaria.

Um documento interno da Petrobras mostra que Venina fez, a pedido de Paulo Roberto, um plano de antecipação das obras da refinaria, em 8 de março de 2007. Na ocasião, ela deixou claro que o plano envolvia aumento de custos da ordem de US$ 328,7 milhões, para fazer com que a refinaria começasse a funcionar antes da data prevista, conforme pedido do diretor. Venina reitera que o plano foi submetido "à consideração de V. Sa. (Paulo Roberto)" para que, se estivesse de acordo, fosse submetido à diretoria. O plano foi levado à diretoria e, em seguida, ao Conselho de Administração, presidido na época pela então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Por fim, os procuradores da República obtiveram documentos a respeito de desvios feitos por negociadores de combustível de navio em unidades da Petrobras no exterior. Mais de mil comunicações entre "traders" de combustível com "fortes evidências" de desvios foram recebidas pelo Ministério Público.

Venina depôs em Curitiba, na sexta-feira, sob proteção policial. Ela também deve ser ouvida pelo juiz Sérgio Moro, que conduz os autos da Lava-Jato na capital paranaense.

Procurados pelo Valor após o depoimento, Venina e seu advogado preferiram não fazer comentários sobre o testemunho.

 

Escritório tem grandes empresas como clientes

 

Ubiratan Mattos, advogado que faz a defesa da geóloga Venina Velosa da Fonseca, que denunciou por cinco anos irregularidades na Petrobras, é sócio de uma banca de São Paulo que possui grandes empresas em sua carteira de clientes e já conduziu causas de empreiteiras que, hoje, estão envolvidas na Lava-Jato - o escritório Mattos Muriel Kestener Advogados.

"Nossa decisão de representar Venina levou em conta não somente a situação difícil em que ela se encontra, mas também a nossa indignação quanto ao que está ocorrendo no país", explicou Ubiratan ao Valor.

O escritório, que conta com 150 profissionais, atua no direito empresarial e fez muitos casos na área de compliance, antes mesmo da promulgação da Lei Anticorrupção, em janeiro deste ano. Ubiratan já foi presidente do Instituto Brasileiro de Relações de Concorrência e Consumo (Ibracc), entidade que reúne os principais advogados das companhias bilionárias que enfrentam processos no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Ele conta que quando Venina o procurou viu logo que não se tratava de uma causa cujo objetivo seria o retorno financeiro. "Evidentemente que o que está em jogo não são honorários altos, mas os valores éticos que devem pautar a atividade empresarial", disse. "Nesse caso, nos solidarizamos com a parte mais vulnerável. Decidimos que a primeira medida a tomar é garantir o emprego dela na Petrobras."

A banca não está atuando de graça, mas combinou com a geóloga um valor "que coubesse em seu orçamento". "Fizemos uma reunião de sócios para avaliação do caso e seu potencial conflito com a defesa de outros clientes", revelou o sócio Marcelo Muriel. "Concluímos não haver nenhuma incompatibilidade, já que a Venina tem contra si a alta direção da Petrobras, e não as empresas. Além disso, ela está do lado da ética e da transparência, valores que estão no nosso DNA e com os quais nossos clientes se identificam e exercitam no dia a dia, com a nossa ajuda", completou.

 

JBS fez depósitos em contas do esquema

 

A JBS, maior processadora de carne bovina do mundo e conhecida pela marca Friboi, creditou R$ 800 mil em duas contas correntes de uma empresa fantasma investigada pela operação Lava-Jato. Segundo a Polícia Federal (PF), a conta está em nome de um laranja usado por doleiros como Carlos Habib Chater, condenado pela Justiça Federal a cinco anos e seis meses de prisão por lavagem de dinheiro e envolvimento com o tráfico internacional de drogas.

Preso preventivamente desde 17 de março, Chater integrava o esquema financeiro paralelo de Alberto Youssef. Pivô da Lava-Jato, Youssef é acusado de usar empresas fictícias para simular contratos com empreiteiras e desviar recursos da Petrobras.

A JBS fez quatro depósitos de R$ 200 mil em duas contas correntes da empresa Gilson M. Ferreira Transportes ME, totalizando R$ 800 mil.

Segundo análise da perícia da Polícia Federal, quatro contas em nome da empresa fantasma movimentaram R$ 58,8 milhões entre créditos e débitos somente no período de 2012 a 2013.

A PF descobriu que a suposta transportadora com endereço informado em São José dos Pinhais (PR) não existe: "Nas diligências realizadas no local indicado como sede da empresa, agentes do núcleo de operações não lograram êxito em localizar qualquer empreendimento comercial na área (...) A rua não tem sequer pavimentação".

A empresa - aberta em 29 de julho de 2011 e que consta como ativa no cadastro da Junta Comercial da cidade paranaense - tem como sócio responsável Gilson Mar Ferreira, que, segundo agentes federais, vive na periferia da cidade, à beira de um córrego conhecido como Rio Pequeno. "Trata-se de um imóvel simples, situado numa comunidade carente, às margens do rio que dá nome ao bairro da periferia da cidade", relata o inquérito policial.

As contas da empresa de Gilson Ferreira também foram destinatárias de três transferências, totalizando R$ 355,2 mil, que partiram do Posto da Torre, de propriedade de Carlos Habib Chater. Localizado em Brasília, o posto de gasolina contava com uma casa de câmbio ilegal. Segundo a investigação da PF, o posto operava como uma espécie de entreposto de entrega de dinheiro vivo, que era enviado por doleiros a políticos.

Também réu por lavagem de dinheiro, o gerente do Posto da Torre, Ediel Viana da Silva, disse que "[os políticos] não iam pessoalmente ao posto. Eram terceiros e muita gente retirava dinheiro".

Braço direito de Chater e delator do esquema criminoso, Silva contou em depoimento à Justiça Federal do Paraná que João Claudio Genu, ex-chefe de gabinete da liderança do PP na Câmara e condenado no mensalão, e o ex-deputado federal Pedro Corrêa (PP-PE), cassado por envolvimento no mensalão, frequentavam o Posto da Torre. Genu supostamente usava serviços de uma pessoa identificada apenas como Lucas para fazer retiradas do dinheiro encaminhado por Youssef.

O Grupo JBS doou legalmente R$ 352 milhões a candidatos a presidente, senador e deputado nas eleições de 2014. Foram R$ 73,3 milhões repassados à campanha para reeleição da presidente Dilma Roussef (PT). Para a campanha presidencial do tucano Aécio Neves (MG) foram destinados R$ 48 milhões.

Procurada na sexta-feira, a JBS informou por meio de sua assessoria de imprensa que só deve se manifestar sobre o caso hoje. "A empresa tentou obter os dados necessários para um posicionamento, mas, por se tratar de um final de semana e em especial véspera de Natal, não foi possível apurar os fatos alegados na reportagem", afirmou a assessoria da empresa, por e-mail.

 

ajbs