Após uma década de bonança econômica por causa dos altos preços do gás, a Bolívia já se prepara para um período de vacas magras. O principal produto de exportação do país tem o preço atrelado ao petróleo, commodity em franco declínio devido à sobreoferta no mercado internacional.

“[A crise] vai nos afetar. Agora vamos ver se somos uma revolução ou não”, disse o presidente Evo Morales na semana passada. “Quando temos grana, somos todos felizes e contentes. Mas precisamos estar preparados para a crise.”

Desde o início do governo Morales, em 2006, as exportações de gás natural somaram cerca de US$ 30 bilhões, valor equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) do país. Brasil e Argentina são os únicos clientes externos do produto. De janeiro a outubro, as exportações bolivianas para o Mercosul foram de US$ 5,5 bilhões, sendo que o gás representou 92% do total.

Morales estatizou o setor em 2006, gerando mal-estar com o Brasil por causa da ocupação de ativos da Petrobras no país. Mas, com a maior parte da receita do gás nas mãos do Estado e com os preços nas alturas, ele conseguiu utilizar os recursos para melhorar os indicadores sociais e a sensação de bem-estar da população.

Durante a gestão Morales, o PIB boliviano cresceu sempre acima de 4% ao ano – exceção feita a 2009, em meio à crise financeira global, quando a alta foi de 3,4%. No ano passado, a economia da Bolívia foi uma das que mais cresceram na América Latina. Com os reservatórios das hidrelétricas vazios, o Brasil importou as quantidades máximas de gás previstas em contrato com o país vizinho, puxando uma alta de 6,78% no PIB boliviano. Neste ano, o fenômeno se repetiu, e o crescimento deve ficar em torno de 5%.

Para 2015, entretanto, o cenário é diferente. O economista Mauricio Medinaceli, ex-ministro de Hidrocarbonetos, estima que o país pode perder US$ 1,3 bilhão em receita com exportações caso o petróleo se mantenha em cerca de US$ 60 o barril. Levando-se em conta os reflexos em outros setores da economia, ele estima impacto negativo de até 4,1 pontos percentuais no PIB para 2015.

O Departamento de Santa Cruz, onde se encontra a maior parte das jazidas do gás bolivianas, estima que esse efeito multiplicador pode gerar perdas de US$ 3,9 bilhões para a economia boliviana no ano que vem.

“A queda nos preços do petróleo é uma agressão econômica do império, essencialmente contra a Venezuela e a Rússia”, disse Morales, numa óbvia referência aos EUA e à sua “revolução do gás de xisto”.

Analistas, porém, afirmam que a Bolívia está mais bem preparada para o fim do boom petroleiro do que a Venezuela, dependente em 96% das exportações de petróleo e cuja economia está à beira do caos. Diferentemente dos chavistas venezuelanos, Morales adotou uma política macroeconômica ortodoxa e manteve as contas do país em ordem, apesar do aumento dos gastos sociais. Até 2013, o país tinha superávit fiscal, que se reverteu em um pequeno déficit neste ano. As reservas internacionais, de US$ 12 bilhões, são significativas diante do tamanho do PIB do país.

“A Bolívia pode suportar pelo menos dois anos de preços baixos, pois tem um bom colchão financeiro”, diz o economista boliviano Gonzalo Chávez. “O problema maior será no longo prazo.”

O analista Bernardo Prado, do site HidrocarbursBolivia, também não crê em queda dramática do crescimento no curto prazo. E nota que os preços dos combustíveis que compõem a cesta que fixa o valor do gás vendido ao Brasil não caíram tanto quanto o petróleo.

O preço do gás vendido ao Brasil obedece a uma fórmula que leva em conta a cotação de combustíveis derivados de petróleo negociados no porto de Roterdã, Holanda, no Mediterrâneo e no Golfo do México. Reajustado a cada três meses, inevitavelmente acaba refletindo em maior ou menor escala a variação do preço do petróleo no trimestre anterior.

O analista brasileiro Ricardo Pinto crê que já a partir de janeiro o Brasil pagará um valor mais baixo pelo gás boliviano. Os ganhos, porém, serão limitados pela alta do dólar em relação ao real.