"Morram de inveja, eu sou prefeito do Rio e vocês não", disse o prefeito do Rio Eduardo Paes (PMDB-RJ) ao encerrar entrevista de uma hora em seu gabinete na prefeitura, no início da manhã de quinta-feira. À vontade no cargo, para o qual foi eleito com dificuldade em 2008 e reeleito no primeiro turno quatro anos depois, Paes administra atualmente um orçamento de R$ 18 bilhões em investimentos para a Olimpíada de 2016, o que inclui as três maiores parcerias público-privadas (PPPs) em curso no país. Representa 58% do pacote total de obras públicas para o evento, que soma R$ 31 bilhões (outros R$ 6 bilhões são aplicados diretamente pelos organizadores das competições, custeados por patrocínio privado).

O prefeito já avisa que não se aposenta da política no fim de seu mandato, seis meses após o evento. Se coloca como "candidato natural" ao governo estadual em 2018, mas procura ser protagonista na cena nacional: defende candidatura própria do partido à presidência, cobra da presidente Dilma Rousseff gestos para reunificar o PMDB na base governista e tenta se colocar no debate sobre a reforma política. A seguir trechos da entrevista:

Valor: Como o senhor está vendo este fim de primeiro mandato presidencial?

Eduardo Paes: Eu falei para a presidente Dilma Rousseff: não acredite nessa história de país dividido. Eu vivi muito isso na minha primeira eleição, em 2008, quando enfrentei no segundo turno o Fernando Gabeira. Quando se ganha apertado, a sensação que um político que ganha tem é a de que vai matar todo mundo que não votou nele. Em 2008 pintaram em mim um personagem que eu nunca fui. As elites do Rio me massacraram no Ipanema e no Leblon. Mais de 80% votou no Gabeira. Pode ter sido contra o governador, mas o personagem era eu. Até de desonesto me chamaram e esse é muito o caso da Dilma. Ninguém que acompanhe o processo (da Operação Lava Jato) diverge de que a Dilma é uma pessoa íntegra. Eu encarei isso como uma necessidade de se trabalhar com a sociedade inteira. E deu certo. A lógica dela deve ser a de entender que é presidente do Brasil.

Valor: Mas o que aconteceu desde outubro em relação ao PMDB foi um veto formal do PT à candidatura de Eduardo Cunha à presidência da Câmara.

Paes: No dia seguinte da eleição, ainda no calor da refrega, é natural que seja assim. Mas cabe a ela agora este equilíbrio para a unidade mínima.

Valor: O governo está precisando de ajuda?

Paes: Eu não falei isso. Qualquer governo precisa de ajuda. O que eu tenho defendido nas poucas conversas que eu tive com a presidente Dilma depois da eleição dela é que agora é hora de olhar para frente. A gente sabe que no PMDB tem um monte de forças que caminhou com o Aécio. A gente tem o Michel Temer, que deu a posição oficial, mas no dia seguinte a gente sabe que não foi aquela marcha unida em torno da Dilma. O PMDB tem uma posição muito confortável. Ela deve deletar da alma, do coração, da cabeça dela, aqui no Rio o movimento do Aezão [apoio ao candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves, e ao candidato do PMDB ao governo do Rio, Luiz Fernando Pezão, aliado do governo Dilma]. A maior bancada do PMDB é aqui no Rio. Vamos ficar olhando para trás?

Valor: O senhor acha que ela já deletou?

Paes: Não sei, não tenho condições de dizer, mas este é o caminho adequado para as necessidades que o governo tem de apoio no Congresso e para as dificuldades do Brasil.

Valor: Ela deveria então não ceder à tentação de enfrentar Eduardo Cunha para a presidência da Câmara?

Paes: Não, não é isso. Inclusive a posição dele foi equidistante no processo eleitoral. O que eu digo é o seguinte: eleições, principalmente nas condições em que esta foi disputada, trazem fraturas. Trago aqui um caso concreto: o PMDB apoiou formalmente a candidatura da Dilma, mas não esteve todo com ela. Aqui no Rio uma parte importante do partido fez um movimento de apoio ao Aécio e ao Pezão. Vários deles estiveram ao lado de Aécio e o PMDB está na base da Dilma. Se ficar olhando para trás é ruim. Eu acho que tem que deletar esta questão de quem apoiou o Aécio e tratar de olhar assim: por que cargas d'água este sujeito não me apoiou? E aí resolver. O governo precisa montar maioria em uma base superfragmentada e um jogo político muito mais difícil do que era no passado.

Valor: O ministério que ela está armando para o segundo mandato não é um ministério tucano, com o Joaquim Levy na Fazenda?

Paes: É o ministério da boa política econômica.

"Ela [Dilma] deve deletar da alma, do coração, da cabeça dela, aqui no Rio o movimento do Aezão"

Valor: O senhor, como um ex-tucano, considera adequada a linha de oposição que vem sendo adotada pelo partido?

Paes: O PSDB precisa ser de oposição mesmo. Mas é possível estabelecer algumas agendas comuns. Precisa de alguns consensos, como foi no passado. Vamos caminhar para a estabilidade, caminhar para alguns itens de reforma política. Dado o fato que o PSDB esteve no poder, que o PT está no poder, que o PMDB sempre esteve no poder e cumpre um determinado papel, importante com todas as características do PMDB, por que não pactuar determinados itens da agenda brasileira? Destravar a burocracia, o caminho do desenvolvimento, medidas de combate à corrupção. Nos outros itens, cabe ao PSDB ser oposição.

Valor: O senhor acha que o PMDB tem que ter candidatura presidencial própria?

Paes: Não tenho a menor dúvida disso. Se você tem a eleição em dois turnos, por que não? Claro que eu, por exemplo, em 2016, vou procurar ter todos os partidos possíveis em torno da minha candidatura. Mas para um partido se afirmar é importante.

Valor: Sua candidatura será a quê em 2016?

Paes: Eu nem posso ser candidato...

Valor: E 2018?

Paes: Nunca escondi minha vontade de ser prefeito da cidade do Rio. Adoro o que estou fazendo. Penso em terminar bem e é natural que o passo seguinte seja o governo do Estado, mas não é algo que dirija minhas ações. Minha preocupação é com a eleição de 2016, para a qual já apresentei o nome do deputado Pedro Paulo.

Valor: O que corre por aí é que seu nome está sendo ventilado para a eleição presidencial de 2018.

Paes: Eu ouço isso também. Se você for olhar, o governador de São Paulo e do Rio e os prefeitos das capitais destes Estados sempre acabam tendo muita projeção natural.

Valor: No caso do PMDB, quem seria?

Paes: Não tem que definir o nome agora.

Valor: Mas aqui no Rio as definições são sempre muito prematuras.

Paes: Mas no nível nacional, você vê que tirando o [ex-presidente Luiz Inácio] Lula [da Silva, do PT], que correu atrás, os demais nomes surgiram mais adiante como o da Dilma e do [ex-presidente] Fernando Henrique [Cardoso, do PSDB]. Acho que o PMDB tem que ter candidato, a premissa é essa. O PMDB cumpre um papel, é bom que ele crie freios para determinados movimentos.

Valor: Que freios para determinados momentos?

Paes: Se o PMDB não tivesse colocado freios, será que o Fernando Henrique não teria privatizado o Banco do Brasil? E o PMDB não dá uma trava na pressão de setores do PT pelo controle da mídia, embora eu sinta que a Dilma não tem essa posição? Então o PMDB está sempre cumprindo um papel importante nesse jogo da política. As pessoas sempre acham que o PMDB está lá mamando nas tetas, mas sempre faz parte do jogo político.

Valor: Ela está oferecendo ministério para vocês? O do Esporte, por exemplo.

Paes: Não. O PMDB tem lá sua participação no governo, mas não é um pleito meu e do Pezão fazermos um ministro. Não é uma agenda nossa, e muito menos com o Ministério do Esporte. Acho que deve permanecer o Aldo Rebelo. Uma prova de que ele é um cara habilidoso é que ele tinha cinco deputados e foi presidente da Câmara.

Valor: Não seria importante para a Olimpíada?

Paes: A Olimpíada não começa em 2016, começa em 2015. A partir de agosto vou entregar dois estádios por mês até maio. Não tem mais tempo para um sujeito se inteirar da história. Mesmo que o Aldo não tivesse as habilidades que ele tem, não dá para chegar alguém com invencionice. Não dá para ser ousado neste tema. Os governos estão colocando R$ 30 bilhões, sendo R$ 24 bilhões de legado. Quase 45% é dinheiro privado. Nunca na história teve tanto dinheiro privado em Olimpíada e está tudo no prazo. Estou neste momento construindo 20 estádios e dois parques olímpicos. Olimpíada e Copa do Mundo não é só evento, é uma decisão geopolítica.

Valor: Qual o legado que teve a Copa do Mundo?

Paes: Eu acho que brasileiro continua fazendo festa muito bem. Eu não acho um bom exemplo, porque organizar a festa é uma coisa que a gente já sabia. O bom legado é intangível, é mostrar que o país tem capacidade de fazer as coisas no tempo e no custo. É a hora de mostrar que a gente faz as coisas. Fazer o Réveillon no Rio é mais difícil do que fazer a Copa. A Copa foi quase um feriado para mim. A Olimpíada não. O que nos levou a ganhar uma Olimpíada não foram as nossas qualidades, mas os nossos defeitos. O nosso ativo eram os nossos defeitos, as nossas deficiências, porque aqui no Brasil a Olimpíada é transformadora, é impulsionadora de iniciativas interessantes.

Valor: Mas qual é o grande legado?

Paes: Se as coisas fossem estéticas, olhariam para a parte turística da cidade. Não tem nenhuma obra de volume nesta área. Todas as intervenções são nas áreas pobres do Rio. O Rio, por um misto de incompetência dos governos e interesse da indústria imobiliária, foge de seus problemas. O retorno para o centro é o fim dessa fuga. E isso permite que o custo de mobilidade seja menor. Sabe o que vai ter de Olimpíada no centro do Rio? Absolutamente nada. Mas eu usei a Olimpíada para animar a festa em várias áreas da cidade. Você acha que a Transcarioca, um BRT de 40 quilômetros que corta o subúrbio, será usado por atletas ou turistas? A gente usou a Olimpíada para tirar da gaveta projetos guardados há muito tempo.

Valor: Como está o projeto que institui o IPTU progressivo?

Paes: Estou tentando aprovar na Câmara. Quem deixar a loja fechada o IPTU vai para lua. Vou começar o ano legislativo jogando muito pesado nisso. Em Paris, eles desapropriam, compram o imóvel e alugam.

Valor: Vai fazer isso aqui? Aumenta depois de quanto tempo?

Paes: Não tem isso no detalhe. Tem ajustes a fazer no projeto. Tem um projeto lá, mas mandei em outro momento. Vou reformular, provavelmente fazer um substitutivo. Vai valer para a cidade toda. O IPTU progressivo é um instrumento de política urbana.

Valor: O senhor administra um gigantesco orçamento de investimento no Brasil. Olimpíada é quase tudo?

Paes: Em oito anos, serão R$ 37 bilhões em investimentos. Nisso está incluído a programação da Olimpíada. Mas boa parte dos investimentos do legado da Olimpíada, não tem nada a ver com a Olimpíada. Dos R$ 31 bilhões, a prefeitura entrou com R$ 18 bilhões, o Estado entrou com R$ 10 bilhões e a União com R$ 3 bilhões. A maior parte da conta a prefeitura que viabilizou. A maior parte é dinheiro privado. Eu tenho a maior PPP do Brasil que é o Porto Maravilha, a segunda maior, que é o PAC Olímpico e a terceira maior, que é o BRT Centro. E a maior concessão, que é a Via Olímpico. Você tem concessões maiores apenas em vias já existentes. O Estado é basicamente metrô. Somos hoje o décimo orçamento da União em despesa própria.

"O IPTU de loja fechada vai para lua; em Paris eles desapropriam, compram o imóvel e alugam"

Valor: Com esse escândalo envolvendo a Petrobras e as grandes empreiteiras, os projetos de infraestrutura não podem travar?

Paes: Sem dúvida, os meus e os do Brasil inteiro. Isto não pode ser um argumento para não se punir quem tiver que ser punido, mas o fato é que estas empresas cumprem um papel importante inclusive aqui no Rio. Não tem obra grande no Brasil que não tenha essas empresas. É uma coisa que tem que ser olhada com cuidado.

Valor: E estão olhando com cuidado?

Paes: Neste momento é mais natural que a questão da punição esteja à tona, mas esta é uma questão a ser pensada. Isto impacta no Brasil inteiro. Estas empresas não são mais de engenharia, elas estão nas concessões. São conglomerados. Ninguém está imune às penalidades da lei, mas o papel que estas empresas cumprem não é irrelevante. A OAS, a Queiroz Galvão têm muita coisa aqui. E eu te garanto que não tem pedágio algum. É mentira que acontece em toda parte. Talvez por isso alguns consigam fazer mais obras públicas e entregar mais do que outros.

Valor: As administrações públicas conseguem ter instrumentos de controle que evitem a propina?

Paes: O que acaba com a corrupção é o fim da impunidade. No dia em que ela deixar de existir, cria uma coação. O que o Brasil optou por fazer foi manter a impunidade e aumentar os instrumentos de controle. Que em geral não controlam nada e só aumentam a dificuldade de fazer. Não tem invencionice nisso. As pessoas têm que pagar pelo que fizeram e os instrumentos de controle não podem ser absurdos. Agora, petequeiro na ponta sempre pode ter, mas estes valores que a gente vê são de uma instância superior.

Valor: O Rio não termina sendo o mais afetado pelo escândalo, por ser sede da Petrobras e concentrar investimentos?

Paes: Você tem o impacto direto de um certo congelamento dos investimentos da Petrobras. E você tem um aspecto indireto, que é o fato do Rio ser o lugar onde mais se investe. O volume de investimentos que tem aqui não tem em nenhuma cidade brasileira. Se as empresas pararem... Eu só tenho uma Olimpíada para entregar, o que eu posso fazer? Se todas as empresas viárias do Brasil parecem estar envolvidas, eu tenho que tocar minha vida.

Valor: O que o senhor acha da reforma política?

Paes: Temos uma fidelidade partidária a fórceps e uma contínua formação de partidos que gera um quadro de instabilidade. Isso é uma tendência já há muito tempo. Nos próprios regimes parlamentaristas há uma personalização da política. Por que estou falando isso? Porque quando falam de reforma política há uma tendência de achar o sistema brasileiro muito ruim. E eu não acho o sistema brasileiro ruim. O sistema tem problemas muito mais simples de se resolver do que pode parecer. Por exemplo: partido que não tiver candidato majoritário não irá dispor do tempo de televisão. Você vai ver como acaba com metade dos partidos. Acaba com um ativo, do tempo de televisão, que é a angústia de qualquer governante no momento da reeleição. Eu acho superdemocrático o sistema brasileiro, porque a lista partidária não é feita por donos de cartório. Aí ficam botando o sofá na sala, com esta história de voto distrital ou voto em lista. O Brasil está se tornando o país do sofá na sala.

Valor: O senhor, como todos os prefeitos, terá que administrar aumento de tarifas no próximo ano. Não teme a repetição dos protestos de 2013?

Paes: Uma das muitas histórias equivocadas que se conta no Brasil é sobre o que significou junho de 2013. Falam que foi um protesto pelas péssimas condições de serviços públicos no Brasil. Não é verdade. Não digo que são bons, mas o que você teve em 2013 foram dois fenômenos: o de uma classe média urbana mais jovem que aumentou na favela, que está p... da vida com tanta gente roubando. E do outro lado o surgimento das redes sociais na internet. Aí certos movimentos de esquerda minoritários tomaram esta agenda difusa, se apropriaram. E às vezes com um público conservador, mais conservador do que as lideranças dos movimentos. Você pega uma velhinha de Copacabana conservadora. Ela vota no deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) porque é contra tudo isso que está aí. Mas no momento em que ela ouvir o Freixo falar, sai correndo. É uma confusão.