Título: Câncer de Chávez põe país em alerta
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 03/07/2011, Mundo, p. 22

Vice-presidente volta a pedir unidade ao povo e às Forças Armadas, e evita declarar a ausência temporária do chefe de Estado. Médico acredita que tumor se espalhou para outras áreas do corpo

Os discursos longos, de até seis horas de duração, provavelmente precisarão dar espaço a pronunciamentos mais breves. O ritmo alucinante da campanha eleitoral terá que ser trocado por uma agenda mais leve. Para León Lapco, presidente da Associação Venezuelana Americana de Médicos, o líder venezuelano, Hugo Chávez, será obrigado a mudar de ritmo, após terminar o tratamento contra o câncer. "Sua regularidade na vida cotidiana não poderá ser como antes. Ele dorme pouco, fala muito e se move com excesso", explica Lapco ao Correio, por telefone, de Waston (Flórida). De acordo com o especialista em medicina intensiva, Chávez provavelmente enfrenta um câncer de cólon ¿ a maior porção do intestino grosso ¿ ou de próstata. "Definitivamente, acredito em metástase", acrescenta ele, ao referir-se ao complexo tratamento ao qual se submeteu o presidente, que consistiu em duas cirurgias e sessões de radioterapia.

Lapco não tem dúvidas: "Chávez corre sério risco de morte". Com um tumor agressivo, o paciente necessitaria de excelentes especialistas em oncologia. "Cuba tem uma boa equipe médica, mas não se pode comparar com o Brasil ou a própria Venezuela. Os cubanos fizeram boas coisas nos ramos da epidemiologia e da estatística, mas não na pesquisa do câncer", acrescentou. Ele acredita que Chávez optou pelo tratamento em Havana apenas por uma questão ideológica. "Os chavistas farão o possível para que ele continue no poder e se candidate à reeleição", aposta Lapco. "O sistema político se centra nele." O jornal espanhol El País consultou vários cirurgiões do aparelho digestivo, que têm a mesma opinião do venezuelano. O presidente teria sido operado de um câncer perfurado, no cólon esquerdo.

Na noite de sexta-feira, Chávez participou do programa Mesa Redonda, da tevê estatal cubana, e mostrou-se confiante de sua plena recuperação. "Esta doença ninguém esperava, mas já estamos superando isso, seguindo com a vida, e isso só vai nos fortalecer", declarou. "Estamos muito otimistas e seguros de que sairemos desta também", emendou. Durante a entrevista, o mandatário revelou que seu vice-presidente, Elías Jaua, e alguns de seus ministros sabiam do diagnóstico, antes que se tornasse público. E mais uma vez agradeceu a Fidel Castro. "Se não fosse por Fidel, quem saberia onde e em que labirinto eu estaria agora", desabafou. Chávez garantiu que o "olho de águia" do líder cubano detectou a necessidade de exames médicos. "Fidel é meu médico superior", comentou.

Prazo Em Caracas, Jaua participou ontem da promoção de generais e almirantes do Exército e aproveitou a ocasião para, mais uma vez, pedir unidade popular e militar. "O povo unido ao povo uniformizado, somos um só", disse. Segundo o jornal El Nacional, o governo evita aplicar o artigo 234 da Constituição Bolivariana da Venezuela, que determina a transferência de poder ao vice, ante a chamada "falta provisória". Por lei, as ausências do presidente serão supridas pelo vice por até 90 dias, prorrogáveis pela Assembleia Nacional por mais 90 dias. Se uma ausência temporária se prolongar por mais de 90 dias consecutivos, os parlamentares decidirão pela ausência absoluta. Os governistas acreditam que o prazo para a declaração de falta temporária começaria após o juramento de Jaua no cargo. O opositor Henrique Capriles, governador do departamento (Estado) de Miranda , defendeu ontem a ativação dos "mecanismos constitucionais". "O fato não é que o vice-presidente se negue ou não a assumir a Presidência. A Constituição é clara e não me parece que o governo deseje entrar em um debate jurídico", afirma, ao demandar o imediato afastamento de Hugo Chávez.

César Barrantes, cientista político da Universidad Central de Venezuela, acredita que o tumor não afetou as capacidades intelectuais e políticas de Chávez. "Creio que não há nenhum presidente, no mundo, que não tivesse que delegar seu poder ao vice pelo fato de estar fora do país", comenta o venezuelano, em entrevista por e-mail. "A Constituição estabelece um mecanismo jurídico-político para a substituição do presidente em caso de ausência absoluta, ou seja, incapacidade mental ou morte. E a substituição transitória valeria pelo resto do mandato presidencial", acrescenta.

Javier Corrales ¿ cientista político do Amherst College (em Massachusetts, EUA) ¿ admite que o governo tem sido muito dependente de Chávez desde 2002. "O país será mantido no piloto automático. Na Venezuela, isso significa que o caos nas políticas públicas continuará", aposta. No entanto, o especialista vê um ponto positivo no drama do presidente. "Nós conheceremos melhor as correntes políticas mais fortes dentro do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). Até agora, as divergências estiveram ocultas e com poucas consequências. A ameaça principal ao governo provém do próprio chavismo", atesta. Será um teste para as pretensões de Chávez de conseguir a reeleição no próximo ano e permanecer no Palácio de Miraflores.