O estado de São Paulo prepara medidas emergenciais para atenuar os efeitos da pior seca das últimas décadas. Ontem, o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) anunciou que a Companhia Estadual de Saneamento Básico (Sabesp) aprovará nesta semana o edital para a obra de transposição do Rio Paraíba do Sul e o aumento de produção dos sistemas Guarapiranga e Alto Tietê. Entretanto, para especialistas ouvidos pelo Correio, as medidas não evitarão que a grande São Paulo sofra em 2015 os mesmos problemas do ano passado. As chuvas abaixo do esperado e as dificuldades técnicas das soluções apresentadas manterão a crise hídrica no topo das preocupações dos políticos e da população nos próximos meses.

Incluída na semana passada pelo governo federal na lista de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a transposição do Paraíba do Sul consistirá em um canal ligando o reservatório Jaguari, em Jacareí (RJ), e a represa de Atibainha, do Sistema Cantareira, em São Paulo. Segundo Alckmin, a licitação será aberta ainda esta semana, e levará cerca de 3 meses. A obra deve ser concluída em um ano e meio, ao custo estimado de R$ 830 milhões. “Essa obra estava prevista para 2020, mas estamos antecipando em cinco anos. Quando se interliga bacias hidrográficas, uma ajuda a outra”, afirmou o governador paulista. A transposição foi viabilizada por um acordo entre os governos de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, no fim do ano passado.

Além disso, o governo de São Paulo anunciou a compra de novos equipamentos de filtragem para ampliar o volume retirado do Sistema Guarapiranga. A estação que trata a água da represa funciona com volume máximo, de 15 metros cúbicos por segundo. Outras medidas, como a retirada de água da represa Billings, também são cogitadas, mas ainda não têm prazo definido.

Para o professor do departamento de hidrologia da Faculdade de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Campinas (Unicamp) Antônio Carlos Zuffo, a perspectiva é de que o cenário em 2015 seja “ainda mais sombrio” que no ano passado, por causa do mau desempenho das chuvas neste começo de ano. “Hoje, o Sistema Cantareira está em 24,5% negativos. No começo da estação seca do ano passado, em abril, estávamos em 10% positivos. Então, é bem provável que comecemos a seca sem qualquer reserva no Cantareira, em situação bem pior que a do ano passado”, diz. Em dezembro, mês com a 2ª maior média de chuvas do ano em São Paulo, a região recebeu 25% menos que o esperado, segundo Zuffo. “E em janeiro, que tem a maior média do ano, choveu apenas 42% do previsto até agora”, comenta o especialista.

Burocracia
Zuffo explica ainda que medidas como a transposição do Paraíba do Sul e o uso da água da represa Billings apresentam dificuldades técnicas e jurídicas. “A curto prazo, o efeito da transposição é nenhum. As obras não são simples e, mesmo com o Regime Diferenciado de Contratação (uma forma simplificada de licitação), é preciso atravessar propriedades privadas, estradas… Não sai da noite para o dia”, diz. “No caso da represa Billings, há uma vazão mínima que é usada para a geração de energia, protegida por contrato. Além disso, aquela água também precisa de tratamento para ser consumida”, comenta.

A preocupação é compartilhada por Geraldo Resende Boaventura, do departamento de Geologia da Universidade de Brasília (UnB). O professor explica que o “estresse hídrico” em São Paulo e no restante da Região Sudeste dificilmente será resolvido nos próximos anos, mesmo que as ações previstas para a região saiam a contento. “As medidas não resolverão o problema de forma imediata. A não ser que haja um dilúvio, essa é uma situação que irá perdurar por, pelo menos, dois anos”, comentou. “O ciclo hidrológico é algo que dura alguns anos, então a situação tende a continuar.”

Ajuda dos céus
Na tarde de ontem, um forte temporal na capital paulista fez o Córrego Pirajussara transbordar, inundando ruas na Zona Sul. É o segundo dia de chuvas fortes na cidade. Na madrugada de domingo para segunda, fortes precipitações também colocaram o município em estado de atenção. Na última sexta-feira, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, pediu à população que economize água e energia elétrica por causa da “grave crise”, mas disse que há grande expectativa do governo em relação às chuvas, para que elas “caiam nos lugares certos”.

"O ciclo hidrológico é algo que dura alguns anos, então a situação tende a continuar”