Título: Negócio milionário e suspeito
Autor: Campos, Ana Maria; Alves, Renato
Fonte: Correio Braziliense, 03/07/2011, Cidades, p. 27

Dois terrenos na L2 Sul, doados a uma entidade beneficente em 1968 e avaliados em R$ 60 milhões, foram penhorados por conta de uma dívida trabalhista irrisória e arrematados em leilão por R$ 3 milhões. Terracap não tomou providências para reaver o patrimônio

Por omissão, a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) deixou de faturar R$ 60 milhões com a venda de dois terrenos, dinheiro que poderia ser revertido em melhorias na infra-estrutura urbana ou aplicado na reforma do Estádio Nacional Mané Garrincha, a mais recente aquisição da empresa do Governo do Distrito Federal. O prejuízo aos cofres públicos significa lucro fácil para a iniciativa privada. Foi o que ocorreu com uma operação que resultou na venda de dois lotes na L2 Sul, área nobre do Plano Piloto, para uma incorporadora por R$ 3.060.000, aproximadamente 5% do valor de mercado.

Os terrenos estavam, desde 1968, sob a responsabilidade de uma entidade com fins beneficentes, a Ação Social do Planalto. Ela os recebeu da Novacap, a administradora à época de áreas públicas desapropriadas na construção de Brasília, quando havia fartura para ocupações imobiliárias na nova capital. Mesmo assim, a doação dos dois lotes, que ocorreu como incentivo para iniciativas de caráter assistencial, teve a ressalva de que estes jamais poderiam ser vendidos, alugados ou emprestados, sob pena de revogação da transação. Devido a uma dívida, de valor irrisório diante do patrimônio em questão, a Justiça do Trabalho suspendeu a cláusula de inalienabilidade dos terrenos.

A Ação Social do Planalto acabou condenada a pagar R$ 9.225,21 a Euridice Guilherme, a título de verbas salariais pendentes. A entidade não quitou a dívida e a 3ª Vara do Trabalho de Brasília abriu processo de execução que resultou na penhora do único bem à disposição da devedora, os dois terrenos localizados na 616 Sul, cada um com 7,5 mil metros quadrados. Para a Justiça do Trabalho, a prioridade é o pagamento dos débitos atrasados ao empregado que venceu a causa. Por isso, o bem foi levado a leilão. A Terracap, no entanto, não tomou providências judiciais para reaver um patrimônio que, ao perder a finalidade de abrigar a entidade social, pertenceria à empresa pública por direito.

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) abriu investigação para apurar o caso, por meio das Promotorias de Defesa do Patrimônio Público e Social (Prodep). Em 10 de maio último, o MPDFT enviou ofício à Terracap requisitando informações sobre as providências tomadas para evitar ou reverter a operação. Desde a última sexta-feira, o Correio tenta obter da Terracap uma posição sobre a venda dos terrenos, mas a assessoria de comunicação da empresa não retornou à reportagem.

Centro clínico A Linea/G Empreendimentos Imobiliários Ltda arrematou os dois terrenos em leilão, ocorrido em novembro de 2008, e os incorporou ao patrimônio da GP4 Empreendimentos Imobiliários, uma vez que a primeira empresa é a sócia majoritária da segunda. No local, a GP4 pretende construir um centro comercial denominado Linea Vitta Centro Clínico, empreendimento com três blocos, sendo dois com cinco pavimentos e um com seis. No total, serão colocadas à venda 347 unidades, entre salas e lojas. Com o metro quadrado avaliado em pelo menos R$ 5 mil naquela localidade, a incorporadora poderá ter um faturamento bruto estimado de R$ 86 milhões.

O MPDFT já se debruçou no assunto, por meio de uma das Promotorias de Fundações. A análise, no entanto, referiu-se ao eventual prejuízo à entidade social. Por considerar que o bem foi arrematado por preço vil, os promotores intermediaram um termo de ajustamento de conduta pelo qual a Ação Social do Planalto receberá uma parte do lucro obtido pela GP4 com a alienação dos imóveis do novo centro comercial. Pelo acordo, a Ação Social do Planalto receberá 27% da edificação a ser construída nos lotes onde funcionou a sede da entidade durante 40 anos. Terá condições, assim, de adquirir outro terreno e implantar uma nova área para trabalhar. Apenas a Terracap ficou no prejuízo.

Nos dois lados Não se pode alegar que a Terracap esteve totalmente alheia à negociação envolvendo os dois terrenos sob a responsabilidade da Ação Social do Planalto, na 616 Sul. A empresa que arrematou em leilão os dois lotes de posse da entidade é defendida em causa no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) por um advogado que também representa a Terracap em demandas judiciais. Flavio Luiz Medeiros Simões tem procuração para atuar em benefício da Linea/G Empreendimentos Imobiliários Ltda em pelo menos um processo que tramita na 4ª Vara Cível de Brasília. Até o ano passado, ele era presidente da comissão de licitação da Terracap e advoga em favor da empresa pública em mais de 500 processos judiciais.

Não é a primeira vez que Simões atua para uma empresa que tem interesses comerciais em áreas que estiveram sob a gestão da Terracap. Ele também tem procuração para representar a empresa Asa Sul Empreendimentos Imobiliários, que comprou dois terrenos da Terracap, situados na W3 Sul e que estiveram inadimplentes durante meses no ano passado. O Correio tentou contato com o advogado por meio da assessoria de comunicação da Terracap, mas não obteve retorno. Na Linea/G, a informação é de que apenas o responsável pela empresa, Georges Hajjar Júnior, poderia responder pelos negócios empresariais. Mas ele não quis dar entrevista.