Os ministros Guido Mantega, atual responsável pelo Ministério da Fazenda, e Joaquim Levy, indicado ao cargo, não se acertam sobre qual deve ser o resultado das contas públicas deste ano. As duas equipes econômicas travam uma disputa cada vez mais intensa e que ameaça sair dos bastidores do governo. Quem acompanha a transição aposta que a presidente Dilma Rousseff terá de interferir diretamente para evitar maiores constrangimentos. Segundo o apurou o Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, a primeira orientação da presidente é que o resultado de 2014 não deve ser um déficit primário.

Mantega, que ainda tem a caneta, opera para entregar um superávit primário de R$ 10 bilhões no ano, como prometido pelo governo no fim de novembro. Levy e o futuro ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, querem que os acertos necessários sejam feitos ainda neste ano para que comecem 2015 com o caixa menos pressionado.

Essa é a origem das reclamações de Levy sobre a "sonegação" de dados a respeito da situação fiscal pela equipe de Mantega. Segundo autoridades ouvidas pelo Valor PRO, a orientação transmitida na Fazenda é para que os técnicos forneçam todos os dados pedidos por Levy. Mas as questões sobre como serão fechadas as contas deste ano devem ser encaminhadas para o secretário do Tesouro, Arno Augustin, ou o próprio Mantega. "Não se discute estratégia", resume essa autoridade.

O superávit primário de 2014 foi reduzido de R$ 80,8 bilhões para R$ 10 bilhões no decreto de programação orçamentária e financeira de novembro. Antes, portanto, de o Congresso Nacional aprovar a regra que permite ao governo abandonar qualquer meta de resultado neste ano.

Mantega não quer deixar o governo com a marca de ter entregue um déficit primário, que seria o primeiro desde 1997, antes de o governo brasileiro começar o ajuste fiscal que se tornou inevitável com a crise da Ásia. Por isso, os técnicos da área econômica não descartam novas manobras como o refinanciamento de dívidas do setor elétrico, anunciado na semana passada, e a postergação de pagamentos desse ano para 2015, conhecidas como "pedaladas". "O superávit será o que o governo quiser", explicou uma autoridade.

Os ministros indicados reclamam da dificuldade de dimensionar que efeito um superávit de R$ 10 bilhões este ano terá sobre as contas de 2015 e o grau de pressão que isso colocará sobre as contas do ano que vem. A interlocutores, Levy não tem escondido a preferência sobre a melhor saída. Para ele, o ideal é que se use a prerrogativa inédita dada pelo Congresso e se faça o menor superávit possível neste ano.

Com essa saída, o segundo mandato não seria "contaminado" pelo desempenho de 2014.

Apesar de a presidente já ter indicado que não quer um déficit em 2014, integrantes do governo acreditam que essa orientação poderá mudar quando ela for apresentada ao cenário das contas de 2015, que ainda está sendo preparado pela nova equipe. E não há muito tempo sobrando para essa decisão. A expectativa é que ao longo dessa semana o governo tenha um quadro mais claro das contas de novembro e dezembro para que possa decidir como elas serão fechadas até o fim do ano e que medidas serão necessárias para atingir o resultado.

A preocupação do ministro Levy é que as receitas e despesas de 2015 já estão pressionadas sem incluir heranças do ano que acaba.

Uma das maiores incertezas continua sendo o setor elétrico.

O futuro ministro, por exemplo, terá que achar solução para uma dívida de R$ 3 bilhões relativa a 2014 que só será liquidada em janeiro e fevereiro do ano que vem e para a qual não há qualquer solução sendo encaminhada. O reajuste de salários do Congresso e Judiciário é outra conta para a qual não há recursos previstos.

Os novos salários ainda não foram aprovados pelo Congresso, mas o projeto já tramita e deputados e senadores já discutem o índice adequado de correção. O Tesouro também adiou sucessivamente os pagamentos do subsídio ao BNDES do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que começarão a ser pagos em 2015.