Técnicos do governo chegaram a calcular, no ano passado, qual seria o impacto de um racionamento de energia, indicando um cenário desastroso para a economia do país. Essas contas apontaram um efeito imediato de perda de quase R$ 6 bilhões para a economia, sem considerar os efeitos indiretos. Esse número decorre do cálculo de uma eventual redução de carga na economia nacional, em torno de 10%. A conta é feita todos os anos e, em 2014, foi um dos parâmetros para avaliar a decisão de se adotar um racionamento. O resultado da conta também é importante para decisões de investimentos.

No ano passado, quando o cenário era menos grave do que agora em termos hidrológicos, as contas apresentadas à cúpula do governo colaboraram para a decisão de descartar qualquer possibilidade de racionamento de energia. Nos últimos dias, porém, as projeções de chuvas traçadas pelos técnicos do governo federal, liderados pelo secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência e Tecnologia, Carlos Nobre, eram mais favoráveis para os reservatórios das hidrelétricas, com expectativa de chuvas a curto prazo, o que prorrogaria novas discussões sobre a eventual necessidade de um racionamento.

Atualmente, o nível dos reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste está em 17,28%, patamar semelhante ao do Nordeste (de 17,13%). No Sul, é de 66,43%, contra 34,90% no Norte. O ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, disse na quinta-feira que o país pode ter problemas graves se o nível dos reservatórios chegar a 10%. Ricardo Savoia, da consultoria Thymos Energia, ressalta, porém, que 10% é "o limite do limite":

- Se chegarmos com as hidrelétricas a 10%, vamos ter de permanecer com todas as termelétricas por três anos gerando na base do sistema. Assim, teremos um custo adicional entre R$ 20 bilhões e R$ 25 bilhões por ano. Para evitar isso, é preciso chover 85% da média histórica nos próximos meses, mas até agora esse percentual está em 58%.

Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), da UFRJ, destacou que o racionamento só será discutido depois de abril, quando termina o período de chuvas. Ou, então, ressaltou, se as hidrelétricas chegarem a 10%. Ele critica a falta de campanhas para uso mais eficiente de energia.

- O governo decidiu fazer usinas sem reservatórios e deixou de lado programas como de energia nuclear. Com o aumento da renda, as políticas sociais dos últimos anos, o consumo de energia residencial aumentou e vai continuar aumentando, porque as pessoas passaram a ter eletrodomésticos, comprados com a maior oferta de crédito. E o governo, ao criar a bandeira tarifária (sistema que eleva a conta de luz de acordo com o nível dos reservatórios), não fez campanha alguma para explicar como funciona. As pessoas vão ter surpresas, agora, quando chegar a conta - critica Castro.

O racionamento também já é esperado por especialistas do setor a partir do segundo semestre. Eles dizem ainda que o país pode sofrer com novos apagões, inclusive fora do horário de pico, se o calor continuar intenso nos próximos meses. Meteorologistas preveem nova onda de calor para fevereiro e março. No início dos últimos três anos, a falta de chuvas no país, alerta o Climatempo, já está pior do que a registrada no mesmo período de 1999, 2000 e 2001 - este, o ano do racionamento.

Marcelo Pinheiro, do Climatempo, afirma que, em 1999 e 2000, as chuvas foram maiores (entre 50mm e 200mm) em relação à média histórica nas regiões Sudeste e Nordeste, permanecendo no mesmo patamar no Norte e Centro-Oeste. Somente no Sul ficaram abaixo. Em 2001, as chuvas ficaram menores (entre 100mm e 200mm) no Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, o que forçou o governo a decretar o racionamento.

- Já em 2013, tivemos chuvas abaixo da média (entre 50mm e 100mm) no Sul, em cidades do Sudeste, do Norte e no Norte do Nordeste. Em 2014, complicou. Só tivemos chuvas acima da média (entre 50mm e 100mm) no Sul e em parte do Norte. E o início de 2015 está parecido com o do ano passado, com chuvas abaixo da média histórica nas regiões Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Norte - explica Pinheiro, lembrando que, no Sul, apenas Rio Grande do Sul e Santa Catarina estão com chuvas acima do normal.

"é necessário fazer campanha de uso racional"

Outro problema é que, mesmo com o desempenho ruim da economia, o brasileiro vem consumindo cada vez mais energia. E a expectativa é de um consumo ainda maior neste ano. De acordo com a consultoria Excelência Energética, com base em dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o consumo per capita de energia passou de 2.364 quilowatt-hora por habitante (kWh/h), em 2013, para 2.398 kWh/h em 2014, uma alta de 1,43%. Para 2015, projeta-se alta de 2,61%, para 2.461 kWh/h. Segundo especialistas, isso se deve à maior demanda do comércio e das residências, com maior uso de eletrodomésticos - como o ar-condicionado, apontado como o vilão do setor.

- É importante que o governo inicie campanhas de racionalização para obter um consumo mais eficiente de energia. Em 2001, com o racionamento, o brasileiro passou a consumir de modo mais racional, trocando lâmpadas e diversos eletrodomésticos - disse Erik Eduardo Rego, diretor da Excelência Energética.

Savoia, da Thymos, ressalta que o aumento da demanda vem justamente do setor residencial, que teve alta de 6% em 2014, e do comércio, com avanço de 7,5%. Na indústria, houve queda de 2,5%. Por isso, ele reforça que o governo deveria ter adotado alguma política de racionalização já no fim de 2013, quando o nível dos reservatórios se aproximou de níveis críticos. Ele ressalta que, com isso, o governo teria tido perdas menores. A atual crise do setor, com os empréstimos para empresas e gastos com termelétricas, já consumiu cerca de R$ 80 bilhões.

- Hoje o grande problema vem do lado da oferta. Em média, as obras estão atrasadas entre dois e três anos - diz Savoia.