Seis em cada 10 pessoas com mais de 50 anos não têm nenhum tipo de reserva financeira. Nas classes C e D, o quadro é ainda pior: 80% não dispõem de recursos para emergências. Nada impede, porém, que, mesmo após a aposentaria, parte do rendimento seja investido.
Aos 64 anos, a aposentada Adelaide Silva Simões está de bem com a vida. E, como faz questão de frisar, sentindo-se poderosa. Ela acabou de realizar um sonho: conhecer a França. Melhor, sem pedir nada a ninguém. Os 30 dias de viagem foram bancados por ela - sem restrições. Tudo foi possível porque, há 10 anos, seguiu os conselho de uma das filhas e começou a poupar. Juntou o que pôde para fazer o passeio e, sobretudo, para os próximos anos de vida. "Economizar parte dos meus rendimentos só me deu prazer. Não apenas porque aprendi o real valor do dinheiro, mas porque me deu um sentimento de poder que nunca havia sentido antes", afirma. 
Adelaide, porém, faz parte de uma pequena parcela de brasileiros com mais de 50 anos que pode usufruir dos prazeres da vida sem depender da ajuda de ninguém. Levantamento do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) mostra que seis em cada 10 idosos não têm nenhum tipo de poupança. Passaram todo o período produtivo da vida sem guardar um centavo para garantir um futuro melhor. A situação piora entre os idosos das classe C e D. Oito em cada 10 deles estão desprovidos de reservas para bancar imprevistos ou evitar que tenham de recorrer a parentes para complementar o orçamento do mês. 

"Poupar é o melhor investimento que se pode fazer na vida", diz Adelaide. Mas foi preciso que ela levasse muitos tombos para aprender a lição. Com três filhas, dois netos e mais um a caminho, só percebeu que a gastança desenfreada estava lhe fazendo mal quando a mãe morreu. Viu-se desprotegida, inclusive financeiramente. O sofrimento obrigou-a a mudar. E a maior inspiração veio da filha mais velha, que, mesmo ganhando pouco, havia colecionado muitas vitórias. "Ela sempre poupou. Conseguiu pagar os estudos, comprar apartamento e carro e viajar para o exterior antes dos 30 anos. Fez tudo isso só guardando o dinheiro que ganhava que não era muito", relata. 

Contraste 

A mudança da aposentada contaminou toda a família. "As minhas outras duas filhas também passaram a economizar. O raciocínio em casa passou a ser o seguinte: de cada R$ 1 mil de salário, 10% tinham que ir, obrigatoriamente, para a poupança", conta. Assim, as jovens estão longe de viver as agruras pelas quais a mãe passou. Adelaide começou a trabalhar aos 18 anos em um escritório de contabilidade. Logo, casou-se e deixou o emprego. Tempos depois, com a renda de casa apertada, passou a vender produtos de beleza para que não faltasse nada às meninas. "Felizmente, a vida melhorou, sobretudo depois que todos passaram a trocar os carnês de dívida pela poupança", frisa. 

O motorista de ônibus Francisco Nascimento e Silva, 56 anos, está descrente. Não poupa para a velhice porque não acredita que economizar agora lhe trará frutos mais à frente. A descrença se consolidou nos anos 1980, quando costumava depositar, mensalmente, parte do salário no sistema de poupança Colmeia, que acabou quebrando por má administração. Ele conseguiu sacar o pouco que tinha antes da falência da instituição porque dormiu uma noite na porta de uma agência, assustado com os boatos de que havia alguma coisa errada com a Colmeia. "Depois disso, nunca mais botei dinheiro em banco", enfatiza. 

Francisco sabe que tal desconfiança poderá lhe custar caro quando deixar o mercado de trabalho. "Mas é o preço a pagar", conforma-se. Para o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Marcelo Neri, é preciso mudar radicalmente a visão de brasileiros que se recusam a economizar. Ele ressalta que somente 15% das pessoas pouparam nos últimos 12 meses. "É muito pouco", admite. Para o ministro, é preciso fazer uma grande campanha de esclarecimento, especialmente entre os mais jovens e os menos favorecidos. O movimento poderia começar pelo lançamento de um plano de previdência privada para esses grupos, uma forma de estimular a educação financeira. 

Saúde 

Na avaliação de Fábio Gallo, professor de finanças pessoais da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), qualquer ação no sentido de estimular a poupança é bem-vinda. Ele alerta que a Previdência Social não tem mais como garantir uma velhice tranquila aos trabalhadores. "A situação se agravará ano após ano. A partir de 2030, ou seja, daqui a 15 anos, o Brasil terá tantos idosos que os hospitais deixarão de tratar diarreia para cuidar de Alzheimer", diz. 

Gallo destaca que um jovem gasta, em média, R$ 400 por ano em tratamentos de saúde. No caso dos idosos, esse valor é multiplicado por 10. O salto nos gastos ocorre justamente num momento em que a renda cai, pois, ao se aposentar, o trabalhador passa a receber menos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) do que quando estava na ativa. O professor destaca ainda que mais assustador é o fato de a maioria dos brasileiros - 54% - acreditar que poderá contar com a Previdência na velhice. "O certo seria um número maior de pessoas acreditar que precisa poupar porque não poderá contar com o INSS quando envelhecer", assinala. 

Para mostrar o quanto é importante poupar, o educador financeiro da FGV faz uma conta rápida: "Um trabalhador que aplicar R$ 143 todos os meses em um plano de previdência privada ao longo de 30 anos terá pelo menos R$ 500 mil para a aposentadoria. "Isso mostra que, quanto mais cedo se começa a poupar, melhor. Uma pessoa que começa a economizar aos 50 anos terá que aplicar, mensalmente, R$ 2.173 por 10 anos para acumular os mesmos R$ 500 mil", conclui.