Os brasileiros que foram às compras neste Natal e que optaram por parcelar os débitos no cartão, no cheque especial ou no crediário, sofreram duas vezes: além de pagarem mais caro pelos presentes, por causa da escalada da inflação, foram obrigados a arcar com as taxas de juros mais pesadas em três anos. Para piorar, como a renda familiar já não cresce mais como antes, as compras feitas neste fim de ano pesarão no orçamento por mais tempo. 

Praticamente metade dos brasileiros (48%) só conseguirá se livrar das dívidas do Natal em maio de 2015. Isso, claro, se apertarem o cinto e conseguirem não entrar no vermelho no começo do ano, mesmo tendo em vista um estrangulamento maior do orçamento doméstico diante de gastos já previstos, como compra de material escolar, despesas com férias e pagamentos de impostos do carro e de moradia. 

O aperto tende a ser maior para as famílias que extrapolaram nas compras de Natal deste ano. Quem optou por parcelar os débitos pagou, em média, juros de 44,20% ao ano, o maior valor já registrado pelo Banco Central (BC) desde março de 2011. A situação piora para quem optou pelas linhas de crédito mais caras como empréstimo pessoal não consignado, cheque especial ou rotativo do cartão de crédito, cujas taxas atingiram em novembro 103,70, 191,60% e 246,08%, respectivamente, segundo números da Associação Nacional de Executivos de Finanças e Contabilidade (Anefac). 

Inadimplência 

Com juros tão altos, dividir as contas de fim de ano pode comprometer o orçamento do próximo ano. É o que mostra pesquisa recente do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), que indica que 39% dos brasileiros que costumam parcelar as compras de Natal normalmente têm problemas para quitar os débitos assumidos. Não raro, os consumidores que tentam agradar nas festas de fim de ano acabam engordando a lista do cadastro de inadimplentes. 

Dados divulgados ontem pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) mostram que 18,5% dos brasileiros possuem algum tipo de dívida ou contas em atraso. E mais: 5,8% das famílias já disseram não ter qualquer condição de pagar esses débitos. Nesse cenário de aperto da renda, a escalada dos juros básicos, posta em prática pelo BC desde o fim de outubro, tende a ser mais um motivo de cautela para os consumidores, disse o economista Bruno Fernandes, da CNC. "A gente espera que o crédito continue mais caro e escasso em 2015", disse, acrescentando que a estimativa da entidade é de que as concessões de empréstimos a empresas e famílias cresçam apenas 3,7% no ano que vem, já descontada a variação prevista para a inflação no período. "Não há dúvidas de que o crédito andará num ritmo mais fraco do que em 2014, até por causa do cenário econômico mais difícil", disse. 

Não é o que pensa o BC, que prevê para o ano que vem expansão de 12% na oferta de crédito, o mesmo patamar estimado pela autoridade monetária para este ano. 

Endividamento avança 

Diante da escalada da inflação e dos juros bancários, o endividamento das famílias com o Sistema Financeiro, que vinha caindo nos últimos três meses, voltou a subir. Em outubro, a taxa chegou a 46,05% da renda acumulada dos últimos 12 meses, enquanto, um mês antes, estava em 45,9% da renda disponível. Esse endividamento vem aumentando nos últimos anos, à medida que mais famílias tiveram acesso ao crédito, além do maior crescimento da economia. Em dezembro de 2005, o percentual de dívidas chegava a 21,47% da renda acumulada, conforme dados do BC. Nos anos seguintes, só subiu, mesmo com a desaceleração da economia e o do Produto Interno Bruto (PIB) tendo desabado de 2011 a 2014.