Quatro em cada 10 pessoas que usam cartão de crédito não conseguem pagar a dívida. O calote no financiamento rotativo do dinheiro de plástico atingiu 38,5% em novembro, segundo o Banco Central (BC). No cheque especial, a situação também não é boa: 11,1% dos empréstimos concedidos não foram honrados no prazo de 90 dias. Para os especialistas, a diminuição da oferta de crédito no Brasil reduziu as opções das famílias na hora de buscar dinheiro. Com menos estímulos no mercado, os consumidores se agarraram às modalidades mais acessíveis - cartão de crédito e cheque especial -, justamente as mais caras do mercado, aumentando a inadimplência nessas operações. 

Conforme os dados do BC, o saldo total das operações de crédito no Brasil atingiu R$ 2,96 trilhões em novembro, com uma expansão de 11,8% em 12 meses. Em outubro, o aumento tinha sido de 12,2% em um ano. Nas concessões das modalidades rotativas de crédito, tidas como emergenciais, contudo, não houve desaceleração, o que aumentou o nível de calote e o risco de maior inadimplência a médio prazo. 

Na opinião do economista Nicola Tingas, da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), a inadimplência cresce por três motivos. O primeiro é a inflação em alta, que corrói a renda das famílias, já comprometida com o pagamento de dívidas antigas. O segundo é falta de um salário adicional para trabalhadores, sobretudo de baixa renda, que dependem de remuneração variável no comércio e nos serviços. Por último, o baixo crescimento da economia, que tem fechado postos de trabalho e reduzido os rendimentos. 

Torneira 
Tingas ressalta que todas essas pressões levam o trabalhador a parcelar compras com cartão de crédito ou usar o cheque especial na esperança de conseguir, nos meses seguintes, o dinheiro para honrar os compromissos. "Os brasileiros têm sentido no bolso os efeitos do baixo crescimento econômico. Quem não consegue equilibrar as contas usa o crédito, que é uma opção que custa caro. Com a baixa geração de empregos, a situação deve piorar porque mais gente estará em busca de ocupação e as ofertas salariais serão menores", detalhou. 

Para o educador financeiro Álvaro Modernell, o aumento da inadimplência neste fim de ano está relacionado ao recente aumento de juros, que fez as dívidas crescerem mais rapidamente. A taxa básica da economia, a Selic, já está em 11,75% ao ano, com previsão de chegar a 12,50% em 2015. 

A orientação de Modernell para quem não pretende se enrolar ainda mais com as contas é "fechar a torneira do consumo". "Não há outra saída que não reduzir os gastos ao máximo para forçar uma sobra de dinheiro e, nem que seja aos poucos, amortizar as dívidas", comentou ele, que sugere até a venda de algum bem para gerar receita extra. "O que não se pode é ficar assistindo o crescimento das contas do cartão e do cheque especial sem fazer nada", emendou. 

Segundo o economista da Universidade de São Paulo (USP) Roberto Luis Troster, dos mais de 141 milhões de brasileiros que têm acesso a crédito, 57 milhões estão com dívida em atraso. Entre as empresas, das mais de 7 milhões habilitadas a buscar recursos em instituições financeiras, metade não consegue honrar os compromissos em dia. 

Conforme Troster, com o aumento do calote, bancos e financeiras elevam ainda mais as taxas de juros, para se prevenir dos riscos, e encurtam os prazos de financiamento. "O problema está nesse modelo de negócios. Essa situação segura a economia brasileira porque, sem crédito, as empresas não decolam e os brasileiros não consomem. O pior é que o governo não reconhece a inadimplência como um problema", comentou. 

O diretor executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira, atribuiu o aumento da inadimplência nas operações com cartão de crédito e com cheque especial ao desaquecimento da economia. "Tivemos um ano em que, com a inflação alta, mais consumidores recorreram a empréstimos para saldar as dívidas. Mas os juros elevados pesaram no bolso das famílias, que encontraram dificuldade em honrar os compromissos", avaliou. 

Segundo estudo da Anefac, a taxa média de juros do cartão de crédito passou de 10,78% ao mês (241,61% ao ano) em outubro para 10,90% (246,08%) em novembro, o nível mais elevado desde janeiro de 2000. No cheque especial, os encargos subiram de 8,50% ao mês (166,17% ao ano) para 8,56% (167,94%) no mesmo período, a maior taxa desde dezembro de 2003. 

O cenário será ainda mais desolador para 2015. Por conta da elevação da Selic para 11,75% ao ano no início de dezembro, a inadimplência nas duas modalidades poderá aumentar ainda mais. Para Oliveira, os índices de calote podem diminuir neste mês por conta uso do 13º salário para o pagamento das dívidas. Mas o alivio não vai durar muito. "Devemos ter mais desemprego no próximo ano em consequência dos ajustes anunciados pela nova equipe econômica. Aliado ao aumento dos juros, que o Banco Central já sinalizou, teremos um crescimento da inadimplência", previu.