Título: Livre, Strauss-Kahn pode presidir a França
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Fonte: Correio Braziliense, 02/07/2011, Economia, p. 12

Ex-presidente do FMI é solto, recebe de volta US$ 6 milhões de fiança e ainda planeja suceder Nicolas Sarkozy nas eleições de 2012

Em um mês e meio, Dominique Strauss-Kahn, o candidato favorito à corrida presidencial francesa, foi acusado de estupro nos Estados Unidos, preso e obrigado a pagar fiança de US$ 6 milhões.

Enquanto era recolhido em prisão domiciliar em solo norte-americano, teve o cargo de diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) retirado de suas mãos, além de virar carta fora do baralho nas eleições francesas.

A surpreendente reviravolta no caso já resultou, de imediato, na sua soltura ontem e na devolução da fiança paga. Ao FMI, que já tem novo diretor-gerente, Strauss-Kahn não volta. Resta saber agora se terá chances de retomar a disputa presidencial na França, já que o prazo para indicação das candidaturas termina dia 13 de julho.

Em audiência na Justiça nova-iorquina, na qual foi decidida a libertação do ex-chefe do FMI, promotores responsáveis pelas investigações disseram que a credibilidade da camareira de hotel que o acusou de estupro foi colocada em dúvida, depois que policiais tiveram acesso a uma gravação, na qual ela afirmava estar disposta a tirar proveito da situação. Segundo eles, a camareira prestou falso testemunho ao júri, omitindo o fato de que ela limpou outro quarto antes de transmitir ao supervisor do hotel a denúncia de que havia sido sexualmente atacada.

"Entendo que as circunstâncias desse caso mudaram substancialmente e concordo que o risco de que ele não compareça aqui diminuiu consideravelmente", disse o juiz Michael Obus, destacando, no entanto, que "o caso não está encerrado". Strauss-Kahn deixou o tribunal sorrindo, ao lado da mulher, Anne Sinclair, mas as acusações por crimes sexuais abertas contra ele não foram abandonadas. Seu passaporte continua retido e ele não pode deixar os EUA por enquanto. Ele tem que comparecer em audiência no próximo dia 18.

Estupro A camareira, inicialmente, disse aos promotores e ao júri do caso que deixou o quarto onde estava o francês, foi para o hall do hotel, esperou que ele saísse e informou seu supervisor sobre o que tinha acontecido. "A autora, desde então, admitiu que esse relato era falso. Que depois do incidente na suíte 2806, ela foi limpar um quarto próximo, antes de reportar o incidente ao supervisor", diz a carta enviada aos advogados de Strauss-Kahn.

A defesa do ex-diretor do FMI vai pedir a desconsideração de todas as acusações apresentadas contra seu cliente e o arquivamento do processo. Já o advogado de Nafissatou Diallo ¿ a camareira de 32 anos da República da Guiné que acusa o francês ¿ criticou a Justiça. "A vítima pode ter cometido alguns erros, mas isso não significa que ela não seja uma vítima de estupro", afirmou Kenneth Thompson, ao deixar o tribunal. "Ela nunca mudou nem uma única coisa sobre o relato. O promotor do distrito sabe disso. Foi verdade no dia em que aconteceu. É verdade hoje", disse. Thompson referiu-se a Cyrus Vance, promotor de Nova York que chefia as investigações.

Em um breve pronunciamento à imprensa ontem, Vance não citou o falso testemunho. Ele disse que a decisão do júri de abrir o caso contra Strauss-Kahn foi tomada há seis semanas, com base em evidências forenses e no relato da testemunha. A promotoria, então, continuou investigando o caso e levantou suspeitas sobre a credibilidade da vítima. Como a prisão domiciliar sob fiança de US$ 1 milhão (além do depósito de garantias de US$ 5 milhões) foi baseada nos relatos anteriores, a Promotoria decidiu pela libertação de Strauss-Kahn. "A investigação continua até conseguirmos todas as provas relevantes. Nosso comprometimento é com a verdade, e isso determina como procederemos", disse Vance.

A notícia de que o processo contra Strauss-Kahn pode cair por terra atingiu a França como um raio fulminante, suscitando a perspectiva do retorno dele à política francesa, embora, provavelmente, não haja tempo para a corrida presidencial de 2012.

O Partido Socialista, que desde a perda repentina de seu candidato favorito vem se esforçando para apresentar um plano B com o intuito de derrotar o conservador presidente Nicolas Sarkozy, ficou empolgado com a reviravolta.

"Nosso país precisa de Dominique Strauss-Kahn. Essa é uma virada estarrecedora para nosso partido e nosso país", disse o deputado socialista Jean-Marie Le Guen. Ele ressaltou que o francês será um ator chave nos próximos meses. "Ele era popular entre os eleitores da centro-esquerda, visto como modernizador e economicamente competente", frisou.

Pontos de interrogação O Departamento de Estado norte-americano assegurou que o caso de Dominique Strauss-Kahn não afetará as relações entre Washington e Paris e que o ex-diretor do FMI está tendo um processo justo. Questionado se os EUA temem que as relações com a França possam ser afetadas pela reviravolta do caso, o porta-voz do Departamento de Estado, Mark Toner, respondeu: "Absolutamente. Trata-se de um indivíduo que está sendo alvo de um processo justo", completou. Analistas políticos afirmaram que, mesmo que Strauss-Kahn seja inocentado da acusação de estupro e goze de uma onda de simpatia, a mácula causada a sua imagem pode durar meses, de modo que não é claro até que ponto ele poderia reforçar a esquerda na eleição francesa. "Sempre haverá pontos de interrogação pairando sobre ele", disse Gerald Bronner, professor de sociologia da Universidade de Estrasburgo, que fica no leste na França.