Título: Pequenos temem a invasão da vizinhança
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 02/07/2011, Economia, p. 16

Redes de bairro assistem, preocupadas, à proposta de compra do Carrefour pelo Pão de Açúcar. Há risco de concorrência desleal

A possível fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour assombra não só os integrantes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ¿ responsável por aprovar o negócio. As pequenas redes de supermercado também estão de cabelo em pé.

Até o momento, o receio não se deve apenas ao fator preço, mas a possibilidade de a empresa que nascer dessa união decidir expandir o segmento mercado de bairro, no qual os varejistas de menor porte fizeram fortuna nos últimos anos ¿ sucesso esse que se deve principalmente a uma mudança no perfil do consumidor.

O baixo nível de inflação, comparado ao dos anos 1990, fez o país trocar as compras de estoque pelas de conveniência e, para não perder esse nicho, os pequenos não quererem um gigante como vizinho.

A compra de bairro se tornou tão poderosa nos últimos anos que, atualmente, segundo levantamento da consultoria Kantar Worldpanel, 18,6% dos gastos das famílias são realizados nesse segmento. Não à toa, as duas maiores varejistas do país apostaram no ramo e lançaram as redes Pão de Açúcar Bairro e Carrefour Bairro. Ainda assim, como operam separadas, não dominaram esse mercado. "Nosso foco é diferente do dois gigantes. Somos uma rede regional com foco no supermercado de vizinhança. A fusão deles só vai passar a preocupar caso eles resolvam expandir esse segmento e caso eles comecem a operar próximo das nossas unidades", observou Alécio Júnior Martins, gerente do mercado Caíque, empresa que tem cinco lojas na periferia do Distrito Federal.

Amarildo José Cizilio, gerente da rede Tatico, que tem cinco lojas no DF e três em Goiás, avaliou que, por enquanto, essa união não preocupa. "Tanto Carrefour quanto Pão de Açúcar trabalham com o modelo de hipermercado que, hoje, se parece muito mais com um shopping do que com outro ramo. Lá se compra de roupa a eletrodoméstico. Nós operamos o modelo tradicional de mercado e fazemos isso muito bem", argumentou. Ainda assim, o medo dele é o mesmo do de outros supermercadistas: ter como vizinha a empresa que surgirá da fusão. "Que eles continuem bem longe da gente", disse em tom de brincadeira.

Poder de fogo Na avaliação de Fábio Gallo Garcia, professor de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), até hoje nenhuma dessas grandes redes conseguiu acabar com a mercado regional e as lojas de bairro. Com a possibilidade de fusão, essa perspectiva não muda. "Entretanto, eles terão um poder de fogo muito grande para com os fornecedores. Vão dominar 33% do mercado nacional e, no caso da concorrência, se eles cismarem de quebrar alguém, terão plena capacidade disso", alertou.

Os pequenos, porém, parecem estar confiantes. Givanildo de Aguiar, gerente na rede Veneza, fez cálculos para tentar ponderar as vantagens e as desvantagens desse negócio entre Carrefour e Pão de Açúcar para a empresa na qual trabalha. Para ele, a intensa guerra entre os dois, no qual ambos cobriam qualquer oferta da concorrência, chegará ao fim. "A disputa entre eles era prejudicial para o restante dos comércio", explicou. "Antes, eu tinha dois concorrentes. Com eles se unindo, passarei a ter apenas um."

Dados da Kantar Worldpanel, entretanto, mostram que as redes regionais têm motivos para se preocuparem. Nos últimos anos, o segmento de bairro se tornou mais interessante financeiramente do que as lojas hiper e, apenas em casos específicos, a expansão do Pão de Açúcar e Carrefour deve ocorrer no formato de maior porte. Isso porque o brasileiro não tem fidelidade a uma única loja. Dos entrevistados pela consultoria em varejo, 74% disseram comprar em, no mínimo, três pontos de vendas diferentes.

O hipermercado também possuí baixo nível de retenção de clientes: 23% voltam e só 6% são fieis a uma única marca. O mercado de bairro, em contraponto, é o único que consegue taxa expressiva de fidelização.