Indústria está superestocada, apesar dos ajustes já feitos

Valor Econômico - 11/12/2014

Arícia Martins

Plano de demissões voluntárias, redução de jornada e flexibilização de benefícios. A fabricante de veículos comerciais MAN tem tentado fazer ajustes para poupar empregos e sustentar o plano de investimentos de R$ 1 bilhão iniciado em 2012 e previsto para ir até 2016, mas, ainda assim, num ano que surpreendeu a empresa de forma negativa pelas baixas vendas, está com estoques bastante elevados. A situação da empresa revela o que vive boa parte do setor industrial do país, cujo período de ajustes, com demissões e fraco ritmo de produção, ainda não foi suficiente para reduzir os estoques, que seguem expressivos.

Na média de outubro e novembro, 7 dos 14 ramos industriais pesquisados pela Fundação Getulio Vargas (FGV) na Sondagem Conjuntural da Indústria de Transformação apontaram um volume acima do normal de mercadorias paradas. O quadro é mais preocupante nas categorias de bens de capital e de bens duráveis, nas quais a fatia de empresários que considera o volume de estoques como excessivo ficou em 26,6% e 44,8% em novembro, respectivamente, acima da parcela de 13,3% na média de todos os gêneros industriais. Esses dois setores vêm indicando mercadorias paradas em excesso desde o segundo semestre de 2013.

No total da indústria de transformação, a diferença entre a proporção de empresas com estoques excessivos e insuficientes diminuiu no período, de 14,5 pontos percentuais em outubro para 11,6 pontos no mês passado. Mesmo com essa redução, no entanto, o setor manufatureiro segue superestocado no conceito da FGV, que avalia os inventários como fora da normalidade quando esse diferencial supera dez pontos.

Segundo Aloisio Campelo Jr., superintendente-adjunto de ciclos econômicos da FGV, houve reequilíbrio nos segmentos de bens intermediários e bens de consumo não duráveis. Os ramos industriais que dependem mais da confiança e dos juros, no entanto, continuam com acúmulo de estoques, o que deve segurar a produção ao menos até o primeiro trimestre de 2015.

A piora em bens duráveis foi puxada principalmente pelo setor de material de transporte, cujo indicador de estoques é o maior entre todos os ramos industriais (143,9 pontos). O dado ruim está em linha com os números da Anfavea. De acordo com a entidade que reúne as montadoras, 414,3 mil veículos estavam parados nos pátios em novembro, quantidade equivalente a 42 dias de vendas.

"Nos bens duráveis, há um cenário de dificuldade para que o setor consiga reequilibrar seus estoques", avalia Campelo, devido a uma série de fatores, como a maior cautela do consumidor, a possibilidade de retirada dos descontos no IPI dos carros na virada do ano e, do lado do governo, a sinalização de que os juros devem continuar subindo e de que a política fiscal não será anticíclica em 2015.

Para Thovan Caetano, da LCA Consultores, além da fraqueza doméstica, o setor externo também explica o maior acúmulo de estoques do setor automobilístico. Caetano diz que, de janeiro a outubro deste ano em relação a igual período do ano passado, o volume exportado de veículos de passageiros caiu 40,6%. Já o de veículos de carga diminuiu 25%, enquanto as vendas externas de tratores encolheram 15,5%. "Tanto a demanda interna como a externa estão em nível decepcionante", afirma ele.

Este cenário atinge empresas como a MAN. O presidente empresa, Roberto Cortes, afirmou, em entrevista ao Valor no início deste mês que os ajustes de produção feitos até agora não foram suficientes para normalizar os estoques A fabricante de veículos comerciais da marca Volkswagen trabalha com um giro de vendas de 45 dias quando o normal seria um giro de 25 dias. De acordo com o executivo, o volume de estoques pode aumentar ainda mais se o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), do BNDES, que financia máquinas e caminhões a juros atrativos, não for renovado.

No segmento de máquinas e equipamentos, muitas indústrias trabalham sob encomenda, o que não impediu que estoques fossem acumulados nos distribuidores. É o que relata Edgard Dutra, diretor da Metalplan, fabricante de compressores de ar.

"Não tenho esse problema, mas meus distribuidores estão com estoques cheios. Antes compravam 40 compressores de uma vez e isso não está mais acontecendo", afirma Dutra, que está com a carteira de pedidos baixa devido à situação do varejo. Segundo o empresário, mesmo aqueles que conseguiram reequilibrar o nível de inventários não estão fazendo novas encomendas, porque temem ficar superestocados novamente.

Outro setor relacionado aos investimentos em capital fixo que relatou estoques acima do normal em novembro foi o de material de construção. Segundo a sondagem da FGV, o percentual de empresários do segmento que avalia o nível atual de inventários como excessivo saltou para 15,5% no mês, ante 4,8% em outubro. Para Walter Cover, presidente da Abramat, que reúne as indústrias do setor, a frustração com a demanda está por trás do dado. No início do ano, a expectativa era de alta de 4% do faturamento em 2014. Hoje, a estimativa é de queda de 5%.

"As empresas acreditaram que o ano seria bom e mantiveram seu nível de produção. A partir de junho, percebemos que o ano seria ruim, e os estoques foram aumentando", diz Cover, para quem pode haver uma redução do nível de mercadorias paradas em dezembro, com a aceleração das vendas do varejo, influenciadas pelas reformas dos imóveis no fim de ano.

Para a LCA, o PIB da construção civil vai cair 4,6% em 2014, e recuar novamente em 2015 (-1,7%), cenário relacionado ao enfraquecimento da demanda. Caetano nota que, no segmento de minerais não metálicos, que engloba insumos como cimento e areia, há 21 pontos a mais de empresas superestocadas do que com estoques insuficientes.

Neste ano, diz, esse setor foi prejudicado pela desaceleração do mercado imobiliário, com menor ritmo de vendas, lançamentos e financiamentos habitacionais. Em 2015, a expectativa é que o ajuste fiscal a ser implementado pelo governo tenha impacto negativo sobre os investimentos públicos.

De forma geral, Caetano avalia que os estoques vão "atrapalhar bastante" a recuperação da indústria em 2015, sobretudo no começo do ano, dado que o setor manufatureiro está enfrentando estoques altos há um período longo e de forma mais disseminada. "Muito provavelmente teremos um resultado ruim da indústria no primeiro trimestre."

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Indústria mantém estoque elevado e adia investimento

Valor Econômico - 11/12/2014

Arícia Martins

O período de ajustes que a indústria brasileira atravessa, com demissões, concessão de férias coletivas e fraco ritmo de produção, ainda não foi suficiente para reduzir os estoques para níveis que estimulem as fábricas a voltar a investir na produção. Na média de outubro e novembro, metade dos 14 ramos industriais pesquisados pela Fundação Getulio Vargas (FGV) na Sondagem Conjuntural da Indústria apontaram estoques acima do normal.

O quadro é mais preocupante nas categorias de bens de capital e duráveis. A parcela de empresários que considera excessivo o volume de estoques chegou, no mês passado, a 26,6% e 44,8%, respectivamente. O excesso vem sendo registrado desde o segundo semestre de 2013. Apenas 13,3% dos executivos dos outros ramos industriais acreditam que seus estoques estejam elevados.
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No total da indústria de transformação, a diferença entre a proporção de empresas com estoques excessivos e insuficientes diminuiu de 14,5 pontos percentuais em outubro para 11,6 pontos no mês passado. Mesmo assim, o setor manufatureiro segue superestocado no conceito da FGV, que considera os inventários fora da normalidade quando esse diferencial supera dez pontos.

Segundo Aloisio Campelo Jr., superintendente-adjunto de ciclos econômicos da FGV, houve reequilíbrio nos segmentos de bens intermediários e não duráveis. No entanto, os ramos industriais que dependem mais da confiança e da taxa de juros continuam com acúmulo significativo de estoques, o que deve segurar a produção ao menos durante o primeiro trimestre de 2015.

A piora em bens duráveis foi puxada principalmente pelo setor de material de transporte, cujo indicador de estoques é o maior entre todos os gêneros industriais (143,9 pontos). O dado ruim está em linha com os números da Anfavea. De acordo com a entidade que representa as montadoras, 414,3 mil veículos estavam parados nos pátios em novembro, quantidade equivalente a 42 dias de vendas.

"Nos bens duráveis há um cenário de dificuldade para que o setor consiga reequilibrar seus estoques", diz Campelo, citando fatores como uma maior cautela do consumidor, a retirada dos descontos do IPI dos carros na virada do ano e a sinalização de que os juros continuarão subindo e a política fiscal não será anticíclica no próximo ano.

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Emprego no setor piora e atinge 37ª queda mensal seguida

Valor Econômico - 11/12/2014

Camilla Veras Mota e Alessandra Saraiva

O emprego industrial deu sinais adicionais de piora em outubro. A ocupação recuou pelo 37º mês seguido na comparação com o mesmo período do ano anterior - 4,4%, a mais intensa queda desde outubro de 2009 -, acumulando perda de 3% no ano. Houve redução das horas pagas e, pelo terceiro mês consecutivo, a folha registrou resultado negativo no acumulado em 12 meses. Para economistas, a recuperação do indicador depende da retomada consistente da produção, descartada neste ano e ainda bastante incerta para 2015.

A retração da folha de pagamento real, mostrada pela Pesquisa Industrial Mensal de Emprego e Salário (Pimes), se aprofundou em relação ao observado nos dois meses anteriores e registrou recuo de 0,8%. Antes disso, a variável só havia entrado em terreno negativo na análise em 12 meses - que consegue diminuir os efeitos das oscilações de curto prazo - entre setembro de 2009 e junho de 2010.

Diante do desempenho negativo da produção neste ano, contudo, a redução de custos decorrente do corte de pessoal não é motivo de muita comemoração, afirma Rogério César de Souza, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Além de ser reflexo do ritmo fraco de novos pedidos feitos ao setor, a queda tem impacto direto no consumo. "Já é possível ver os efeitos da crise da indústria na demanda de setores como serviços e comércio", diz.

Também devido à queda forte da produção industrial - 3% até outubro - as demissões não foram suficientes para elevar de maneira significativa a produtividade, que acumula alta de 0,6% no mesmo período.

Para Souza, a produção deve crescer no próximo ano, mas em boa parte por efeito estatístico, dado o quadro negativo em 2014. A política econômica que será inaugurada a partir de janeiro, afirma, pode ter efeito positivo sobre as expectativas e sobre a confiança - o que beneficiaria o setor. Um ajuste fiscal duro, entretanto, pode diminuir o investimento público, enquanto um novo ciclo de aperto monetário pode encarecer o custo do investimento privado. "O cenário para a indústria no próximo ano ainda está muito em aberto".

As perspectivas de investimento só devem ficar mais claras quando a nova equipe sinalizar as prioridades e as primeiras políticas, acrescenta Jorge Jatobá, diretor da consultoria Ceplan. "O clima segue sendo de incerteza. As sondagens industriais ainda não mostram empresários otimistas no curto prazo", pontua. Para ele, a recuperação da indústria passa por medidas que ataquem suas deficiências estruturais, em especial na área de inovação, e pelo realinhamento dos salários, que têm crescimento em ritmo bastante superior ao da produtividade nos últimos anos.

Os dissídios do próximo ano devem fazer parte desse trabalho - já que será difícil negociar aumentos reais maiores do que os concedidos neste ano, avalia -, mas seria necessária ainda uma revisão da política de reajuste do salário mínimo, que levasse em conta os ganhos de produtividade.

Se a retomada das contratações no próximo ano ainda é bastante incerta, as horas pagas, importante indicador antecedente do emprego, também não dão boa sinalização para o curto prazo. Em outubro, elas caíram 5% sobre o mesmo período do ano anterior e 0,8% em relação a setembro.

André Macedo, gerente da coordenação de indústria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), chama atenção para recuo de 5,9% das horas pagas em São Paulo, ante outubro de 2013 - o mais forte desde o início da série histórica, em 2001. Dada a importância da indústria paulista, que responde por cerca de 35% do total do emprego industrial brasileiro e por cerca de 40% da produção, o dado acende um "sinal de alerta".

As dificuldades do ramo automotivo, ainda bastante concentrado no Estado, afirma, influenciaram o resultado, mas o cenário negativo vai além desse segmento. Na comparação com outubro de 2013, o emprego industrial caiu em todos os 14 locais pesquisados pelo IBGE e em 16 dos 18 segmentos investigados.