A turma do 'sangue nos olhos' conclui denúncia

Valor Econômico - 11/12/2014

Letícia Casado e André Guilherme Vieira

Eles têm entre 28 e 50 anos, são pós-graduados em universidades americanas e europeias, estudiosos da operação Mãos Limpas, que desarticulou a máfia italiana no começo dos anos 90 e atuaram juntos em casos como o Banestado e o mensalão. Os nove procuradores da Operação Lava-Jato fizeram uso inédito das delações premiadas na obtenção de provas para a denúncia a ser oferecida contra aquela que é apresentada como a maior organização criminosa de agentes públicos e privados já desbaratada no país.

Nas últimas semanas, os nove procuradores da operação Lava-Jato chegaram trabalharam 14 horas por dia para concluir a denúncia formal - pedido de abertura do processo criminal da operação Lava-Jato. Trabalharam sob o desafio de produzir provas mais concretas do que aquelas que levaram à anulação da operação Castelo de Areia, em 2009.

Pelo menos 20 executivos de grandes empreiteiras do país deverão ser denunciados por crimes de formação de cartel, fraude à licitações, corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, falsificação de documentos e outros delitos relacionados a suposto esquema de corrupção na Petrobras.

Se o juiz Sergio Moro, titular da 13ª Vara Criminal da Justiça Federal do Paraná, aceitar a denúncia, os executivos, além do doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, se tornarão réus.

Carlos Fernando dos Santos Lima, 50, é considerado por advogados de defesa como "o cérebro" por trás dos acordos de delação premiada. É a maior autoridade em colaboração jurídica internacional da equipe. É vice-secretário de cooperação jurídica internacional da procuradoria geral da República. Especialista em compliance, crimes do colarinho branco e colaboração premiada, fez mestrado em Cornell, nos Estados Unidos.

Comunicativo, moveu as peças da investigação de modo a dar um "xeque-mate" reconhecido até por defensores dos investigados, que o classificam de "duro na queda". É especialista em delação premiada. "Negociar com ele é quase impossível", diz um advogado que representa uma das empreiteiras. "Ele ouve com muita atenção, deixa todo mundo falar. E no fim, diz não."

Foi Carlos Fernando quem disse não a advogados da Odebrecht, Camargo Corrêa, OAS e a outras duas grandes empreiteiras, na véspera da deflagração da 7ª fase da Lava-Jato, uma quinta-feira, dia 13 de novembro. Eles propuseram pagar até R$ 1,2 bilhão em troca do encerramento das investigações e a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPF. Carlos Fernando considerou a proposta "imoral".

Para os criminalistas que frequentam a sede da PF em Curitiba, onde estão presos os executivos e outros envolvivos na operação Lava-Jato, esta é a "a turma 'sangue nos olhos'"; é assim que eles definem os procuradores da força-tarefa. Já foram chamados também de "Cavaleiros do Apocalipse".

Deltan Dallagnol, 34, procurador da República, é o coordenador da força-tarefa. Concluiu mestrado em Harvard, nos Estados Unidos, sobre teoria da prova e colaboração premiada. É especialista em cooperação internacional.

O procurador regional Antonio Carlos Welter, 46, é Procurador Regional da República lotado na 4ª Região. É especializado na repressão aos crimes contra o sistema financeiro e corrupção organizada. Morou em Portugal, onde estudou mestrado em direito com ênfase em ciências jurídico-criminais na Universidade de Coimbra.

O procurador da República Roberson Henrique Pozzobon, 30, é mestre em direito econômico e desenvolvimento e especialista em direito público. Atua na Procuradoria da República de Guarapuava (PR).

Os procuradores têm experiência no combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado, e estão ligados pela Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), onde lecionam e palestram.

O trabalho "Manual de Atuação das Forças-Tarefas", publicado pela ESMPU em 2011, traduz um pouco essa ligação. Foi coordenado por Januário Paludo e preparado por Carlos Fernando - ambos na Lava-Jato - e pelo secretário de cooperação internacional da Procuradoria Geral da República, Vladimir Aras.

A lista de agradecimentos da publicação inclui Dallagnol e Martello, também na Lava-Jato. Os quatro procuradores atuaram juntos na força-tarefa do caso do Banco do Estado do Paraná (Banestado), entre 2003 e 2006. A investigação, segundo o Ministério Público Federal (MPF), apurou o envio de mais de U$ 30 bilhões remetidos ilegalmente ao exterior entre 1996 e 2002 via agência do Banestado em Foz do Iguaçu.

A investigação, que resultou em mais de dois mil inquéritos policiais, virou tema de estudo de caso no trabalho da ESMPU. Na publicação, os procuradores agradecem também ao juiz Sergio Moro, que julgou o caso Banestado e hoje é titular das ações penais da Lava-Jato.

O manual das forças-tarefas inspira-se em congêneres americanas: "Segundo o Agente Especial do FBI James Casey, o elemento crítico de uma força-tarefa é a sua composição. É essencial que existam membros com diferentes habilidades e um acompanhamento constante das atividades do grupo, com coordenação administrativa e operacional, levantamento estatístico e verificação de resultados".

A composição da força-tarefa da Lava-Jato seguiu à risca as recomendações do agente do FBI. Há especialistas em diferentes áreas: tributária, criminal, lavagem de dinheiro, atividade policial e judicialização da política, por exemplo.

Do grupo de nove procuradores, quatro atuam no segundo grau da Justiça, perante Tribunais Regionais Federais: Carlos Fernando dos Santos Lima, Orlando Martello Júnior, Januário Paludo e Antonio Carlos Welter.

Um quinto, Athayde Ribeiro Costa, 34, está na Procuradoria da República no Espírito Santo. Foi procurador-chefe da procuradoria da República no Amazonas. É especialista em improbidade administrativa, assim como Paulo Roberto Galvão.

Galvão, 36, atua no Distrito Federal e é integrante do Núcleo de Combate à Corrupção do MPF no DF (matéria criminal e improbidade administrativa). Tem mestrado em direito na London School of Economics, na Inglaterra. Foi responsável por parte da acusação na esfera civil no processo do mensalão. Denunciou por peculato e improbidade administrativa o ex-deputado federal Pedro Henry Neto, acusado de nomear funcionário na liderança do PP para prestar serviços pessoais. Henry foi citado na Lava-Jato como um dos parlamentares que teriam recebido dinheiro vivo de Youssef em Brasília.

Paulo Roberto Galvão e Athayde Ribeiro Costa integraram o Grupo de Trabalho da Copa e receberam o Prêmio Innovare em 2012.

Orlando Martello, 42, é especialista no combate ao crime organizado, direito tributário e tem larga experiência na cooperação penal internacional. Atuou em todos os grandes casos desde o Banestado. É mestre pela FGV em gestão e políticas públicas.

Januário Paludo, 49, é especialista na repressão ao crime organizado e fez mestrado em direito do estado na Universidade de São Paulo (USP).

O mais novo do grupo, com 28 anos, Diogo Castor de Mattos atua na Justiça Federal de primeira instância de Jacarezinho (PR) e cursa mestrado em lavagem de dinheiro e crimes do colarinho branco.

"(...) Os resultados alcançados por uma força-tarefa costumam ser mais significativos que a atuação exclusiva de uma determinada instituição ou que a atuação isolada de um de seus membros", diz o manual.

Em artigo publicado no jornal 'Folha de S.Paulo' na semana passada, Carlos Fernando e Diogo De Mattos defendem a delação premiada: "É a técnica investigativa de melhor resultado na revelação de crimes do colarinho branco, engendrados em restaurantes sofisticados, em festas milionárias, e ocultos sob camadas de manobras contábeis aparentemente legais".

Um advogado que atua em processo da Lava-Jato parece concordar com o que eles escreveram: "A delação, muito usual nos Estados Unidos, é algo relativamente novo no Brasil. Não trabalho com delator, mas tenho de reconhecer que, neste caso, os procuradores estão sendo muito felizes".

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Dilma é cobrada em posse no TCU

Valor Econômico - 11/12/2014

Murillo Camarotto, Daniel Rittner e Bruno Peres

A presidente Dilma Rousseff ouviu elogios e cobranças durante a solenidade de posse do novo presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), realizada ontem, em Brasília. Em seu discurso, o novo comandante do órgão, ministro Aroldo Cedraz, disse ter plena confiança nos valores éticos da mandatária, mas fez críticas ao elevado custo e a baixa qualidade das obras públicas feitas no país. Já seu antecessor no cargo, o ministro Augusto Nardes aproveitou a presença de Dilma para cobrar pessoalmente apoio da presidente para a alteração do regime simplificado de licitações autorizado à Petrobras.

Nardes vem se movimentando há algum tempo para tentar mudar o modelo, estabelecido em 1998, que permite à estatal petrolífera fazer contratações sem atender às exigências da Lei de Licitações (8.666/93). Em almoço com jornalistas, no mês passado, o ministro disse que o regime simplificado pode estar por trás de boa parte das irregularidades que vieram à tona na empresa. O pedido à Dilma foi feito sob os olhares do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que também já foi procurado por Nardes para tratar do tema.

Após cobrar a participação da presidente, Nardes disse que Dilma sempre foi "muito receptiva" aos pleitos do TCU. Pediu ainda, que ela lidere um processo de "conciliação da nação", baseado na implementação de três pactos: maior governança na gestão pública, pacto federativo com reforma tributária e pacto político que torne o país mais "administrável". A presidente apenas observou. Depois do discurso, foi abraçada por Nardes e deixou o plenário sem se pronunciar.

A polêmica em torno das contratações da Petrobras se arrasta há anos na Justiça. O Decreto 2.745/98, assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, já foi questionado várias vezes pelo TCU, mas a estatal conseguiu manter o modelo simplificado por meio de mandados de segurança impetrados no Supremo. A decisão do mérito, entretanto, ainda não foi discutida no STF, motivo pelo qual Nardes tem procurado os ministros.

Aroldo Cedraz comandará o TCU no biênio 2015-2016. Em seu discurso de posse, ele disse que o órgão de controle se empenhará em "agir preventiva e tempestivamente" contra o uso indevido de recursos públicos. "Depois de ocorridos os prejuízos, nem sempre eles poderão ser reparados", afirmou o ministro, que tem 63 anos e chegou ao tribunal em janeiro de 2007, indicado pela Câmara dos Deputados.

"Vivemos uma nova era da responsabilidade administrativa", disse Cedraz, sem fazer qualquer menção aos escândalos recentes de corrupção. Ele comentou ainda que "causa perplexidade" a comparação entre os custos de obras realizadas com recursos públicos e a qualidade com que têm sido executadas.

Escalado para falar em nome dos demais ministros do TCU, Bruno Dantas - que chegou ao tribunal por indicação do presidente do Senado, Renan Calheiros - também não fez referências diretas à Petrobras, mas disse que "a honestidade é requisito básico para qualquer agente público e não um supérfluo passível de exaltação".

A posse de Cedraz foi prestigiada por muitas autoridades, que lotaram o auditório do TCU. Além de Dilma e Lewandowski, participaram ministros da atual e da próxima gestão, governadores, prefeitos de capitais e vários parlamentares do governo e da oposição, além do ministro da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, e do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams.

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CPI faz relatório final sem indiciamentos

Valor Econômico - 11/12/2014

Cristiano Zaia

O relatório final da CPI Mista da Petrobras, apresentado ontem pelo deputado Marco Maia (PT-RS), não pede o indiciamento de nenhuma pessoa pelas irregularidades na Petrobras investigadas no âmbito da Operação Lava-Jato. O parecer ainda precisa ser votado pelos parlamentares que integram a comissão e essa apreciação foi agendada para quarta-feira, mas a oposição já criticou o documento e antecipou que buscará a instalação de outra Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o mesmo tema no ano que vem.

Maia argumentou que teve a intenção de pedir o indiciamento de várias pessoas já indiciadas pela Polícia Federal, mas na redação de seu parecer usou o termo "a CPMI corrobora os indiciamentos". Em relação a outros citados nas investigações da Polícia Federal, Ministério Público e demais órgãos de controle, o relator sugeriu o aprofundamento das apurações. Ele alegou que há falta de provas suficientes, como no caso do ex-diretor da área internacional da Petrobras, Nestor Cerveró.

"Não quis cair no ridículo de indiciar quem já havia sido indiciado, como é o caso do Paulo Roberto Costa [ex-diretor de Abastecimento e Refino da Petrobras]", argumentou, acrescentando que pode corrigir o texto do relatório para deixar claro que ele pediu o indiciamento pelo menos das pessoas já denunciadas pela PF e pelo Ministério Público Federal. "Esse não é um relatório chapa-branca. Levantamos inclusive o sobrepreço de R$ 4 milhões em obras da refinaria Abreu e Lima."

A CPI analisou, por exemplo, denúncias referentes à refinaria Abreu e Lima, à compra da refinaria de Pasadena pela estatal nos Estados Unidos e suposto esquema de pagamento de propinas por empreiteiras a funcionários da companhia. O relator recomendou mais transparência a órgãos como a Agência Nacional de Petróleo (ANP) e o Ministério do Trabalho. Fez ainda sugestões ao TCU e à CGU quanto a melhorias nos processos de controle, auditoria e monitoramento de empresas estatais. Maia também apresentou um projeto de lei que estabelece o estatuto jurídico das empresas estatais, que prevê práticas de governança e códigos de conduta já adotados pelo setor privado.

O parecer pede a investigação mais aprofundada de 47 "agentes privados" envolvidos nas denúncias, como o doleiro Alberto Youssef e executivos de construtoras como OAS, Mendes Júnior, Galvão Engenharia e Camargo Corrêa. O relatório dá o mesmo tratamento a cinco "agentes da Petrobras": Nestor Cerveró, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco Filho (ex-gerente executivo de Serviços e Engenharia da Petrobras), Renato Duque (ex-diretor de Serviços e Engenharia da estatal) e Silas Oliva (ex-gerente de comunicação da estatal).

A oposição criticou o texto e até defendeu que a presidente Dilma Rousseff deveria ser responsabilizada pela CPI Mista. "O termo correto não seria responsabilização dos envolvidos, e sim indiciamento. Toda a cadeia de corrupção já identificada precisa ser indiciada", afirmou o líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho (PE).

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Fórum de Davos exclui Petrobras

Valor Econômico - 11/12/2014

Assis Moreira

A Petrobras não é mais signatária da Iniciativa Contra Corrupção, do Fórum Econômico Mundial, e isso ocorre como uma das consequências do escândalo de corrupção que atinge a petroleira brasileira.

Em entrevista ao Valor na semana passada, o fundador do Fórum, Klaus Schwab, foi indagado se a Petrobras continuava sendo uma das 200 companhias internacionais que integram a iniciativa de Davos. Sua resposta foi de que "não estamos na situação de ser ativos de nosso lado, por causa de acusações que não se tornaram caso legal".

Mas hoje o Fórum informou ao Valor PRO que na verdade a Petrobras não é mais integrante da chamada Iniciativa de Parceria Contra a Corrupção (Partnering Against Corruption Initiative), que combate corrupção, requer transparência nas operações e trata de riscos em mercados emergentes.

O que aconteceu é que todos os participantes foram convocados a renovar até maio a assinatura e portanto os compromissos da iniciativa. A Petrobras não fez isso no prazo e ainda assim o Fórum de Davos esperou a reação da companhia até setembro, sem sucesso.

Mas em outubro, quando o escândalo de corrupção na Petrobras aumentava de dimensão, a companhia enfim procurou o Fórum dizendo que gostaria enfim de renovar sua assinatura na Iniciativa Anticorrupção.

Dessa vez, porém, foi o próprio Fórum que disse que, com o escândalo no Brasil, não havia espaço para assinar mais, sinalizando que preferia esperar o desenvolvimento da situação no Brasil.

A postura e o esclarecimento do Fórum são mais um golpe para a imagem da Petrobras no exterior. Isso ocorre apesar de a companhia brasileira ser uma das "parceiras estratégicas" do Fórum de Davos, o encontro anual da elite econômica e política do planeta, para o qual paga US$ 510 mil (R$ 1,3 milhão).

No momento a empresa continua como parceira de Davos. Mas não registrou até agora nenhum diretor para participar do encontro de 2015, na terceira semana de janeiro, nos Alpes suíços.