Desde tempos imemoráveis, a vida quase não mudou nesse recanto acidentado dos Andes, onde homens trabalham nas plantações de batata e mulheres tricotam os ponchos de lã necessários nas noites frias dessas montanhas, 3.500 metros acima do nível do mar.

Mas uma revolução energética chegou aqui, permitindo que os camponeses captem no céu brilhante da serra peruana a energia solar usada para eletrificar suas pequenas casas de adobe.

“Isso mudou nosso estilo de vida”, diz José Tello, cuja casa recebeu energia pela primeira vez em agosto. “É bem melhor que as velas que nós usávamos. Você enxerga muito mais.”

Espalhados por todo o remoto Estado de Cajamarca, 3.900 lares receberam painéis solares, um modelo do programa de eletrificação rural do presidente Ollanta Humala, que até 2018 pretende beneficiar dois milhões de pessoas em 500 mil moradias de vilarejos isolados por todo o altiplano andino e a floresta amazônica. Cerca de 35% da população rural do Peru não tem eletricidade.

O programa ganha destaque agora que o Peru está sediando a conferência do clima patrocinada pelas Nações Unidas nesta semana, em Lima. A energia solar é uma das fontes de energia renovável que as autoridades de cerca de 200 países estão promovendo para ajudar a reduzir as emissões de gás carbônico.

Transformar o programa em realidade será difícil num país vasto e diversificado como o Peru, dizem especialistas em energia que estudaram os planos do governo.

Um obstáculo importante é a manutenção do equipamento em áreas de difícil acesso, como as densas florestas do sudeste do Peru ou os picos montanhosos no norte, diz Rafael Espinoza, diretor do centro de energia renovável da Universidade Nacional de Engenharia do Peru.

Espinoza diz que os painéis instalados na floresta amazônica precisariam de mais manutenção por causa da alta umidade e do calor, que tendem a reduzir sua eficiência e a vida útil das baterias.

“O projeto é muito ambicioso”, diz Espinoza. “O número de profissionais de que eles vão precisar é imenso.”

Também não está claro se o sistema de 100 watts de potência — suficiente para algumas lâmpadas, um carregador de celular, um rádio e uma televisão pequena — será suficiente.

Tello, que tem 29 anos, teve um painel solar instalado em seu teto de telhas vermelhas no início do ano. Ele disse que quer colocar outra lâmpada do lado de fora da entrada de sua casa, perto da qual pastam algumas vacas magras que fornecem o leite para a família.

“A eletricidade faz diferença”, diz Tello. “Nunca pensei sobre isso, mas no fim você pode ver como a tecnologia avança.”

Observadores do programa dizem que outro problema é convencer essas comunidades isoladas, que costumam desconfiar de forasteiros, a se inscrever e pagar por uma tecnologia que não conhecem.

Margarita Cueva, de 47 anos, agora tem algumas horas a mais de luz para fazer fios com a lã produzida por suas ovelhas. Ryan Dube/The Wall Street Journal

A tarefa não foi fácil em Cajamarca, cujos habitantes ficaram à margem do acelerado crescimento econômico do Peru nos últimos dez anos, apesar da proximidade de algumas das maiores minas de ouro da América do Sul, a maioria operadas por empresas estrangeiras. Um sinal da falta de confiança dos camponeses é a formação de grupos de vigilantes que julgam eles mesmos pequenos delitos, na ausência das instituições do governo.

“Foi muito difícil entrar nas comunidades”, diz Jessica Olivares, diretor da Acciona Microenergia Peru, organização sem fins lucrativos da Espanha que instalou painéis em 3.900 lares com empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento e cobra uma tarifa mensal de US$ 3,40. “E quando entramos, eles desconfiaram da tecnologia.”

Outros países, incluindo os Estados Unidos, estão prestando atenção ao experimento do Peru com energia solar. Em novembro, Stefan Selig, subsecretário do Departamento de Comércio dos EUA, viajou até Lima para se encontrar com o gabinete de Humala e discutir oportunidades de investimentos em energia solar e outras fontes renováveis para empresas americanas no Peru.

Selig diz que o mercado potencial de energia renovável peruano, amparado por um sol radiante e um governo receptivo, pode atingir US$ 13 bilhões até 2020, incluindo US$ 1,6 bilhão apenas em energia solar. “Embora seja um mercado novo, há oportunidades significativas”, diz ele.

A Acciona começou lentamente, instalando apenas alguns painéis produzidos na China em 2009. Em novembro, outra empresa, a italiana Ergon Peru, obteve um contrato de 15 anos para instalar e manter 500 mil painéis.

Margarita Cueva, de 47 anos, agora tem algumas horas a mais de luz para fazer fios com a lã produzida por suas ovelhas. Maria Huaccha Raico, de 32 anos, usa eletricidade para escutar notícias no rádio, e sua filha de dez anos faz a lição de casa à noite.

José Huaccha, de 50 anos, que não tem parentesco com Maria, agora pode carregar seu celular em sua casa em vez de fazer viagens semanais para a cidade vizinha, a uma hora de carro e três a pé, segundo ele.

Os novos usuários de painéis solares descobriram que o programa da Acciona — que é subsidiado pelas tarifas elétricas mais caras que o governo cobra em outras regiões do Peru — pode ser mais barato que as velas.

Como tesoureiro do vilarejo de Alto Quelluacocha, Huaccha é responsável pela coleta do pagamento mensal de 56 famílias.

“Às vezes, duas ou três famílias se esquecem de pagar”, diz ele. “Mas o restante paga em dia.”