Eleita com 51,6% dos votos válidos no final de outubro, a presidente Dilma Rousseff prometeu, em seu discurso da vitória, unificar os brasileiros a partir de 1º de janeiro. Mas está encontrando dificuldades para obter consensos nas escolhas para o próprio ministério. Além de enfrentar resistência na base de apoio e desagradar politicamente os mais diferentes setores, as opções escolhidas desconsideraram princípios, digamos, mais puros. O anúncio do início da semana veio com nomes enrolados no Supremo Tribunal Federal (STF) ou com passado nebuloso. O arranjo político encontrado por Dilma para enfrentar a crise, principalmente em decorrência dos desdobramentos da Operação Lava-Jato, ignorou até, por exemplo, a vida pregressa do novo ministro do Esporte, George Hilton, flagrado pela Polícia Federal, em 2005, com R$ 600 mil em espécie num jatinho particular fretado pela Igreja Universal do Reino de Deus. 

Contra o pastor licenciado George Hilton, ainda pesa o fato de ele ter omitido da Justiça Eleitoral propriedade numa empresa devedora da União. O senador Eduardo Braga, que vai assumir a pasta de Minas e Energia, é investigado pelo STF por suposto crime eleitoral quando governava o Amazonas. Kátia Abreu, que vai para a Agricultura, enfrentou resistência tanto do setor produtivo quanto dos movimentos sociais. Ela também responde no STF por ter utilizado o Brasão da República, um símbolo oficial, em documentos da entidade que preside, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil. O time dos encrencados com a Justiça ainda conta com Helder Barbalho, filho do senador Jader Barbalho. Ele responde a processos por improbidade administrativa na Justiça Federal do Pará por suspeita de desvio de recursos da Saúde, em 2005, quando era prefeito de Ananindeua. Em seis anos, o patrimônio do candidato derrotado ao governo do Pará aumentou 183%. 

O fato é que Dilma já foi criticada pela esquerda petista, pelo campo majoritário do PT, pelos ruralistas, pelos peemedebistas e até por uma parte do PCdoB, que ainda não entende por que a legenda perdeu o Ministério do Esporte. Aldo Rebelo, agora, será o ministro da Ciência e Tecnologia. A troca também é motivo de crítica. É o homem errado no lugar errado. Em 1994, Rebelo apresentou projeto de lei para proibir a "adoção, pelos órgãos públicos, de inovação tecnológica poupadora de mão de obra". Além disso, ele criticou, no passado, políticas de prevenção do aquecimento global, outra área de interesse do ministério. 

A presidente vai montando a equação ministerial, pensando mais nela e em seu governo do que nos aliados que a ajudaram a conquistar mais quatro anos de poder para o Palácio do Planalto. As primeiras queixas vêm, exatamente, do partido ao qual é filiada - o PT. Embora ainda não confirmado pela presidente, a indicação do deputado Pepe Vargas (RS) para a Secretaria de Relações Institucionais (SRI) tem desagrado o campo majoritário do partido, incluindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Os lulistas estão incomodados com o Planalto "dilmista" que se desenha. O chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, é mais próximo da presidente do que do antecessor. Miguel Rossetto, que assumirá a Secretaria-Geral no lugar de Gilberto Carvalho, foi coordenador-geral da campanha de reeleição de Dilma. E Vargas foi ministro do Desenvolvimento Agrário ao longo do primeiro mandato. 

Radicais 
"É uma sinalização clara da presidente à esquerda petista", disse o analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz. Para Toninho, até o possível deslocamento do ministro da SRI, Ricardo Berzoini, para o Ministério das Comunicações, seria um agrado às alas mais radicais do PT, já que ele teria força e disposição para conduzir o debate sobre regulação da mídia. "Tem outro sinal claro, só que para o CNB. Nos escândalos do mensalão e da Petrobras, não há ninguém da esquerda petista envolvido. Dilma quer blindar o Planalto de problemas", completou Toninho. 

A esquerda petista, contudo, já havia protestado fortemente contra as indicações de Kátia Abreu (PMDB-TO) para o Ministério da Agricultura e de Joaquim Levy, que ajudou o tucano Aécio Neves a elaborar o discurso econômico durante a campanha presidencial, para o Ministério da Fazenda. Um dos expoentes do grupo, Valter Pomar, fez um texto duro em seu blog avisando que não vai à posse de Dilma. "Há variadas doses de surpresa e decepção com o espaço ministerial ocupado por quadros conservadores, seja da direita oposicionista (como Levy), seja da ala direita da coligação que elegeu Dilma (como Kassab e Kátia Abreu)". E completou: "Desconheço o tamanho de cada grupo (elogios, críticas, ataques), mas uma coisa é certa: se entre o eleitorado medido pelas pesquisas de opinião cresceu a confiança na presidenta, entre a militância que fez sua campanha cresceu a desconfiança". 

Pomar compara o atual ministério com a chegada do PT ao poder, em 2003. "A correlação de forças institucional é pior, hoje, do que em 2003. E desde então nossa capacidade de organização, de mobilização e de comunicação não cresceu mais do que cresceram as de nossos inimigos. Apesar disto, seria totalmente possível compor um ministério mais parecido com a campanha do segundo turno e menos parecido com a "base" do governo no Congresso nacional", criticou. 

Toninho não ousa comparar o atual ministério com 2003, primeiro ano de Lula. Mas estabelece relações com o primeiro ministério de Dilma, de 2011. "Os atuais escolhidos têm um peso político muito maior do que os atuais titulares", completou ele. Ao citar, por exemplo, a escolha do obscuro George Hilton para o Esporte, ele lembra a dificuldade de escolher nomes qualificados no PRB. Mas avalia que o partido tem uma bancada de 21 deputados, bem maior do que a do preterido PCdoB. 

E sobre o deslocamento do PP para a Integração Nacional, sob o comando do técnico Gilberto Occhi, Toninho justifica. "Quem deu apoio a Dilma durante a eleição foi o PP do Nordeste. O PP do Sul e o do Sudeste estavam com Aécio", afirmou, reforçando o argumento com o fato de que a pasta da Integração tem forte inserção nos estados nordestinos.

Cid Gomes no barco do PT

Escolhido pela presidente Dilma Rousseff para ser ministro da Educação a partir de 1º de janeiro de 2015, o governador do Ceará, Cid Gomes, pode estar de malas prontas para deixar o Pros e filiar-se ao PT. As negociações estão em andamento e Gomes poderá, além disso, levar um nome de sua confiança (o escolhido é guardado em segredo) para ser o candidato do PT à prefeitura de Fortaleza em 2016. 

Após ter sido convidado oficialmente para o MEC, Cid deu declarações afirmando que a escolha era uma opção pessoal da presidente, sem necessariamente ser uma aliança partidária. "As declarações políticas dadas por ele nos últimos dias, de fato, reforçam um distanciamento do Pros", disse Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho do Diap. 

Se esse movimento de fato se concretizar, seria mais uma tentativa da presidente Dilma de montar um PT mais próximo dela, em contraposição com os lulistas. "É um erro que ela está cometendo. Em 2018, Dilma não será mais candidata a nada. Comprar briga com Lula e o campo majoritário do partido trará mais instabilidades do que ganhos para ela", atacou um parlamentar petista. 

Toninho discorda da avaliação do correligionário de Lula e Dilma. "Se Lula pensa, de fato, em voltar em 2018 ou se o PT pretende escolher outro nome para continuar no poder por mais tempo, terá de torcer pelo êxito da presidente", defendeu o analista político.