Em março deste ano, a Polícia Federal apreendeu no escritório do doleiro Alberto Youssef uma lista com referências a 747 projetos de infraestrutura espalhados pelo país. Levantamento feito pelo Correio mostra que órgãos de fiscalização, como o Tribunal de Contas da União, porém identificaram bem antes quase R$ 1 bilhão em sobrepreço ou irregularidades em 10 das obras citadas na planilha de Youssef. Os projetos não se restringem a obras da Petrobras: abrangem também área de transportes, esgoto e abastecimento. Os órgãos responsáveis pelas irregularidades vão desde prefeituras até entidades do governo federal, como a Infraero e o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS).

A tendência é que mais obras da planilha do doleiro sejam denunciadas, conforme avancem as investigações na trilha aberta pela Polícia Federal na Operação Lava-Jato. Na última terça-feira, por exemplo, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) denunciou a Petrobras e a construtora Andrade Gutierrez por desvios na ampliação do Centro de Pesquisas (Cenpes) da petroleira, no Rio. A obra está na planilha, que cita a “Construção e Montagem do Sistema de Geração e Distribuição da Água Gelada (CAG)” do Cenpes. Pela planilha, Youssef almejava fechar um contrato de R$ 237 milhões. Com base em auditorias do TCU, a denúncia do MPRJ estimou em R$ 31 milhões o superfaturamento total na obra. Os promotores citam como exemplo a compra de uma caixa de passagem, de alumínio. Enquanto o preço de mercado do item é de R$ 13, no contrato da Petrobras a mesma unidade é cotada em R$ 1.572.

Várias das obras citadas na planilha de Youssef também frequentam as páginas do relatório Fiscobras, desde 2008. Editado anualmente pelo TCU, o levantamento é encaminhado ao Congresso com projetos onde se recomenda a retenção de valores e até a paralisação do trabalho. O caso mais conhecido é o da Refinaria de Abreu e Lima (PE). Citada dezenas de vezes na planilha de Youssef, a obra teve a paralisação recomendada em 2010, em 2011 e em 2012. Mas a recomendação de paralisação também atingiu obras menos vistosas, como a da adutora de Italuís (MA), citada na planilha, e que teve a interrupção recomendada em 2008. Outro caso é pouco conhecido é a Refinaria Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, incluída no Fiscobras de 2010. Naquele ano, o TCU apontou sobrepreço de R$ 129,6 milhões nas obras.

Soma dos contratos
A planilha é citada em despacho do juiz Sérgio Moro para sugerir que o esquema de corrupção transcendia a Petrobras, revela atuação da organização criminosa em vários empreendimentos Brasil afora e até no exterior. O volume total de potenciais contratos soma mais de R$ 12 bilhões. O documento foi produzido pelo empresário Márcio Bonilho, principal sócio da Sanko Sider, empresa acusada pelo Ministério Público de permitir a lavagem de dinheiro de recursos oriundos de desvios na estatal por meio da Camargo Corrêa e de empresas de fachada de Youssef.

O juiz Sérgio Moro classificou de “pertubadora” a apreensão do documento. “Embora a investigação deva ser aprofundada quanto a este fato, é perturbadora a apreensão desta tabela nas mãos de Alberto Youssef, sugerindo que o esquema criminoso de fraude à licitação, sobrepreço e propina vai muito além da Petrobras”, afirmou em despacho. Um dos advogados do doleiro, Tracy Joseph Reinaldet, afirmou que a tabela foi produzida por Márcio Bonilho. A assessoria da Sanko confirma e diz que o próprio Bonilho a entregou à Polícia Federal. A defesa do doleiro e a assessoria da fornecedora de tubos afirmam que os valores se referem às propostas de negócios feitas para cada cliente em potencial. Youssef era o representante comercial dessas propostas na perspectiva de fechar contratos para Bonilho.

No caso da Petrobras, a defesa de Youssef admite a acusação do Ministério Público segundo a qual o doleiro realmente atuou como vendedor da Sanko para negócios lícitos, mas também fez repasses de propinas usando o mesmo canal financeiro com a Camargo Corrêa na Refinaria de Abreu e Lima. No entanto, Tracy Reinaldet e a assessoria da empresa negam que, para as propostas da “perturbadora” lista, tenha havido pagamento de propina para os negócios terem sido fechados.

Márcio Bonilho afirmou, por meio de sua assessoria, que a lista não é suspeita. Segundo ele, foi produzida com base em relação de obras publicadas no Anuário de Infraestrutura da revista Exame de 2013 e 2014. Entretanto, a relação de empreendimentos visados pela Sanko mostra que a fornecedora de tubos enviou propostas para as obras a partir de 2008. Para fechar os negócios, Bonilho citava empreiteiras gigantes, a exemplo da Odebrecht, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Galvão Engenharia. As empresas citadas têm negado as acusações sofridas no âmbito da Operação Lava-Jato.

“O processo para se esclarecer todos os desdobramentos da operação levará anos”, avalia o economista e especialista em gestão pública José Matias-Pereira. “Cada caso, cada obra, exigirá uma ação orquestrada dos órgãos para localizar e comprovar as irregularidades. E também para reaver os valores que foram subtraídos pela organização criminosa. Infelizmente, a capacidade de resposta das nossas instituições ainda está aquém diante do tamanho da tarefa”, diz ele, que é professor da Universidade de Brasília (UnB).

“Infelizmente, a capacidade de resposta das nossas instituições ainda está aquém diante do tamanho da tarefa”
José Matias-Pereira, professor da UnB especialista em gestão pública

As falhas pelo país // Várias obras citadas na planilha de Youssef são velhas conhecidas dos órgãos de fiscalização. Muitas delas frequentaram as edições anuais do Fiscobras, elaborado pelo TCU. Em 10 exemplos selecionados pelo Correio, o valor das irregularidades encontradas pelas fiscalizações chega a R$ 919,5 milhões. Confira:

Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras (RJ)
Na última terça-feira, o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MPRJ) ajuizou ação contra a Petrobras e a Construtora Andrade Gutierrez por supostas irregularidades nas obras do Cenpes e do Centro Integrado de Processamento de Dados (CIPD), ambos no Rio de Janeiro. O valor superfaturado chegaria a R$ 31 milhões, de acordo com a denúncia do MP, baseada em auditorias do TCU. 

Refinaria Gabriel Passos (MG)
Auditorias realizadas pelo TCU e referidas em um acordo de 2006 apontam sobrepreço de R$ 2,13 milhões em obras na refinaria. Os problemas foram encontrados em um contrato da estatal com a empresa Mana Engenharia.

Refinaria Landulpho Alves
O processo de modernização da refinaria aparece na lista de obras com “irregularidades graves” da edição de 2010 do Fiscobras. Naquele ano, o TCU apontou sobrepreço de R$ 129,6 milhões.

Adutora Italuís (MA)
É citada como foco de irregularidades pelo TCU pelo menos desde 2001, em diferentes acórdãos. Em 2008, indícios de sobrepreço em dois contratos da adutora levaram o tribunal a recomendar a paralisação das obras.

Sistema Adutor do Agreste Alagoano
Na planilha da Sanko, uma das anotações diz respeito ao “Sistema Adutor do Agreste Alagoano”. O estado é Alagoas, e a empreiteira responsável é a Galvão Engenharia. A anotação pode se referir tanto ao Sistema Adutor do Agreste, construído em Pernambuco, quanto ao Canal Adutor do Sertão Alagoano. A última obra, por exemplo, aparece em diversas edições do Fiscobras, inclusive a de 2014, quando foi recomendada a retenção parcial dos valores. No Fiscobras de 2009, o sobrepreço foi estimado em cerca de R$ 103 milhões.

Refinaria Presidente Vargas (PR)
Na edição de 2008 do Fiscobras, o TCU recomendou a paralisação das obras em razão de irregularidades e sobrepreços em vários contratos, sendo que um deles envolvia a empreiteira Engevix. Naquele ano, 
o TCU recomendou o bloqueio de verbas da ordem de R$ 8,1 milhões nas obras da refinaria.


 

 (Angelo Pettinati/Esp. EM/D.A Press - 23/10/13)

 
Reforma do Aeroporto de Confins (MG)
Em 2011, o TCU mandou suspender a licitação voltada para a reforma do aeroporto. Além da “restrição ao caráter competitivo”, o edital da licitação trazia um sobrepreço da ordem de R$ 45,9 milhões, por meio de itens que estariam superdimensionados no edital.

Tubovias do Comperj
Destinada a ser o maior complexo petroquímico da América Latina, o Comperj é objeto de inúmeras auditorias dos órgãos de controle, que apontam sobrepreços em diversos contratos. Só no projeto das Tubovias, referido diversas vezes na planilha, o sobrepreço é estimado em R$ 162 milhões.

RNEST (Abreu e Lima)
A refinaria pernambucana é citada dezenas de vezes na planilha. Em setembro, um relatório de auditoria do TCU apontou sobrepreço de R$ 367,8 milhões em diversos contratos da refinaria. Também consta na lista de obras com “recomendação de paralisação” em diversas edições do Fiscobras.

Aeroporto de Manaus
No Fiscobras 2011, o TCU considerou que a reforma do Aeroporto de Manaus apresentou indícios de irregularidades e recomendação de paralisação. O tribunal aponta a ocorrência de “preços excessivos frente ao mercado” e “restrição do caráter competitivo” da licitação. Segundo o TCU, as correções realizadas evitaram sobrepreço de R$ 70 milhões na licitação. No Fiscobras de 2013, a reforma do aeroporto voltou a figurar entre aquelas com graves indícios de irregularidades.