Título: Capes e o Comitê de Área de Direito
Autor: Falcão, Joaquim
Fonte: Correio Braziliense, 02/07/2011, Opinião, p. 21
Professor da escola de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV)
A Capes renova agora seu Comitê da área de direito, agente fundamental do sistema de mestrados e doutorados que forma milhares de profissionais jurídicos: advogados, procuradores, juízes, professores, defensores, pesquisadores ¿ fator decisivo para a evolução, ou regressão, da pesquisa, do conhecimento e da prática jurídica brasileira. A formação desses profissionais influencia o acesso e a natureza de nossa Justiça, a eficiência de nossos tribunais, a defesa dos direitos individuais, a boa feitura e os cumprimentos dos contratos, a criação, interpretação e efetividade das leis.
Sem risco de exagerar, mas com base na experiência histórica, a Capes, por seus programas e Comitê, pode influenciar indiretamente e a médio prazo os destinos, positivos ou negativos, de nossa democracia. Sua influência vai muito além de concessão de bolsas de estudos, viagens ou financiamentos. Por tudo isso, espera-se muito do novo comitê.
Espera-se, por exemplo, que imprima uma nova orientação no que diz respeito aos mestrados profissionais, criados pela Portaria nº 80 da Capes, do Ministério da Educação, como um novo tipo de mestrado. Para todas as áreas. Como o nome diz claramente, o mestrado acadêmico deveria ser mais voltado para a formação acadêmica, a pesquisa e o ensino. E o mestrado profissional, para a formação prática, para o aperfeiçoamento profissional.
Até hoje foram criados 352 mestrados em praticamente todas as áreas do conhecimento. Mas na área de direito, nenhum. Por quê? Não por falta de propostas. Mas por opção ideológica do Comitê de Área de Direito. Em vez de avaliar, negar ou aprovar um ou outro projeto, o que seria razoável e de sua competência, os últimos sucessivos comitês opuseram-se à própria Portaria nº 80/98 da Capes, inviabilizando o direito de qualquer faculdade, pública ou privada, implantar mestrados profissionais. Não adiantaram a demanda dos cursos, a legislação educacional. Não adiantaram os sucessivos ministros, as sucessivas diretorias da Capes serem a favor do mestrado profissional. O Comitê usou de seu poder discricionário para negar um direito que a legislação concedia às faculdades e implementou uma política pública de pós-graduação própria e paralela: contrária.
Daí se perguntar se um comitê da Capes tem competência para vetar uma política educacional pública, criada por autoridade competente, através de norma legal. São razoáveis 12 anos seguidos de inviabilização de possibilidades de inovar no ensino jurídico? Quais são os limites políticos e legais de um comitê?
Justamente por essa responsabilidade, um comitê de área como o de direito não deve representar apenas um, ou apenas poucos grupos de pensamento sobre ensino jurídico e formação profissional. Seu compromisso maior é com a representatividade plural dos profissionais de sua área e de suas ideias e ideais. Não são poucos os que notam que juízes, procuradores, defensores, legisladores, categorias profissionais que têm características próprias de formação profissional, têm sido subrepresentadas no Comitê.
A formação prática de um juiz é absolutamente distinta da do advogado. E ambas, dos procuradores, dos delegados de polícia e os peritos judiciais. Os mestrados profissionais viriam justamente contemplar a diferenciação profissional. O desconhecimento pela Capes dessa heterogeneidade com certeza contribui para que mais e mais o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública criem sistemas próprios de formação profissional. A continuar fechada à diferenciação profissional, no futuro a pós-graduação será apenas para advogados.
A política dos últimos comitês de direito na prática criou uma artificial reserva de mercado para os mestrados acadêmicos. O que não assegura melhor qualidade e inovação da pesquisa e das profissões jurídicas. Colabora para a visão popular do profissional jurídico de difícil acesso, excessivamente formalista, doutrinador, retórico e elitista. É óbvio que o mestrado profissional compete com o mestrado acadêmico. É obvio e salutar.
Renovar é preciso. Novos projetos, experiências e inovações são precisos. O progresso do conhecimento, o aperfeiçoamento e a reinvenção profissional não se fazem com vetos, mas com estímulos e riscos. A Capes tem que apostar e apoiar o projeto que pode fazer a diferença. Não ser o órgão distante, que regula, fiscaliza e pune. Mas o que corre riscos com as plurais faculdades.
Anistiar os projetos de mestrado profissional que estão até hoje parados nos corredores da própria Capes, nas faculdades, nas ideias e nos ideais de seus profissionais é um primeiro passo. O comitê de direito da Capes, um dos primeiros criados no Brasil, há mais de 30 anos, deve retomar sua rota de pluralismos, riscos e inovações. A oportunidade é agora.