Título: Chavismo sem Chávez
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 02/07/2011, O Mundo, p. 22

Após presidente confirmar que trava uma batalha contra o câncer, vice defende a unidade nacional e Exército garante respeito à ordem constitucional. Cientistas políticos e ex-ministro questionam o futuro da Revolução Bolivariana e admitem debate sobre a sucessão

"Eu os estou vendo... Eu os estou sentindo, povo belo, povo grande... (...) Que furacão de amor!" A mensagem foi postada no microblog Twitter por volta das 14h40 (hora de Brasília) de ontem por Hugo Chávez, após o presidente venezuelano revelar que tem câncer. Enquanto Chávez luta pela vida em Havana, o vice-presidente, Elías Jaua, descartou a possibilidade de assumir a Presidência do país. "O presidente da República Bolivariana está no comando do governo da Venezuela, nunca deixou de estar. Ele está e seguirá estando, não cabe discutir a delegação de competências. O presidente está em pleno exercício de suas competências físicas e mentais; para nós essa discussão não tem cabimento", declarou ontem Jaua, em Caracas.

Na noite de quinta-feira, minutos depois do pronunciamento de Chávez (leia ao lado), o vice apareceu na tevê ao lado de nove ministros e pediu aos simpatizantes do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) para que mantenham a "unidade e a máxima disciplina" em torno do projeto político. "A todas as forças revolucionárias do país, a todos os movimentos sociais que acompanham o projeto da Revolução Bolivariana liderado pelo presidente Chávez, pedimos a unidade, a máxima disciplina, a coordenação de todas as ações necessárias para levar adiante as políticas revolucionárias", disse Jaua. Em entrevista à Rádio W, da Colômbia, ele atestou que Chávez voltará a Caracas antes de 180 dias.

O Exército apressou-se em garantir que não existe uma ameaça à ordem constitucional, afastando os fantasmas do golpe militar em 2002. "Sem sombra de dúvidas, nosso comandante em chefe, o presidente da República, requer tempo", disse Henry Rangel Silva, chefe do Comando Estratégico Operacional da Força Armada Nacional, ao jornal El Universal. O ministro de Energia e Petróleo, Rafael Ramírez, defendeu o aprofundamento da revolução. "O que Chávez ordenou tem que se cumprido", declarou. Até o governo dos EUA, avesso ao chavismo, desejou uma recuperação rápida ao líder.

Alinhamento A oposição alinhou-se aos votos de restabelecimento da saúde de Chávez e evitou a radicalização em um primeiro momento. "O presidente deve se ocupar de curar sua saúde e eles (PSUV) de curarem seu governo, que não é capaz porque está doente de ineficácia, de atender aos problemas e às necessidades do povo", disse Ramón Guillermo Aveledo, coordenador do bloco de oposição Mesa da Unidade Democrática (MUD). Apesar da reação contida dos adversários, o câncer do presidente lança sérias dúvidas em relação ao futuro político do país. "Não existe chavismo sem Chávez. Não há Revolução Bolivariana sem Chávez", alertou ao Correio, por e-mail, a venezuelana Thais Maingon, cientista política e socióloga da Universidad Católica Andrés Bello e da Universidad Central de Venezuela. Ela ironiza o desejo de Jaua de prosseguir com as reformas. "Tudo o que ele aprofundará será a infeficiência em resolver os problemas sociais, econômicos, carcerários, os protestos e as greves, que têm assolado a sociedade venezuelana desde 2010."

Ex-ministro do Comércio da Venezuela e colunista do jornal espanhol El País, Moisés Naím reconhece: "Pela primeira vez, as pessoas começam a imaginar como seria a Venezuela sem Chávez". A suposta coesão em torno do Palácio de Miraflores esconderia uma ameaça em potencial. "Nas três semanas em que Chávez está em Cuba, os demônios do PSUV apareceram", admite Thais. Ela explica que o mandatário encarregou-se de não permitir o surgimento de uma liderança alternativa. "Agora que ele não está presente, o PSUV precisará pensar em como fazer e o que fazer com a Revolução Bolivariana. Chávez é o único que sabe do que ela se trata", comentou. A especialista disse haver traços de debates sobre a sucessão e prevê uma confrontação entre as alas militar e civil. Naim assegura que uma "luta feroz" já ocorre dentro dos grupos chavistas (leia Três perguntas para).

O fato de Chávez exercer o governo desde Havana serve de munição para os rivais. Teodoro Petkoff, editor do jornal opositor Tal Cual, advertiu que se o presidente ausentar-se do país por mais de 90 dias consecutivos, a Assembleia Nacional decidirá pela decretação da "falta absoluta". Em 14 de junho, a bancada governista aprovou um documento por meio do qual ratificou a legalidade da autorização dada a Chávez para sair da Venezuela e permanecer em Cuba "até que se encontre em condições de saúde de retornar ao país".

Mesmo com o artífice da Revolução Bolivariana fora de Miraflores, Nicmer Evans ¿ cientista político da Universidade Central de Venezuela ¿ vê uma unidade do governo "absolutamente sólida". "Pode ser que em alguns dias isso mude, mas o presidente parece manter suas capacidades físicas e mentais para o cargo", disse à reportagem, por telefone. "Há indicações de que os chavistas não se prepararam para entender que Chávez é humano e sujeito a uma grave doença."

A tevê estatal venezuelana divulgou um novo vídeo que mostra Chávez numa reunião de trabalho com seu chanceler, Nicolás Maduro; o irmão, Adán Chávez; e uma autoridade militar. Gravadas em 29 de junho, as imagens exibem o presidente debatendo o cancelamento da cúpula de chefes de Estado da América Latina e do Caribe e a crise na Líbia. No vídeo, Chávez explica a rotina em Cuba: tratamento médico, passeios, leitura e tevê. Ele revelou ler Assim falava Zaratustra, de Friedrich Nietzsche. "A batalha é para ser feita e para ganhar", declarou. O coronel mostrou-se bem-humorado. "Decidi seguir rigorosamente o plano de recuperação. Se Fidel não tivesse me sequestrado, eu não teria seguido os procedimentos médicos."

"CORAGEM NÃO LHE FALTA", AFIRMA DILMA A presidente Dilma Rousseff enviou ontem uma mensagem ao colega Hugo Chávez, na qual deseja seu pronto restabelecimento. "Nos momentos difíceis pelos quais todos passamos, é importante não só o cuidado dos médicos, como nossa coragem pessoal e a solidariedade dos amigos", escreveu a mandatária. "Coragem não lhe falta, presidente Chávez, e esteja certo de que não lhe falta também a solidariedade de todos os amigos", acrescentou. A mensagem é encerrada com um "forte abraço". Em 26 de abril de 2009, Dilma, então ministra-chefe da Casa Civil, anunciou que havia descoberto um linfoma.