A Petrobras informou ontem que poderá não pagar os dividendos de 2014 aos acionistas, caso a situação financeira da companhia piore, e avaliou que as investigações para apurar as irregularidades praticadas na empresa podem levar até dois anos. Em teleconferência com analistas e investidores, a diretoria da estatal apresentou os dados do balanço não auditado do terceiro trimestre do ano passado, divulgado na madrugada de quarta-feira. O documento aponta redução de 38% no lucro líquido, em relação ao período anterior.

Envolvida em escândalos, a estatal ainda precisa contabilizar os prejuízos com os desvios de dinheiro e o superfaturamento de contratos, que podem chegar a R$ 88,6 bilhões, segundo um levantamento preliminar. Os valores, porém, não foram retirados do balanço porque, pressionado pelos ex-ministros Guido Mantega e Miriam Belchior, que ainda integram o órgão, o Conselho de Administração da empresa não ratificou a metodologia usada para calcular as perdas.

A suspensão dos dividendos foi admitida pelo diretor financeiro da Petrobras, Almir Barbassa. "Em qualquer companhia, quando há uma situação de estresse financeiro, existe a possibilidade de não distribuir dividendos. É uma alternativa que poderá ser considerada", disse ele. Além de prejudicar os milhares de investidores que compraram ações da empresa, a medida teria forte impacto no caixa do governo que, como maior acionista, tem uma importante fonte de recursos nos lucros da estatal e contava com essa receita para o programa de ajuste fiscal.

Barbasssa explicou que o pagamento vai depender da liquidez que a empresa puder garantir. "Não tendo lucro, naturalmente, não haverá dividendos. Se houver lucro, podemos declarar e não distribuir. Ainda temos a alternativa de, mesmo com resultado positivo, não declarar dividendos, mas, nesse caso, tenho que fazer uma reserva especial para pagá-los assim que a companhia tiver condições", disse.

A lei 6.404, das Sociedades Anônimas, exige a distribuição de, pelo menos, 25% do lucro aos acionistas. Porém, conforme o analista de investimentos e consultor Robson Pacheco, a mesma legislação garante às empresas o direito de fazer uma reserva em casos emergenciais. "Do lucro apurado em balanço, 5% são para reservas legais, provisão de Imposto de Renda e contigencionamento. Se a necessidade da empresa for maior do que esses 5%, ela pode absorver mais. A contingência pode ser mantida no exercício seguinte ou ser revertida", observou.

A suspensão do pagamento de dividendos é limitada a três anos, assinalou o especialista. "Quando isso ocorre, as ações preferenciais se transformam em ordinárias, com direito a voto, e podem modificar o controle acionário de uma empresa de capital aberto. No caso da Petrobras, a Constituição garante o controle da União, ou seja, essa mudança seria inconstitucional", explicou Pacheco.

Descalabro

Na terça-feira, a Petrobras deu uma sinalização do tamanho das baixas patrimoniais que poderá ter que registrar, ao declarar que a avaliação de 52 empreendimentos em construção ou em operação, citados na Operação Lava-Jato, estão com valor contábil acima do considerado justo.

O montante de R$ 88,6 bilhões corresponde a 77% do valor de mercado da companhia, que vem diminuindo a cada dia.

Diante de tamanho descalabro, a presidente da estatal, Graça Foster, destacou que a companhia não tem condições de apresentar, até abril, como previa, o plano de negócios para o período de 2015 a 2019. "Não temos a menor condição de prever nada. No fim do primeiro semestre, teremos mais certeza sobre dados como preço do petróleo, taxa de câmbio e (investigações da Operação) Lava-Jato", justificou.

Com bilhões de dólares em títulos no exterior, o atraso prolongado na divulgação de balanços auditados pode levar os credores a declarar o vencimento antecipado das dívidas, o que abalaria o caixa da petroleira. Barbassa disse que tem conversado com os detentores de bônus para evitar que a situação se agrave ainda mais.