Faz um mês que as obras de pavimentação da rodovia estadual 437, entre as cidades de Sabará e Nova Lima, em Minas Gerais, estão paradas. A construtora contratada chegou a ter cerca de 200 trabalhadores e 80 máquinas no local. O sinal verde para o serviço havia sido dado em setembro do ano passado e a previsão era que tudo estivesse pronto até o fim de 2015. Mas, então, veio uma ordem de cima: o governo de Minas Gerais determinou que a obra deveria ser interrompida porque não tinha mais dinheiro para pagar pelo trabalho.

Ao todo, e pela mesma razão, o governador Alberto Pinto Coelho (PP) - que entrega o cargo em janeiro para Fernando Pimentel (PT) - mandou parar nas últimas semanas 32 obras, a maioria em estradas e pontes. A culpa, segundo Minas, é de Brasília. Mais diretamente do Banco do Brasil de quem Minas contratou um empréstimo para as obras. O problema, diz o governo mineiro, é que o banco não entrega o dinheiro.

Num ano em que o governo federal teve sérias dificuldades de caixa e precisou sepultar a meta de superávit primário, governos de Estados viram empréstimos com que contavam para obras ficarem retidos em Brasília ou serem liberados com demora acima do normal, segundo secretários estaduais ouvidos pelo Valor.

O caso de Minas é apenas o mais recente. "A maioria dos Estados reclama que não está recebendo os recursos de empréstimos já aprovados", diz o secretário de Planejamento do Mato Grosso, Arnaldo Alves, atual presidente do Conseplan, órgão que reúne secretários estaduais de Planejamento. Uma das exceções é São Paulo. Segundo a assessoria da Secretária da Fazenda paulista, o Estado não teve dificuldades para receber empréstimos feitos junto a bancos federais.

A expectativa de Alves é que com a aprovação, pelo Congresso, da flexibilização da meta fiscal deste ano, os empréstimos estaduais entrem nos eixos. Um dos alvos de queixas, segundo o secretário, é o Proinveste, linha de crédito para investimentos que tem recursos do Banco do Brasil, do BNDES e da Caixa.

O governo do Mato Grosso teve dificuldades este ano de receber a última parcela de um empréstimo de R$ 450 milhões que havia tomado em 2012 do Proinveste. Algumas obras avançaram a passos lentos e outras chegaram a parar, disse o secretário. "Esses recursos foram colocados à disposição, mas acredito que em função da dificuldade [de Brasília] de caixa, os Estados não conseguem receber empréstimos já aprovados", disse.

Segundo a secretária de Planejamento e Gestão de Minas Gerais, Renata Vilhena, a liberação do empréstimo para obras que o Estado tomou junto ao Banco do Brasil teria de ter ocorrido em agosto. "Temos a receber cerca de R$ 900 milhões", disse. O Banco do Brasil informou à secretária que, em função das eleições, a liberação do empréstimo sofreria algum atraso, mas há algumas semanas veio outro sinal. "Eles nos disseram, ainda que não formalmente, que este ano o dinheiro não seria liberado."

Um dos efeitos das paralisações de obras se dá sobre os preços dos contratos. Na rodovia entre Sabará e Nova Lima, onde na semana passada eram vistos apenas alguns poucos trabalhadores e máquinas, a terraplenagem, a contenção das encostas e as bases da pavimentação já foram feitas em metade da estrada. Mas até que as obras voltem ao normal, parte do trabalho corre o risco de se perder porque as chuvas já começaram, o que deve gerar custos adicionais. A história é a mesma para os demais contratos.

O Estado de Santa Catarina também teve canteiros de obras abandonados este ano. "Tivemos sérios problemas ao longo deste ano. Ficamos cerca de cinco meses sem receber o dinheiro que havíamos tomado como empréstimo do Banco do Brasil", disse o secretário de Planejamento de Santa Catarina, Murilo Flores. "Houve várias paralisações de obras em estradas e escolas e tivemos de usar recursos do Tesouro do Estado, ou então fazíamos mil promessas para as empreiteiras. Isso tudo em meio ao período eleitoral."

Flores lembra que chegou em um ponto que o Tesouro de Santa Catarina fechou a torneira. "Tivemos de fazer milagres." O Estado tem dois contratos de empréstimos com o Banco do Brasil, um de R$ 1 bilhão e outro, de R$ 3 bilhões. Com o BNDES são mais dois contratos, um de R$ 750 milhões e outro de R$ 3 bilhões. Os quatro foram firmados em 2013. Segundo o secretário, atrasos só ocorreram com o Banco do Brasil. Os empréstimos fazem parte de um pacote que, somado a outras fontes, chega a R$ 10 bilhões para obras em estradas, portos, hospitais e escolas.

Flores discorda da avaliação de membros de partidos da oposição, segundo os quais a retenção dos empréstimos seria perseguição política por parte do Planalto. Ele lembra que o governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo (PSD) - reeleito em outubro -- se aliou à presidente Dilma Rousseff (PT) e mesmo assim "penou para ver a cor do dinheiro".

Para o secretário, a hipótese mais plausível é simples: falta de dinheiro do governo federal. "Criou-se uma burocracia excessiva para liberação desses empréstimos e, na verdade, essa burocracia pode estar sendo usada como desculpa, porque falta recurso para ser liberado", disse.

 

 

BNDES admite atrasos, mas diz que 'travas' também atrapalham

 

O BNDES admite que é preciso, de fato, mais agilidade na liberação dos recursos para os Estados. "O problema que os governos colocam, de demora dos investimentos, ocorre mesmo", disse ao Valor o diretor de Infraestrutura Social do banco, Guilherme Lacerda. As dificuldades estão ligadas a uma "série de travas, de exigências que se impõem para o administrador público", disse. São exigências ambientais, de documentação de terreno, restrições às vezes impostas pelas assembleias legislativas dos Estados, entre outras.

"Essa é a realidade do país. Não é do BNDES ", disse. "O BNDES não é mais travado do que os outros dois", referindo-se ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica. Este ano, lembra ele, houve ainda a limitação relacionada às eleições: 90 dias antes do pleito, o banco ficou proibido de fazer liberações.

Some-se a tudo isso o fato de o BNDES ter, segundo Lacerda, uma equipe pequena para lidar com os empréstimos aos Estados. "Tem que encontrar uma maneira mais rápida de fazer esses financiamentos aos Estados."

Mesmo assim, Lacerda lembra que o banco, que desde 2008 vem ampliando sua atuação junto a Estados, está fazendo um volume recorde de liberações esse ano. No Proinveste, uma das linhas para os Estados, dos R$ 12 bilhões, falta liberar cerca de um R$ 1,2 bilhão, diz. Ele nega que as dificuldades de caixa da União tenham afetado as liberações. "No caso do BNDES, rigorosamente não é isso."

Por meio de nota, o Banco do Brasil disse, em relação aos casos citados, que suas ações "são pautadas pelo estrito cumprimento das cláusulas pactuadas por intermédio dos contratos assinados com os Estado". O banco não deu informações sobre o volume de empréstimos aos Estados ainda retidos.

 

NO PIAUÍ, GOVERNO VAI À JUSTIÇA E ROMPE CONTRATO

 

Com carências maiores de investimento e infraestrutura, governos das regiões Norte e Nordeste também se queixam da demora para receber empréstimos federais. Além de atrasos nas obras, a situação gera, em alguns casos, uma desarrumação no dia a dia das contas estaduais.

A Paraíba, do governador Ricardo Coutinho (PSB), recorreu ao Proinveste e a outra linha chamada BNDES Estados. Do primeiro, tomou, em janeiro de 2013, um empréstimo de R$ 689,22 milhões, mas até agora chegaram R$ 242,36 milhões, segundo o secretário de Planejamento, Thompson Mariz. São recursos para reformas de hospitais e escolas, aquisição de equipamentos hospitalares, reparos em estradas, cinemas, estádios de futebol, ginásios e outras. Ao todo, são 50 obras que começaram entre maio e junho do ano passado.

“Com o atraso dos repasses, algumas obras começaram a atrasar e outras foram paralisadas. O governo do Estado passou a pagar [as empreiteiras] com recurso do Tesouro”, contou Mariz. Foi uma injeção de R$ 30 milhões para compensar o atraso. Mas segundo ele, há cerca de R$ 250 milhões a pagar de obras que devem ser custeadas pelos dois empréstimos federais.

“Muitos repasses de custeio para hospitais ficaram prejudicados. Em vez de mandarmos, por exemplo, R$ 10 milhões para um hospital, estamos repassando R$ 8 milhões. Estamos também atrasando o pagamento de alguns contratos com pessoal terceirizado de limpeza, manutenção, de locação de veículos. As contas de água e telefone, a gente também termina por atrasar”, disse o secretário.

No Pará, a crônica é parecida. O governo de Simão Jatene (PSDB) contratou, em dezembro de 2012, um empréstimo de R$ 955 milhões do Proinveste para obras em estradas, em um terminal hidroviário e um complexo de esportes, entre outras. Os recursos viriam do BNDES. Jatene decidiu iniciar as obras antecipando recursos do Estado. Hoje, 71% dos recursos já chegaram, mas o governo ainda toca algumas obras com caixa próprio esperando o resto do empréstimo aparecer. Na avaliação do governo paraense, as obras andam num passo mais lento do que deveriam em função do fluxo de liberação dos empréstimos.

Foi no Piauí, porém, que a situação chegou ao limite. Em janeiro de 2013, o Estado contratou financiamento de R$ 600 milhões para obras de mobilidade urbana com o Banco do Brasil, na linha de crédito Prodesenvolvimento 2, dividido em duas etapas. Até agora foram liberados R$ 230 milhões. Desde o início do ano, o governo tenta acessar o resto dos recursos, inclusive R$ 69 milhões da primeira parcela do empréstimo.

Segundo secretário estadual de Administração, João Henrique de Almeida Souza, o banco tem exigido um número grande de documentos como justificativa para a não liberação dos recursos. O governo do Piauí diz que atendeu às exigências, mas o dinheiro não saiu e por isso ele entrou com ação na Justiça para pressionar o banco. Sem resultado na esfera judicial, o governo decidiu romper unilateralmente o contrato de financiamento na última sexta-feira.

O governador Antonio José de Moraes Souza Filho (PMDB) determinou que Procuradoria do Estado mandasse um ofício ao Banco do Brasil pedindo a suspensão do contrato. Além da taxa de 3,85% ao ano, o empréstimo exige o pagamento de 1% em cima dos valores ainda a serem liberados. “Estamos pagando por um montante que não estamos conseguindo acessar”, disse Souza. Até agora, o financiamento com o Banco do Brasil já gerou despesas financeiras de R$ 15 milhões para o Estado.

Segundo Souza, pela falta dos recursos, o andamento de obras de infraestrutura, como a construção de um rodoanel metropolitano e viadutos, está prejudicado. O governador, que fez oposição a Dilma nas eleições, não conseguiu se reeleger e perdeu para Wellignton Dias (PT).