Ministros do Interior e da Justiça dos países membros da União Europeia (UE) reunidos em Riga, capital da Letônia, devem apresentar hoje um plano conjunto para combater o islamismo radical e prevenir novos atentados terroristas na região. Entre as medidas discutidas ontem, está o polêmico projeto que prevê a obtenção e o registro de informações pessoais de todos os passageiros que entrarem ou saírem do bloco europeu. Ao todo, 42 tipos de informações, como dados de cartão de crédito, preferências alimentares — por exemplo, a dieta kosher seguida por judeus—, endereço e telefone residenciais poderão ser compartilhadas entre os Estados, caso o projeto seja efetivado.

O sistema integrado ajudaria a identificar e acompanhar potenciais jihadistas, argumentam os simpatizantes da ideia. Defensores das liberdades civis, no entanto, destacam como a proposta viola o direito à privacidade. A Comissão de Liberdades Civis do Parlamento Europeu bloqueou o mesmo projeto há quase dois anos, mas pode se ver vencida pela pressão gerada após os ataques jihadistas contra a capital francesa neste mês. Ele prevê que todos os dados coletados fiquem disponíveis por até cinco anos, podendo ser acessados por policiais e agentes de inteligência.

Durante a Marcha Republicana em Paris, evento atendido por líderes de todo o mundo, ministros do Interior do bloco emitiram um comunicado defendendo ser “crucial e urgente” a criação “de um sistema europeu de registros de identificação de passageiros”. O vice-presidente da Comissão de Liberdades Civis, Jan Phillipp Albrecht, criticou o plano que, segundo ele, representaria “gasto desnecessário de recursos, que seriam melhor utilizados na vigilância de suspeitos reais”.

O medo de novos ataques também pode levar a modificações no controle das fronteiras da área de Schengen (região dos 26 países europeus que aboliram a necessidade de passaporte para cruzar suas fronteiras comuns). “Não há dúvidas de que novos ataques podem acontecer”, disse o ministro do Interior da Bélgica, Jan Jambon. “É uma questão de quando e onde”, alertou, apoiando as medidas.

A pressão também atingiu grandes empresas na internet, procuradas para uma cooperação contra a propaganda jihadista on-line. Antes dos atentados no começo do mês, representantes do continente já estavam em contato com Google, Facebook, Microsoft e outras companhias para acertar a retirada de conteúdos extremistas da rede. Mas a censura de fotos, vídeos e textos pode se mostrar uma estratégia inviável. Na quarta-feira, representantes do Google, empresa dona o YouTube, afirmaram que cerca de 300 horas de vídeo são postadas no site a cada minuto, volume que torna impossível uma avaliação prévia do material disponibilizado aos usuários.

 

“Histeria”

Nas últimas semanas, a França adotou uma série de medidas para aumentar a segurança. O alerta é tão forte que uma criança de 8 anos foi interrogada pela polícia de Nice por “apologia ao terrorismo”. O menino, identificado como Ahmed, teria dito em sala de aula que não era Charlie — em referência à frase “Eu sou Charlie”, difundida como resposta popular ao ataque contra a sede da revista Charlie Hebdo. “Estou com os terroristas”, teria acrescentado o garoto, cuja família é muçulmana.

Sefen Guez Guez, advogado da família, classificou o episódio como exemplo do “estado de histeria coletiva” vivida na França e exigiu reparações. O Ministério da Educação confirmou a existência de uma denúncia, mas apenas contra o pai. Fontes policiais consultadas pelo jornal Le Figaro afirmaram que o caso “é mais complexo” e que outros aspectos estão sendo investigados.