A presidente Dilma Rousseff vai iniciar o seu segundo mandato em primeiro de janeiro de 2015 com uma agenda econômica bastante complicada. O seu primeiro mandato se encerra com um crescimento econômico pífio, próximo de 0% para o ano de 2014 e abaixo de 2% para a média do período 2011-2014, com a taxa de inflação teimosamente no teto do regime de metas, com um déficit em conta corrente do balanço de pagamento caminhando para 4% do PIB e com um déficit nominal de quase 5% do PIB para o setor público consolidado. Deve-se ressaltar, no entanto, que a desaceleração do crescimento nos últimos quatro anos foi acompanhada por uma redução, não por um aumento, da taxa de desemprego; o que sinaliza, de forma inequívoca, para uma redução da taxa potencial de crescimento da economia brasileira.

Uma parte significativa da redução do crescimento potencial da economia brasileira decorre da redução do crescimento da produtividade do trabalho. Esta tende a crescer em função da realização de investimentos em máquinas e equipamentos que incorporem as novas tecnologias de produção. Dessa forma, um importante determinante do ritmo de crescimento da produtividade do trabalho é o investimento por trabalhador. Outro determinante importante do crescimento da produtividade do trabalho consiste nas economias dinâmicas de escala, ou seja, na redução do custo de produção que decorre da experiência acumulada dos trabalhadores no manuseio do equipamento de capital.

A desvalorização da taxa real de câmbio exige uma redução da demanda por bens não-comercializáveis

O investimento por trabalhador e a experiência acumulada no manuseio do equipamento de capital são fatores que, dependem, por sua vez do dinamismo da produção industrial. A indústria de transformação é o motor de crescimento da economia no longo-prazo porque é o setor que utiliza mais intensamente máquinas e equipamentos na produção de bens, sendo assim o setor responsável pela geração e difusão do progresso técnico para a economia como um todo. Quando a indústria de transformação perde dinamismo, o ritmo de crescimento da produtividade do trabalho se desacelera, pois o investimento por trabalhador diminui, bem como o ritmo de acumulação de experiência no manuseio do equipamento de capital existente por parte da força de trabalho.

Desde o final de 2010 que a produção física da indústria de transformação está estagnada. Essa desaceleração do crescimento da produção industrial veio acompanhada por uma redução significativa da participação da indústria de transformação no PIB, fenômeno esse conhecido como desindustrialização. Esse é um fenômeno estrutural causado pela perda de competitividade da indústria em função da sobrevalorização crônica da taxa de câmbio e do crescimento dos salários num ritmo superior a produtividade do trabalho.

Esse fenômeno fica bastante claro quando olhamos para o saldo comercial da indústria de transformação. Após registrar um saldo comercial recorde de US$ 22,37 bilhões em 2005, a indústria de transformação viu seu saldo comercial ser sistematicamente reduzido, passando a um déficit de US$ 4,08 bilhões em 2008 até alcançar US$ 49,18 bilhões no acumulado de 2014. Trata-se de uma reversão de mais de US$ 70 bilhões em pouco mais de nove anos.

É interessante notar que, se a indústria de transformação tivesse mantido o mesmo saldo comercial que tinha em 2005, o déficit em conta corrente cairia dos atuais US$ 85 bilhões para menos de US$ 15 bilhões, ou seja, de 3,7% do PIB para pouco mais de 0,5% do PIB. Nesse caso, as contas externas estariam praticamente equilibradas.

 

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Nesse contexto, a única forma de recuperar o potencial de crescimento da economia brasileira é recuperar a competitividade da indústria de transformação, o que passa obrigatoriamente pela desvalorização da taxa real de câmbio. Como a taxa real de câmbio é definida como sendo igual a razão entre o preço dos bens comercializáveis e o preço dos bens não-comercializáveis, a desvalorização da taxa real de câmbio exige uma redução da demanda por bens não-comercializáveis, notadamente serviços. É aqui que o ajuste fiscal se torna absolutamente necessário.

Enquanto a inflação dos bens não comercializáveis – que roda atualmente em torno de 8% ao ano – não ficar abaixo da inflação dos bens comercializáveis, o ajuste da taxa real de câmbio será impossível, independente da taxa de desvalorização do câmbio nominal. Em outros termos, a desvalorização do câmbio nominal só servirá para alimentar as pressões inflacionárias latentes na economia brasileira, fazendo com que, em algum momento nos próximos anos, a taxa de inflação supere a marca psicológica dos dois dígitos. Se isso ocorrer estarão postas as condições para o retorno ao passado inglório da inflação alta, via reativação dos mecanismos de indexação de preços e salários.

Está claro também que a situação atual da economia brasileira não permite a realização de um ajuste fiscal draconiano. Um ajuste fiscal moderado é possível de ser feito no início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Se esse ajuste for feito então será possível realizar um ajuste não-inflacionário da taxa real de câmbio, o qual é condição necessária para a recuperação da competitividade da economia brasileira. Nessas condições, a economia brasileira poderá voltar a crescer a taxas mais consistentes a partir do segundo semestre de 2016.

José Luis Oreiro é Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: jose.oreiro@ie.ufrj.br.