Uma tempestade política está se armando com as investigações sobre o bilionário desvio de recursos da Petrobras, mas enquanto o processo penal não se aproxima de um desfecho, nem provas e culpas são atribuídas, tudo segue como se fosse um escândalo "normal" - apenas muito grande.

Se tudo for comprovado, só a pequena parte do que foi divulgado de mais de centena de horas de depoimentos feitos sob delação premiada indica que há um material devastador, capaz de provocar mudanças profundas nas formas pelas quais o poder político é construído e exercido.

Há mais fatos e envolvidos do que as investigações iniciais sugeriam. A suspeita de que era impossível desviar um volume de dinheiro tão grande sem que mais funcionários da Petrobras fizessem parte do esquema de corrupção vai se confirmando. A Controladoria Geral da União abriu pelo menos sete processos administrativos contra empregados, gerentes e ex-gerentes da Petrobras supostamente participantes no desvio de recursos. Consequência lógica é que a cleptocracia, uma vez instalada na direção da estatal, instiga também subordinados diretos a tirar proveito das oportunidades e até agir por conta própria.

Havia tudo, menos improvisação, na forma como teria sido montada a organização para retirar dinheiro ilegalmente da Petrobras.

O planejamento, segundo o empresário Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, da Toyo Setal, incluia até mesmo um estatuto com 16 itens que disciplinava as relações das empreiteiras que faziam parte do cartel - 14 das maiores construtoras do país.

A elas era oferecido um cardápio das obras da Petrobras, no qual escolhiam aquelas nas quais estavam interessadas.

Em caso de conflito, havia tentativas de conciliação e, se ele fosse irremediável, aí sim, haveria disputa em uma concorrência "normal", segundo o depoimento do executivo.

Os diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa, sob delação premiada, e Renato Duque, que nega participação no esquema, receberiam percentual fixo do valor de cada contrato.

A essa altura, os controles internos da Petrobras, se existiam, já haviam sido desmontados.

A parte que não foi para o bolso dos funcionários da Petrobras, foram para o dos padrinhos deles, os partidos políticos.

Os partidos agiram sobre os controles externos no mesmo sentido. No Comitê de Obras Irregulares, parte da Comissão Mista de Orçamento, de 42 obras apontadas como suspeitas pelo Tribunal de Contas da União, só uma foi bloqueada, entre 2010 e 2013 (Valor, 4 de dezembro).

Boa parte dos deputados e senadores do comitê teve depois suas campanhas eleitorais financiadas por empreiteiras interessadas nas obras suspeitas.

PP, PMDB e PT foram os partidos expressamente nomeados pelos delatores como beneficiários da corrupção na estatal, embora a lista possa crescer.

A ação dentro da estatal, como se intuía, é longeva e tem um cunho prático quase "institucional".

Não se chega à diretoria sem indicação política, resumiu Paulo Roberto Costa em depoimento na CPI no Congresso.

Essa confluência de interesses contra a nação clama pela blindagem das estatais, sua profissionalização e o predomínio da capacidade técnica sobre a barganha política para preenchimento de cargos. Não é um remédio infalível, mas é um remédio.

Costa mencionou que as propinas foram pagas a 40 políticos dos três partidos, uma fatia não desprezível dos 594 membros do Congresso.

Aqui as dificuldades de punição são imensas. Até agora o deputado André Vargas, envolvido com o doleiro Alberto Youssef, continua no cargo, sem que seus pares tenham se movido para se livrar da companhia.

O resultado das investigações cria uma situação complicada e atinge o coração do financiamento de campanhas.

Segundo Augusto Mendonça, parte do dinheiro roubado era lavado como doação oficial para os partidos políticos.

Como esse dinheiro não é carimbado, é possível supor que algumas doações legais das empreiteiras, as maiores contribuintes do país, foram feitas com recursos espúrios.

As investigações da Petrobras são um marco, revelam uma vasta rede de interesses e desnuda o jogo político como ele é praticado no Brasil. Fornecem munição suficiente para alterações substanciais em esferas da vida pública.

O grande número de beneficiários, diretos e indiretos, e seu grande poder são obstáculo formidável a que esse esquema podre seja corrigido com a urgência e a profundidade necessária.