Mario Draghi arrastou o Banco Central Europeu (BCE) para um maior estímulo monetário com a promessa de avaliar a necessidade da medida no começo do ano que vem. Desapontou, assim, alguns investidores que exigiam uma ação mais rápida.
 
Mesmo tendo anunciado previsões "substancialmente" menores para a inflação na zona do euro e o crescimento econômico, o presidente do BCE disse que as autoridades vão esperar para avaliar se estão fazendo o suficiente para revitalizar a menor alta dos preços ao consumidor em cinco anos. Elas já estão intensificando os preparativos para novas medidas, que incluem o estudo dos méritos da compra de dívida soberana.
 
Os bônus espanhóis e italianos caíram ontem e o euro subiu, depois que o BCE mais uma vez evitou ampliar suas compras de ativos do setor privado para as dívidas soberanas. Muitos investidores classificam o afrouxamento quantitativo ao estilo americano como necessário, se o BCE quiser estimular a inflação, que está em menos de um quarto de sua meta de pouco menos de 2%.
 
"Se você prestar atenção a Draghi, verá que ele mesmo parece convencido de que eles já deveriam estar fazendo o afrouxamento quantitativo", diz Abhishek Singhania, um estrategista do Deutsche Bank. "É quase como se ele estivesse esperando os dados econômicos] piorarem, as expectativas de inflação de fato se deteriorarem. Desse modo, ficaria mais fácil convencer os "falcões" de que precisamos fazer alguma coisa."
 
As pressões que o BCE vem sofrendo refletem-se na maneira como ele acabou reduzindo suas perspectivas para a economia no fim de um ano em que reduziu as taxas de juros duas vezes, renovou as aquisições de ativos e ampliou a concessão de empréstimos baratos para os bancos.
 
O BCE pode ter sido muito lento, diz Nouriel Roubini, presidente do conselho de administração da Roubini Global Economics. "A Europa está a apenas um choque da deflação e de outra recessão", afirmou à "Bloomberg Television". "O BCE já deveria estar fazendo o afrouxamento quantitativo. Eles estão esperando demais e depois será tarde."
 
O presidente do BCE foi mais direto sobre os planos de expansão do balanço, dizendo que ela "pretende caminhar no sentido das dimensões que tinha no começo de 2012". Anteriormente, ele havia dito que o aumento, que implica em uma expansão de até € 1 trilhão era apenas "esperado".
 
Num sinal dos conflitos que poderão surgir se Draghi quiser fazer mais, ele disse que a nova formulação não foi apoiada por unanimidade pelo conselho diretivo do BCE, ou mesmo pelos seis membros do conselho executivo que ele preside e que propõe e implementa as políticas.
 
O BCE está oferecendo empréstimos de longo prazo para os bancos e comprando títulos atrelados a ativos e "covered bonds" (títulos lastreados no fluxo de hipotecas ou créditos ao setor público) para estimular a oferta de dinheiro na economia, que em tese deveria ajudar a aumentar a inflação e o crescimento. O balanço caiu para € 2 trilhões depois de atingir o pico de € 3,1 trilhões em 2012.
 
Esses obstáculos significam que o BCE poderá continuar evitando os bônus soberanos, preferindo comprar títulos de dívida de agências e companhias europeias, diz Kick Kounis, diretor de análises dos mercados macro e financeiro do ABN Amro Bank.
 
Os defensores do afrouxamento quantitativo afirmam que ele vai impor um teto aos rendimentos dos bônus, dar suporte às expectativas de inflação, encorajar uma maior tomada de riscos, ajudar a limpar os balanços dos bancos e, o mais importante, enfraquecer o euro em benefício do exportador.
 
O empenho de Draghi por mais estímulos ocorre no momento em que o Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, e o Banco da Inglaterra consideram quando irão apertar suas políticas monetárias. Ao mesmo tempo, o Banco do Japão está ampliando seus programas de estímulo e o Banco do Povo da China reduziu, no mês passado, suas taxas de juros pela primeira vez em dois anos.
 
A próxima peça do vaivém dos estímulos será a segunda rodada de empréstimos de longo prazo para bancos, na próxima semana. Após uma aceitação desapontadora de € 82,6 bilhões na primeira rodada, em setembro, os financiamentos na operação de 11 de dezembro poderão ficar em torno de € 170 bilhões, segundo economistas consultados pela "Bloomberg" no mês passado.
 
Mas os esforços que estão sendo feitos poderão não ser suficientes, forçando os bônus soberanos a entrar no radar do BCE, depois de ele ter resistido anteriormente a fazer essas aquisições mesmo com os bancos centrais dos EUA, Japão e Reino Unido partindo para elas.
 
Os críticos, que incluem membros do conselho diretivo, afirmam que a adoção do afrouxamento quantitativo poderá ser mais difícil na zona do euro do que em outros lugares, uma vez que ela carece de um mercado de bônus unificado e os rendimentos dos ativos soberanos já estão baixos.
 
Há quem tema que a compra de bônus soberanos tiraria o BCE de suas atribuições, fazendo-o avançar sobre a política fiscal, reduzindo ao mesmo tempo as pressões para que os políticos façam as reformas estruturais necessárias para o crescimento de longo prazo. Outros pessimistas temem a criação de bolhas de ativos ou mesmo o descontrole da inflação.
 
 
Compra de ativo soberano não sai de cena
 
 
Os mercados esperavam mais de Mario Draghi em sua conferência de imprensa após a reunião do Banco central Europeu (BCE).
 
Não exatamente o anúncio agora de um programa de compras de ativos (QE) "full blown" - que inclua compras de títulos soberanos -, mas um discurso mais incisivo, tendo em vista a redução expressiva das projeções para a inflação e o PIB da zona do euro.
 
Como a fala do presidente foi considerada muito "dovish" em outubro, era natural esperar uma "avanço" na estrutura de comunicação neste encontro.
 
Mas houve, sim, alguns pontos novos em sua fala, embora a impressão que tenha ficado, ao menos pela reação inicial dos ativos, é que o presidente do BCE e seu vice, Vitor Constancio, mostraram mais convicção nos discursos que fizeram, individualmente, nas últimas semanas do que naquilo que disseram ontem.
 
Faltou o tal "sentido de urgência" e como o mercado vive de expectativas, o euro e os "yields" soberanos dos países que compõem a união monetária inverteram a tendência e subiram.
 
Mas isso não significa que o QE saiu de cena, muito pelo contrário, continua iminente.
 
O receio de o BCE ficar atrasado em suas ações no confronto com a realidade econômica do bloco, é que ficou mais claro.
 
Mas alguns pontos destacados na entrevista, de fato, fazem muito sentido e eram esperados.
 
Em primeiro lugar, a opção do BCE por esperar os efeitos das medidas tomadas entre junho e setembro sobre o balanço patrimonial da instituição. Isso foi repetido ontem: "No início do próximo ano, o Conselho do BCE vai reavaliar o estímulo monetário alcançado, a expansão do balanço e as perspectivas para a evolução dos preços", disse Draghi. Ele acrescentou que precisará avaliar a queda recente dos preços do petróleo, que não está embutida nas projeções trimestrais divulgadas - o corte de tempo para os modelos do BCE foi em meados de novembro.
 
Assim, tais números possivelmente serão revistos novamente nos modelos do banco central.
 
Nas simulações atuais, Draghi disse que o impacto negativo potencial sobre o índice ao consumidor harmonizado (HICP, na sigla em inglês) em 2014 seria de 0,4 ponto percentual e, em 2015, de 0,1 ponto.
 
Pode haver, portanto, contaminação nas expectativas de inflação, o que é sempre um risco, dado que tais desvios "causariam queda [das expectativas], o que seria equivalente a um aumento da taxa real de juros", disse o presidente.
 
Em outras palavras, seria o mesmo que apertar as condições financeiras via um aumento indesejado da política monetária. Liquidamente, claro, lembrou que a queda dos preços de energia é "inequivocamente positiva para a Europa", dado seu efeito sobre a renda líquida da população.
 
O BCE espera agora que o PIB da zona do euro suba apenas 0,8% este ano (de 0,9% em setembro); 1% em 2015 (de 1,6%) e 1,5% em 2016 (de 1,9%). E cortou suas previsões de inflação em 2014 para apenas 0,5% (de 0,6%), 0,7% em 2015 (de 1,1%) e 1,3% em 2016 (ante 1,4%).
 
São revisões substanciais e revelam um cenário preocupante. Basta lembrar que a meta de inflação é de pouco menos de 2%.
 
Outro ponto que chamou atenção no comunicado da reunião, é que em setembro o BCE "esperava" aumentar o tamanho de seu balanço. Agora, o texto diz que o BCE "pretende" aumentá-lo para as dimensões que tinha no início de 2012.
 
Draghi admitiu que essa mudança de linguagem não tinha sido apoiada por unanimidade pelo o conselho do BCE. Mas, reforçou a máxima de que BCs não vivem de unanimidade: "A maioria é suficiente"; "pode haver consenso sem unanimidade"; "a maioria das grandes decisões políticas foi tomada sem unanimidade no conselho".
 
O conselho do BCE é composto por Draghi, Constancio (vice), Benoît Coeuré (França), Sabine Lautenschläger (Alemanha), Yves Mersch (Luxemburgo) e Peter Praet (Bélgica).
 
Seria, de novo, um recado ao Bundesbank, que se opõe frontalmente ao QE europeu?
 
Draghi disse que o BCE considerou vários tipos de QE, incluindo a compra de dívida soberana e que os estudos nessa linha haviam avançado.
 
Mas isso seria uma opção para cumprir o mandato, não para emitir um financiamento monetário, o que "não seria aceitável".
 
Questionado sobre os tipos de ativos que poderiam, hipoteticamente, ser comprados, o presidente disse que "todos, menos ouro".
 
Na sequência, incitado a dizer que se o programa abarcaria, então, ativos estrangeiros (como Treasuries americanos), Draghi respondeu que "é meio difícil, porque isso seria o mesmo que uma intervenção cambial". Então, estamos combinados: nem ouro, nem Treasuries.
 
O que mais falta para um QE?
 
A dica vem do comunicado, que manteve a alusão ao compromisso com a utilização de instrumentos não convencionais adicionais dentro do mandato para afastar os riscos da baixa inflação. Caso haja necessidade, "isso implicaria a alteração no início do próximo ano, do tamanho, ritmo e composição das nossas medidas". No mais, havia lá a indicação de que o BCE está "particularmente vigilante" em relação aos desenvolvimentos recentes sobre as tendências da inflação. Jean-Claude Trichet costumava usar essa expressão na reunião anterior ao anúncio de medidas. Janeiro está no páreo.